A rotina por ruas e calçadas da cidade de Santa Cruz do Sul proporciona incríveis surpresas. Por exemplo: quantas vezes alguma pessoa já não terá se deparado com (e talvez inclusive cumprimentado, mesmo sem o saber) um ex-jogador campeão da Copa do Brasil pelo Grêmio, na ocasião em que o clube conquistou esse torneio pela segunda vez, e nada menos do que campeão brasileiro pelo Botafogo, do Rio de Janeiro?

Mais do que isso: não é improvável que esse mesmo atleta até já tenha lhe entregue correspondência ou encomenda, no endereço de casa ou da empresa. Grotto, ex-jogador, um clássico zagueiro, reinventando-se por opção pessoal, com personalidade e autenticidade, hoje integra a equipe dos Correios em Santa Cruz do Sul, cidade que elegeu há 17 anos para morar e onde constrói uma vida em família, ao lado da esposa e da filha.

LEIA MAIS: Inter vence o Gre-Nal e complica o Grêmio na briga contra o rebaixamento

E é uma impressionante história. Natural de Nova Palma, na região da Quarta Colônia italiana, próximo a Santa Maria, a 130 quilômetros de Santa Cruz, tem biografia digna de figurar em livro, até adotar a pacata e tranquila rotina local. Filho de seu Anacleto Pigatto Grotto, hoje com 83 anos, e de dona Maria Neli Dallanora Grotto, 75, Cristiano Grotto, de 48 anos, nasceu no ambiente urbano de Nova Palma em 22 de fevereiro de 1973. Foi o segundo filho do casal, que já tinha a filha Kelli, radicada em Porto Alegre – depois viria o Tiago, que mora em Santa Maria. Desde a infância, Cristiano se acostumou a acompanhar o pai até o campo do Novapalmense, tradicional clube de futebol amador na região, e vê-lo atuar na zaga em acirradas disputas.

Assim, de certo modo, o filho herdou do pai as características que o levaram a formar a zaga nos jogos com amigos da adolescência. Até o dia em que, já trabalhando no Banco do Brasil, na terra natal, o Grêmio de Porto Alegre organizou um peneirão na vizinha Faxinal do Soturno. Os Grotto, vale destacar, eram todos gremistas. Seu Anacleto levou o filho, que só precisou de 15 minutos em campo para chamar a atenção e ser, daquele grupo, o único a ser convidado a fazer um teste na capital.

LEIA MAIS: União Corinthians doa alimentos à Liga Feminina de Combate ao Câncer

Em julho de 1988, lá iam, pai e filho, passar duas semanas em Porto Alegre. Cristiano estava tão convicto de que seria bem-sucedido que, antes mesmo de ir, pediu demissão do BB. Os colegas sugeriram que, quem sabe, tirasse uma licença de algumas semanas e, em nada dando certo, poderia ser reincorporado. Só que ele foi e ficou.

• 

• 

Felipão e Autuori são dois de seus ídolos ao longo da carreira

Em um tempo bem diferente dos atuais dias de holofotes, contratos milionários e altos salários, o jovem (e gremista) Grotto se viu passando rapidamente de juvenil B a juvenil A, depois a aspirante, e em 1991 já atuava com os profissionais do Grêmio. Foi vice-campeão da Copa Cidade de São Paulo ao lado de Danrlei, Carlos Miguel, Jamir e Mabília, entre outros, perdendo a final para a Portuguesa do elétrico Dêner, que mais adiante seria seu colega no elenco gremista.

Em 1992, assinou contrato profissional e logo para disputar a primeira Segunda Divisão do clube, rebaixado no Brasileiro de 1991. Ao lado de companheiros como Renato Gaúcho, Mazzaropi, Vilson, Lira, Pino, Juninho, Caio e Alcindo, sob a batuta de Valdir Espinosa, ajudou a trazer o Grêmio, clube do coração, de volta à Primeira Divisão.
Seria a primeira das façanhas com o time, pois já em 1993 reconquistariam o título do Campeonato Gaúcho frente ao rival Inter. Mas antes mesmo dessa oportunidade de erguer a taça, ele enfrentou um forte obstáculo: teve de se submeter a duas cirurgias por causa de ruptura de ligamento, que, juntas, o afastaram por mais de um ano dos gramados. Recuperado, integraria o elenco que em 1994 conquistaria a segunda Copa do Brasil, em cima do Ceará, tendo Felipe Scolari como técnico, o Felipão, que ele elege como um dos melhores treinadores com os quais trabalhou no futebol.

LEIA MAIS: Brasileirão de 2021 tem menor número de trocas de treinadores desde 2012

Erguida a taça nacional pelo Grêmio, já se encontrava em pré-temporada com o grupo do Tricolor no início de 1995 quando surgiu o interesse do Botafogo, do Rio. Ele, mesmo com o enfático apoio de Antônio Carlos Verardi, o admirado superintendente do clube, falecido em abril de 2019, decidiu que era hora de mudar de ares. “O seu Verardi foi como um segundo pai para mim, sempre me deu muita força”, recorda. No Botafogo encontrou outro técnico que marcou sua trajetória, Paulo Autuori. Com ele foi campeão brasileiro naquele ano. No Botafogo, ainda jogou ao lado de Bebeto e do zagueiro Júlio César, ambos da Seleção.

Já lutando contra limitações físicas por conta das cirurgias que havia feito, embora ainda fosse jovem, Grotto seguiu carreira passando por Bahia, Americano (time do popular Caixa-D’Água, Eduardo Augusto Viana da Silva, falecido em 2006); Inter de Limeira, CRB e Veranópolis. Até que Autuori, que estava com a comissão técnica no Alianza Lima, no Peru, convidou-o para o grupo que disputaria o campeonato peruano de 2001, o ano do centenário do clube. Foi, jogou, ao lado de Edu e Palhinha, e colaborou para erguerem a taça.

