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Maternidade solo: a importância de ter uma rede de apoio

Fernanda: “Muitas vezes, parece que somos erradas por termos assumido a maternidade, mesmo que sozinhas” | Foto: Letícia Thomas

Educar e sustentar uma criança já não é tarefa fácil. Imagine fazer tudo isso sozinha: além da responsabilidade que é criar outro ser humano, trabalhar, às vezes até estudar, e também buscar momentos de lazer. Quando se fala em mãe solo, refere-se à não participação do homem quanto à responsabilidade afetiva ou financeira com o filho. As “mães solo” sempre existiram. Hoje, com livros, filmes e séries abordando o assunto, apenas passam a ser mais conhecidas. Entre as fontes recentes, a série Maid aborda a vida de uma mulher que sai de casa e passa a criar a filha sozinha. O seriado disponibilizado na Netflix mostra os vários desafios vividos pela protagonista, como não ter com quem deixar a filha para trabalhar. Sem uma rede de apoio, em alguns momentos, a personagem se vê perdida.

A história retratada na série é baseada em fatos reais – que não ocorreram no Brasil, mas poderiam. Isso porque, somente no primeiro semestre de 2020, 80.904 crianças tiveram registrado apenas o nome das mães nas certidões de nascimento. Os dados são da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional). Outros dados mostram que, de acordo com pesquisa divulgada em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2005 o número de mães solo alcançava o montante de 10,5 milhões. Em 2015, esse número atingiu a marca de 11,6 milhões.

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Embora o assunto siga em debate, há muito a avançar, pois ainda existe quem use o termo “mãe solteira”. Ultrapassada, a classificação faz pensar que mãe é um estado civil. E não é. O que existe são mulheres que assumem sozinhas toda a responsabilidade que seria de duas pessoas. Por isso, elas devem ser chamadas de “mães solo”.

Uma mãe que criou uma rede 

Desde a gestação do filho Antônio, de 7 meses, a advogada Fernanda Brandt já sabia que teria uma maternidade solo. Ela fala sobre as dificuldades que enfrenta diariamente sendo mãe e trabalhadora autônoma. Contudo, comemora o fato de contar com uma rede de apoio formada pela família e por amigas, principalmente pela mãe e irmãs. “Ele vai para a escolinha desde muito cedo porque eu não tinha a opção de parar de trabalhar”.

Embora trabalhe com Direito de Família há cerca de dez anos, foi ao se tornar mãe solo que Fernanda viu que a própria experiência poderia servir de incentivo e força para outras mulheres. A criação de um grupo no WhatsApp para mães solo de Santa Cruz, que hoje é também uma rede de apoio para as integrantes, transformou Fernanda em uma impulsionadora de mulheres. “Temos que matar isso no peito, e é pesado, cansativo. As pessoas que deveriam estar fazendo sua parte não estão e não são cobradas, socialmente falando, porque judicialmente temos as vias. Muitas vezes, parece que somos erradas por termos assumido a maternidade, mesmo que sozinhas”.

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O grupo para troca de mensagens ultrapassa barreiras digitais. O objetivo é realizar encontros para que mães e crianças se divirtam, além de poderem dividir angústias. “As mulheres devem ser mais unidas. O grupo é simples, mas a ideia é trocar experiências, se ajudar”, conta. (Para fazer parte do grupo, entre em contato pelo Instagram: @fernandabrandt.advogada).

Segundo Fernanda, ainda há muito a evoluir no que diz respeito a direitos. “O que temos hoje não são direitos exclusivos de mães solo, são direitos enquanto mulheres e filhos. Comentamos no grupo sobre ter um conselho municipal voltado a isso, para se ter um olhar diferenciado. Mãe solo poderia ser um critério para determinadas coisas, como tentar vaga em escolinhas”.

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Outro desafio, para a advogada, é a mulher ter tempo para cuidar de si mesma. “Levantamos isso no grupo, porque entramos em um mundo de a criança depender de nós. Eu estou retornando aos pouquinhos à vida social, até porque a pandemia não permitia, e porque o Antônio é bem bebê”.

Como atua com mulheres que precisam de auxílio jurídico, Fernanda explica que, além de toda a responsabilidade que uma maternidade solo representa, ainda há o fardo da burocracia. “Vemos que os homens se tornam omissos e a mulher tem de fazer todo o movimento, tentar contato com familiares, ajuizar processos, conseguir endereço, acompanhar se o oficial de Justiça encontrou a pessoa ou não. Muitas vezes, são intimados e não aparecem”.

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Dois empregos e a responsabilidade de mãe

Cindy Jackisch Villela já tinha 5 anos quando a mãe, Vanessa Jackisch, de 42 anos, tornou-se mãe solo. Hoje com 6 anos de idade, a menina e Vanessa são, sobretudo, grandes companheiras. Fazem atividades juntas, como pintar as unhas, passear e dedicar os sábados só para elas. “Adoramos morar juntas sozinhas, é muito bom e a gente tem uma rotina. Ela fica na escola de segunda a sexta, em tempo integral manhã e tarde”.

