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Trilhos do Bexiga já foram caminho de prosperidade

Quem viaja pelo interior de Rio Pardo encontra belas paisagens e muitas histórias prestes a se perderem com o tempo. Desta vez, o destino é o distrito de Bexiga, onde, antigamente, o vai e vem dos trens movimentava a economia local. Desse período restam lembranças e prédios abandonados, como o da estação e do antigo engenho.

Por lá estava Othmar Müller, de 70 anos, morador de Cachoeira do Sul. Segundo ele, o engenho pertencia ao avô, Othmar Balduíno Müller, e a Artur Lourenço Müller, e está desativado há mais de 15 anos. O negócio foi vendido; com o tempo, o novo gerente se aposentou e vendeu também. “E aí, fechou”, conta Müller, que planta arroz e soja em Cachoeira. “Sempre plantei para os lados de Cachoeira. Mas vendia o arroz aqui”, recorda. O arroz era beneficiado no local e depois enviado para diversas capitais.

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O produto seguia pela linha férrea, mas aos poucos a situação começou a mudar. O arroz passou a ser levado até o destino final em caminhões. De trem, a coisa era diferente. “O trem levava quase um dia até Porto Alegre. Ficava mais um dia para embarcar nos navios. Depois, levavam mais não sei quantos dias para chegar no destino. Tudo se tornava mais demorado”, conta Othmar Müller.

Ele lembra, ainda, que no Bexiga havia uma fábrica de materiais agrícolas, dos Irmãos Cauduro, que enviava pás, arados e outros implementos para várias cidades. A falta de estrutura na localidade fez com que tudo mudasse. “Não tinha luz elétrica e eles tiveram que ir embora”, lamenta.

Mais cachoeirense do que rio-pardense

O filho do produtor rural Othmar Müller, Rodrigo Müller, considera o distrito de Bexiga excelente e tranquilo. Mas destaca um problema: “Não tem emprego”. Ele trabalha com o pai na lavoura e mora na localidade, mas tem como município de referência Cachoeira do Sul. Vai a Rio Pardo poucas vezes por ano. Já a Cachoeira, vai toda semana.

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Rodrigo Müller é pai de Matheus, de 10 anos, que, segundo ele, não quer sair dali. O pequeno brinca com o primo Rafael, de 6 anos, enquanto o pai lembra de como era o lugar na época do movimento, quando o trem ainda passava com frequência e o engenho de arroz funcionava. “Era como uma cidade. Tinha até briga e assalto”, comenta.
Ainda conforme Rodrigo, embora hoje a situação no Bexiga seja complicada para arrumar trabalho, um ponto positivo deve ser levado em conta: a honestidade do povo. “Se tu deixares R$ 100,00 ali na frente do engenho, amanhã os R$ 100,00 estarão ali.”

Othmar com o filho Rodrigo, o neto Matheus e o primo deste, Rafael, diante dos prédios do engenho

Lugar já teve salão, cartório e até presídio

Rosane Machado, de 50 anos, também cita a calma do lugar, mas faz uma ressalva. “Aqui é calmo, mas precisava de policiamento, mais atenção na saúde. As luminárias na rua também estão ruins.” Rosane afirma que a comunidade recebe o atendimento de serviços essenciais. “Vem médica, tem vacinas e há recolhimento de lixo”.

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O distrito possuía até mesmo um pequeno destacamento policial com presídio, que ficava nas terras da família de Rosane. Ela conta outra curiosidade. “Aqui tinha um motor que gerava luz para a vila, que era ligado às 18 horas e desligado às 22 horas. O responsável era o Marcílio Naujorks, que faleceu recentemente”.

Ela recorda ainda que antigamente havia salão de baile, engenho e cartório no distrito. Em Cachoeira ela encontra serviços básicos, mas não deixa de ir até o centro da Cidade Histórica. “Rio Pardo é bem longe daqui, mas se precisa, tem que ir”, comenta. Na localidade, residem também a filha de Rosane e duas netas.

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A vizinha delas, Ivone Freitas Machado, de 70 anos, garante: “Daqui não vou sair”. Com saudade dos bons tempos, ela conta que no quarto distrito é bem complicado obter coisas básicas. “Não tem onde comprar um paracetamol.”
Caminhões vêm de Vera Cruz e vendem mantimentos na localidade. É quando o rancho do mês é feito. “É um pouco caro, mas resolve”, diz Ivone. Lembra ainda que os jovens foram saindo da localidade. Além de Rosane, ela tem outros dois filhos. Um mora em Sapucaia do Sul e o outro em Rio Pardo. O transporte até o Bexiga também é complicado. O ônibus vai para o Centro de manhã cedo e volta antes do meio-dia. “Se ficar para voltar de tarde, tem que pagar um táxi”, explica Ivone.

Dona Rosane Machado com a filha, as netas e a vizinha Ivone, que não arreda pé do Bexiga

Potencial para virar cidade

Com a sabedoria de seus 70 anos, Ivone Freitas Machado acredita que Bexiga tinha tudo para virar uma cidade. “Aqui tinha mais coisas que em Pantano”, compara. Hoje a comunidade tem medo até da possibilidade de fechamento da Escola Andrade Neves.

Ivone conta uma história curiosa. Ela lembra que, nos bailes de antigamente, havia uma divisão entre pessoas negras e brancas: as festas aconteciam em salões diferentes. “Uma vez meu marido, na época meu namorado, veio do quartel queimado do sol, e não deixaram ele entrar no salão dos brancos”. Com potencial de virar município no passado, atualmente, o quarto distrito é um repositório de lembranças.

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