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POESIA

Ingeborg Bachmann finalmente ganha edição brasileira

Uma das maiores poetisas do século 20 ainda era uma completa desconhecida nas livrarias brasileiras. Era. A austríaca Ingeborg Bachmann, para satisfação dos leitores, finalmente recebe uma edição no País, o que, de certo modo, corrige lacuna quase incompreensível. A Todavia coloca no mercado o volume O tempo adiado e outros poemas, em tradução de Claudia Cavalcanti. Ingeborg, falecida em 1973, aos 47 anos, não apenas foi uma das vozes mais originais e diferenciadas do século 20, tendo captado com sensibilidade incomum o trauma da Segunda Guerra Mundial e o período imediatamente posterior, como era interlocutora de alguns dos principais escritores e artistas da Europa na época.

A começar pelo seu relacionamento com ninguém menos do que Paul Celan, nome artístico de outro gigante da poesia no século 20, o romeno Paul Pessakh Antschel, na grafia do sobrenome em alemão (em romeno escreve-se Ancel, daí advindo o anagrama de seu nome artístico, invertido para Celan). Judeu, Celan nasceu na cidade de Czernowitz, capital da Bucovina, e sofreu a perseguição nazista durante a Segunda Guerra. Sobreviveu ao holocausto, ao contrário de familiares e conhecidos.

Logo após o encerramento da guerra, Celan e Ingeborg conheceram-se em Viena, em 1948, cidade na qual ele estava de passagem. E ela, nascida em Klagenfurt, na Áustria, havia ido para lá a fim de seguir os estudos. Apaixonaram-se de imediato, e conviveram em Viena por cerca de dois meses. Mantiveram-se em contato ao longo dos anos, com intensa troca de correspondências.

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As marcas da perseguição nazista e as perdas de vidas, no entanto, nunca mais se abrandaram no espírito de Celan, cuja sensibilidade o motivou a elaborar poemas cada vez mais herméticos. De certo modo, é como se ele tivesse se dado conta de que o trauma era tamanho que praticamente não havia palavras ou linguagem que pudessem descrevê-lo, e que gradativamente deveria recuar para o silêncio ou para a incomunicabilidade. Até se decidir pelo suicídio, entrando nas águas do Sena, em Paris, onde estava radicado, em abril de 1970, aos 49 anos. Em 2020, em 23 de novembro, se terá a passagem do centenário de nascimento de Celan, bem como dos 50 anos de sua morte, em 20 de abril.

E Ingeborg acabou morrendo três anos e meio depois, em Roma, em circunstâncias não muito claras. Ela estava hospedada em um hotel na capital italiana, quando o quarto no qual se encontrava sofreu um incêndio, de causa desconhecida. Com fortes queimaduras, faleceu alguns dias depois, internada no hospital. Enquanto a poesia de Celan foi migrando para o hermetismo, a de Ingeborg, ao contrário, seguia extremamente comunicativa, como se pode ver na edição que a Todavia agora providencia no Brasil.

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A tradutora, Claudia Cavalcanti, é a mesma que anteriormente versou os poemas de Celan no volume Cristal, da Iluminuras, de 1999. Agora, ao se dedicar também à obra de Ingeborg, cumpre a missão de trazer ao brasileiro dois enamorados da poesia de meados do século passado. Ingeborg, até o momento, podia ser lida no livro O tempo aprazado: poemas 1953-1967, da editora portuguesa Assirio & Alvim, em tradução de João Barrento e Judite Berkemeier, de 1992. Mas ter sua obra à mão em uma nova edição é grande privilégio, de que os leitores da melhor poesia jamais devem deixar de desfrutar.

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Ficha

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O tempo adiado e outros poemas, de Ingeborg Bachmann. Tradução de Claudia Cavalcanti. São Paulo: Todavia, 2020. 208 p. R$ 61,61.

Todos os dias
A guerra não é mais declarada,
mas mantida. O inaudito
tornou-se ordinário. O herói
fica longe das lutas. O fraco
é deslocado para as zonas de combate.
O uniforme do dia é a paciência,
a condecoração, a pobre estrela
da esperança sobre o coração.

Ela é entregue,
quando nada mais acontece,
quando o fogo cerrado emudece,
quando o inimigo se tornou invisível
e a sombra do eterno armamento
cobre o céu.

Ela é entregue
pela fuga diante das bandeiras,
pela valentia diante do amigo,
pela traição de segredos indignos
e a não obediência
de toda ordem.

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