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LUÍS FERNANDO FERREIRA

Na mesma barca

Não foi fácil atravessar 2021, mas sobrevivemos (embora ainda falte uma semana). Em alguns momentos, a sensação foi de atravessar uma noite sem lua sob a luz de lampiões, impulsionado apenas pela vontade de enxergar o dia seguinte. Creio que quase todos, de alguma forma, cruzaram as águas deste ano em uma “embarcação desconfortável e tosca”, como personagens de um certo conto de Lygia Fagundes Telles. Um texto chamado Natal na barca, publicado como parte do livro Antes do baile verde.

Uma das maiores escritoras brasileiras, Lygia nos entrega uma história curiosa. Uma embarcação faz a travessia de um rio durante a noite de Natal, levando quatro pessoas que não se conhecem: uma mulher (a narradora) de idade indeterminada, um homem embriagado e sonolento e uma jovem com seu filho, criança de colo. No início há uma atmosfera pesada, de silêncio e estranhamento. Por que não estavam junto de seus familiares e amigos, naquela noite de 25 de dezembro? “Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.”

A situação melhora quando a jovem mãe decide conversar. Tendo a outra mulher como interlocutora, ela conta sua vida de dificuldades – vê-se, pelas roupas puídas, que é uma pessoa pobre. Havia perdido o filho primogênito de forma trágica, mas continuava acreditando em Deus e no futuro. Agarrava-se em sua fé. O filho que carregava no colo, naquele momento, estava doente e com febre, mas ela esperava conseguir atendimento médico do outro lado do rio. “Deus não vai me faltar.” A narradora aproxima-se do bebê para vê-lo melhor e, assustada, chega à conclusão de que está morto: ele não havia se movimentado em momento algum, os olhos estão fechados. Ela tem certeza, mas não tem coragem de dizer à mãe.

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Amanhece, então. A barca chega ao ponto onde a jovem descerá com o filho, em busca de ajuda. Para surpresa da narradora, antes de sair, a mãe brinca com a criança e ela abre os olhos. Estava viva, muito viva, “abrira os olhos – aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. E bocejava, esfregando a mãozinha na face corada”.
Tinha parecido a morte, mas era só… a noite. E não há noite capaz de impedir a chegada da manhã, é o que Lygia parece dizer. Para nós, que estamos todos na mesma barca neste fim de 2021, à espera de dias melhores.

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