Até que enfim conseguimos romper a barreira do refúgio do lar. Vinte meses se passaram desde o início da pandemia. Vacinados, achamos que já era hora de sair do casulo e mudar de ares. Passamos, minha esposa e eu, alguns dias em São Paulo, para celebrar o noivado do Bruno e da Anna, nossa filha.
Pretexto ou não, ocasiões assim requerem o aval dos pais (da noiva, óbvio). É desnecessário dizer que valeu muito a pena.
Mas preciso fazer algumas considerações a partir da viagem. Não fosse o uso obrigatório de máscara, os “convites” para higienizar as mãos com álcool em gel e alguns espaços obstruídos ou demarcados com fitas para sugerir um hipotético distanciamento, não se perceberia mais vestígios do coronavírus que nos martirizou nestes quase dois anos.
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Aviões lotados, aeroportos idem, shoppings, lojas, escolas, estádios, tudo está voltando ao normal. Menos os preços. Aqui e mundo afora. É uma dedução que se impõe: exceto os que se beneficiam até com as tragédias e os que conseguem se superar pela criatividade em meio ao caos, todos, de alguma forma, vamos sair mais pobres desta pandemia.
Mas não é sobre conjuntura econômica pós-pandemia que quero escrever. Há gente muito mais entendida sobre isso do que eu.
Ocorre que este contexto – de surto de alguma moléstia, de vacinação para combater e erradicar doenças – remete a experiências que os da minha geração já vivenciamos muitos anos atrás. Não em grau letal como a Covid, mas igualmente uma ameaça.
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Ainda guri, no Seminário de Arroio do Meio, estourou um surto de varíola. Não deu outra: primeiro veio a febre, depois aquelas erupções doloridas e purulentas pelo corpo, mas temidas principalmente no rosto, porque deixavam marcas para sempre. Por sorte, saí dessa sem cicatrizes.
Um ou dois anos depois, a epidemia da vez foi o sarampo. Era novembro, quase fim de ano letivo. Lembro que fui isolado num quarto ao qual só uma pessoa tinha acesso: Irmã Leda. Mãe amável, carinhosa e caridosa, me trazia chás, pratos de comida e cobertores. Vários deles, como se já não fizesse calor suficiente.
Quanto mais me surpreendia, ela argumentava: “Você precisa suar, fazer o sarampo sair para ficar bem e poder ir para casa”.
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Nesses longos dias de solidão, quando todos os meus colegas já tinham feito malas e viajado para junto de suas famílias, irmã Leda me convidava para um jogo de damas, moinho e outros (menos xadrez, porque demandaria muito tempo).
Só um anjo faria isso. Vitaminado por tanto carinho, me recuperei e, duas semanas depois, também fui liberado para sair de férias.
Anos depois, já em Santa Cruz, uma onda de caxumba entre os internos novamente me alcançou. Nada demais, mas a liberação para ir de ônibus para casa ficou gravada na memória. Lembro que fazia calor e eu embarquei com manta de lã enrolada no pescoço e um casaco. Era para evitar recaídas, me diziam, porque poderia afetar… deixa pra lá. Não afetou nada e fiquei bem.
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Recordo também que, ao menor sinal de um possível surto de alguma peste, vinha ordem da direção do internato: todos terão que tomar chá de alho nos próximos dias para reforçar a imunidade.
Fique claro: além de tomar muito chá, fizemos vacinas sem questionar, nunca soubemos nome de laboratório ou de fornecedor. Mesmo quando nos deram tiro de pistola (brincadeirinha!) no braço. Ainda hoje, há mais de década, me vacino todos os anos contra a gripe e não tenho a menor ideia de quem produz o imunizante. Simplesmente porque confio.
E porque, pelo menos no contexto juvenil de epidemias e nas imunizações a que nos submetemos ao longo dos anos, não houve a maldita ingerência política e ideológica numa causa maior: a saúde das pessoas.
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