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FORA DE PAUTA

Medo da página em branco

Não sei se existe para um escritor algo tão aterrorizante quanto uma página em branco. Quando as ideias teimam em não aparecer, o instrumento de trabalho se torna um monstro de proporções míticas a ser derrotado a golpes de pena. Deve ser o mesmo temor que os pintores sentem ao sentar diante de uma tela ainda intocada pelos pincéis e tintas. A dúvida a respeito de qual resultado sairá dali, e se trabalho e esforço serão o bastante para transpor a visão da cabeça para o exterior. No papel, é o encostar da caneta ou do lápis no início da linha sem ainda saber como começar a frase, já no word e similares é o breve pânico causado pela barrinha de espaço, sempre piscando. Acho que é um tipo de receio compartilhado, em diferentes níveis de intensidade, por todos que usam a escrita seja no cotidiano, nos estudos, ou profissionalmente.

Como jornalista, devo enfrentar esse medo diariamente. Independentemente da inspiração, dos dramas da vida cotidiana e das condições meteorológicas, escrevo todos os dias. A produção de matérias jornalísticas depende do fator novidade, então não seria viável aguardar até que os autores fossem atingidos pela centelha divina ou visitados pelas musas. Assim, o jornalismo obriga a criar uma rotina de escrita repleta de truques e macetes que permitem começar a produzir mesmo quando a inspiração falta. O ideal é começar pelo título e dali partir para o restante do texto, do início ao fim, mas por vezes, é mais fácil começar por um box de informações, por uma das falas da fonte, e aí conquistar a tarefa, tornada hercúlea, um parágrafo por vez.

Talvez este seja o momento de confessar que o meu lado escritora e poeta se aproveita muito do meu lado jornalista. Apesar de todas essas facetas lidarem com as palavras, os processos e, principalmente, os resultados finais acabam sendo muito diversos. Escrevendo contos e romances, posso usar meu vocabulário de sinônimos que já está na ponta da língua – e dos dedos –, por conta da escrita diária de reportagens. Quando escrevo poemas, posso usar todos os adjetivos e sentimentos que mantive guardados na feitura de matérias factuais, claras e objetivas. Assim minhas duas carreiras acabam não só coexistindo, mas se complementando.

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Se eu não fosse uma repórter, tenho minhas dúvidas se conseguiria manter o hábito de escrever. Me alimento da ilusão de que se fosse, por exemplo, uma bibliotecária (uma das minhas profissões dos sonhos), me dedicaria mais aos escritos pessoais, mas a verdade é: o jornalismo me mantém afiada. Pois apesar da escrita ser algo que amo, e que de certa forma me define, minha autocrítica acaba sendo um inimigo ainda mais feroz do que a página em branco. Tenho uma tatuagem no pulso com a palavra “scribo”, que significa “eu escrevo” em latim, assim não esqueço jamais de quem sou e do que faço. Funciona como um lembrete, a cada breve momento de ansiedade antes de começar um texto, de que sempre encontro os recursos e as palavras para finalizá-lo. Gosto de finalizar minhas colunas com um tom positivo, e não é algo a lembrar? Sempre encontramos o caminho, assim como todas as minhas páginas em branco terminaram cheias de palavras. Inclusive essa daqui.

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