LEIA MAIS: Juizado do Torcedor proíbe torcida do Grêmio no clássico Gre-Nal

Logo após passagem pelo Marília (com o qual foi campeão da Segunda Divisão, levando o time à elite do Paulistão), entre 2002 e 2003 estaria no Moreirense, de Moreira de Cónegos, em Portugal, clube que acabara de subir da segunda divisão. Depois, na altura dos 30 anos, uma idade ainda baixa para os padrões atuais do futebol, encerrou a carreira, rendido às dores decorrentes de duas cirurgias de ligamento cruzado anterior e duas de menisco, em um mesmo joelho.

A volta para a terra natal e a aposta na produção de leite

Se os gramados afiguravam ser página virada para Grotto, era hora de refazer o caminho. E de se reinventar. No início do século 21, com as economias que a trajetória no esporte lhe proporcionara, Cristiano adquirira área de terras de nove hectares em Linha São Francisco, a oito quilômetros de Nova Palma, e ali criou estrutura para a produção de leite. Próximo dos pais e demais familiares, ele próprio se encarregou de administrar a propriedade. Do esporte, manteve distância. “Decidi que não queria mais saber de futebol, nem como jogador, nem em qualquer outra função ou cargo”, frisa. Os planos, na verdade, eram de constituir família, e de realmente se dedicar a ela. Ocorre que, ao se fixar novamente na terra natal, reencontrou uma conterrânea, Ana Lúcia Dalla Favera, que também já havia morado fora de lá. Começaram a namorar.

E eis que justamente por essa época Ana Lúcia acabou sendo aprovada em concurso para a Prefeitura de Santa Cruz do Sul, e se transferiu para essa cidade. Grotto, que já estivera em Santa Cruz em diversas ocasiões, uma delas a convite de um ex-companheiro de Grêmio, o santa-cruzense Eduardo Heuser, passou a visitá-la com frequência. E, quando o casal decidiu por se fixar em definitivo na cidade, ele se desfez da chácara no interior de Nova Palma. Em Santa Cruz, novamente se reinventando, com tranquilidade e proatividade, atuou no comércio e nos serviços. “Simplesmente comecei do zero. Mas ciente e convicto do que estava fazendo”, comenta. “Só o que eu não queria era voltar para o futebol. Porque, se optei por me dedicar à família, qualquer cargo ou função que elegesse novamente ia me afastar, e exigir uma rotina longe de casa”. Já casado com Ana Lúcia, a família aumentara com a chegada da filha Pietra Dalla Favera Grotto, hoje com 14 anos. E na filha vê com alegria o gosto pelo esporte, no caso pelo basquete, já tendo bem-sucedida participação em competições escolares, junto ao Colégio São Luís, e também pelo União Corinthians. “Sem qualquer compromisso, sem qualquer plano, deixando tudo ao natural, mas ela realmente está se saindo bem”.

Quando já fixado em Santa Cruz, participara de concurso para os Correios, e, muito bem classificado, teve oportunidade de assumir vaga justamente nessa cidade, onde, agora, há cinco anos, trabalha como carteiro. “Isso me proporcionou exatamente o que eu buscava, e que de certo modo me religa com o tempo de jogador: contato com o público, estar em movimento, conversar e cumprimentar pessoas”, afirma. Assim, cumpre o expediente das 7h30 às 12h30 e das 13h30 às 16h30, e depois pode, como tanto queria, curtir a família, na companhia da esposa Ana Lúcia, da filha Pietra e da mais nova integrante do clã, a simpaticíssima maltês Dizy. Esporadicamente vão visitar os pais dele, em Nova Palma, e rever a terra natal.

Memórias que jamais se apagam

Nas conversas com colegas, familiares e amigos, Grotto recorda as inúmeras viagens e vivências de jogador, o que envolveu, com o Grêmio e o Botafogo, as competições oficiais e as exitosas excursões à Europa, ao Oriente Médio e à Ásia. Foi, por exemplo, campeão pelo Botafogo no prestigioso torneio Tereza Herrera, em La Corunã, na Espanha, fazendo a final contra nada menos do que o incensado Juventus de Zinedine Zidane e Del Piero, derrotando o adversário nos pênaltis. Com o clube carioca ainda atuou no Japão, contra o Cerezo Osaka, defendido pelo goleiro Gilmar, da Seleção Brasileira, ocasião em que foi eleito o melhor em campo e ganhou premiação em dinheiro. Tanto com o Botafogo quanto com o Grêmio, participou de excursões por diversas nações, da Itália ao Irã e à Rússia.

São as belas memórias que ficam, vivas e intensas, de um zagueiro que se diz realizado e se apoia nas lições dos gramados para, inclusive, lamentar pelo momento atual vivido justamente pelo clube do coração, o Grêmio, novamente às voltas com a ameaça do rebaixamento, que seria o terceiro na história mais do que centenária. E, ainda que suas maiores conquistas como jogador estejam há quase três décadas no passado, nem por isso deixa de manter contato com ex-companheiros dos clubes pelos quais passou. Recorda que o ex-goleiro Danrlei, hoje deputado federal, quando eram colegas de Grêmio chegou a acompanhá-lo a Nova Palma para lá participar de desfile de Carnaval. Belas lembranças é o que não falta para Grotto.

• 

• 

• 

LEIA MAIS: Judocas do União Corinthians disputam competição em Campo Bom

Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!