Por melhor que seja ter a companhia uma da outra, é claro que existem dificuldades. Afinal, Vanessa tem dois empregos e, às vezes, trabalha em finais de semana e feriados. “Durante a semana, eu trabalho como técnica administrativa na Unisc, e nos finais de semana e em feriados trabalho como assistente social perita. São meus pais que dão suporte”, relata. “É cansativo, eu tenho que fazer tudo, desde o mercado, comparecer na escola quando sou chamada, lavar, passar, porque não tenho empregada. É uma rotina puxada, não é fácil, mas a gente se vira. Tem dias em que estou exausta, ela dorme perto das 21 horas e minha vontade é dormir junto, mas eu tenho outras inúmeras atividades para dar conta. E, no outro dia, ela acorda cedo para ir à escola e a mochila, o lanche, a roupa, tudo precisa estar pronto”, completa.

Vanessa e Cindy são muito parceiras, mas a mãe também precisa de momentos próprios. Embora tenha a rede de apoio dos avós maternos de Cindy, essa ainda é uma lacuna. “Quando marcamos algo entre amigas, acabamos sempre levando os filhos junto. Nesse período em que estou só com ela, na verdade, eu nem saí sozinha; não é por não ter vontade, é por não ter tempo mesmo.”

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Vanessa: “É uma rotina puxada, não é fácil, mas a gente se vira”

Fala de especialista

Por que mãe solo e não “solteira”?

A psicóloga Ana Paula Devitte Fontes, especialista em Psicologia Perinatal e mestranda em Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), explica que o termo mãe solo se refere às mulheres que são unicamente responsáveis pelo cuidado dos filhos, não devendo ser utilizada a expressão mãe solteira. “A maternidade não está atrelada ao estado civil”, diz. De acordo com a profissional, o termo mãe solo reflete o desempenho da parentalidade quando é exercida somente pela mãe, podendo ser por inúmeras circunstâncias, desde ser casada e acabar assumindo sozinha a função ou desejar uma produção independente.

Ana Paula salienta que a mulher contemporânea, cada vez mais, se encontra sozinha na tarefa da parentalidade. “Hoje temos um cenário de inserção feminina no mercado de trabalho, o que impactou a rede de apoio que antigamente a mulher tinha, formada principalmente pelas mulheres de sua família, como a própria mãe, irmãs, ou pelas vizinhas que davam este amparo”. 

O que configura a rede de apoio?

Quando presente, o companheiro da mulher não faz parte da rede de apoio. Ele é, também, o responsável por cuidado, educação, afeto e apoio. A psicóloga afirma que a rede é composta pelas figuras que auxiliam nos cuidados com o bebê, nas atividades da casa e que oferecem suporte emocional, podendo fazer parte os familiares, amigos, vizinhos, a equipe da Unidade Básica de Saúde, a escola, os grupos de mães nas redes sociais e, inclusive,
as políticas públicas. “A rede de apoio é fundamental em todas as fases, não apenas quando os filhos são recém-nascidos, visto que a ansiedade, o estresse e a depressão podem surgir quando essas mulheres não são amparadas de modo adequado”, detalha.

Ana Paula complementa que, devido à pandemia e ao distanciamento social recomendado, a rede de apoio não pôde operar de modo satisfatório e isso sobrecarregou as mães monoparentais, tanto fisicamente quanto mentalmente. “É um indicativo para os profissionais que atuam no cuidado às mulheres estarem em alerta”.

É necessário cuidar de si

Ana Paula frisa que, frente às demandas da maternidade, muitas mulheres acabam esquecendo do autocuidado e se privam de várias atividades. “É primordial que as mães tenham momentos para si, pois isso reflete na sua saúde física, psicológica, emocional, e também no exercício de sua parentalidade. É essencial que as mulheres encontrem momentos de descanso, por isso a rede de apoio é fundamental”, observa.

A sobrecarga por não terem outra pessoa para dividir as responsabilidades parentais pode ocasionar ansiedade, tristeza, sentimento de culpa, esgotamento, estresse, entre outros estados, conforme a especialista. Por isso, é importante o acompanhamento psicológico. “Assim, encontrando uma escuta qualificada para enfrentamento de suas dificuldades, e podendo colocar suas dúvidas e sentimentos sem julgamentos”.

E quando começam as perguntas?

Segundo a psicóloga, a mentira para as crianças acarreta muitas consequências, como o enfraquecimento da confiança nos pais e em relação às outras pessoas do convívio. “Não há uma idade norteadora para os filhos saberem a verdade. Contudo, deve-se utilizar palavras apropriadas para a idade da criança. É imprescindível que se explique a situação de forma clara, sem transparecer raiva e indignação pela outra figura parental, utilizando uma linguagem acolhedora”.

Quando os questionamentos vêm de modo inesperado e repentino, conforme a profissional, é interessante que não se dê uma resposta na hora. “Se não souber o que dizer, diga a seu filho que necessita pensar primeiro e que depois irá responder. Hoje temos livros infantis que podem ser dispositivos a serem trabalhados com as crianças acerca das diferentes configurações familiares. É fundamental que as crianças saibam da sua história”.

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