Tema de debates em cidades de médio e grande porte, a mobilidade urbana é um dos maiores desafios contemporâneos. Com a expansão de municípios, como Santa Cruz do Sul, que se tornou um polo industrial e comercial e traz diversos cidadãos de outros lugares em busca de trabalho e lazer, esse é um assunto que precisa ser discutido na região.
Hoje, dificuldades de locomoção podem ser vistas na área central santa-cruzense, como problemas para encontrar vagas de estacionamento, mesmo com o sistema rotativo, que obriga o usuário a ocupar uma mesma vaga por, no máximo, duas horas. O objetivo do serviço, que seria tornar mais ágil a circulação de pessoas e assim fomentar o comércio, muitas vezes não é atingido. Atualmente, a inadimplência de usuários do Rapidinho de Santa Cruz chega a 30%.
Entretanto, o obstáculo não está somente na baixa rotatividade do estacionamento. Fato é que a cultura precisa mudar. Desestimular o uso do transporte individual, aderir a meios alternativos ou até mesmo deslocar-se caminhando ainda são hábitos que faltam aos cidadãos. Mas, para isso, também é necessário incentivo do poder público.
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O estacionamento é mesmo rotativo?
Dados divulgados pelo Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro) mostram que, de um total de 1.579 vagas oferecidas pelo Rapidinho, 502 ficam nas três vias paralelas mais movimentadas do Centro: 192 na Marechal Deodoro; 166 na Marechal Floriano e 144 na Tenente Coronel Brito. Além disso, em torno de 45 vagas são ocupadas por contêineres de lixo.
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A arrecadação média do Rapidinho chega a cerca de R$ 200 mil por mês, e a taxa de inadimplência está em 30%. De acordo com o presidente do Consepro, Guido Fernando Hermes, a abordagem e a cobrança são feitas diretamente aos condutores ao estacionar, e a punição para quem não paga é a multa aplicada pelos fiscais de trânsito no local. A maior lotação do estacionamento rotativo ocorre em horário bancário, entre 10 e 15 horas.
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Sobre o questionamento se há fiscalização para que ocorra a troca de veículo e, consequentemente, a rotatividade e o fluxo, o presidente responde que, conforme Decreto Municipal, o tempo máximo na mesma vaga é de duas horas. “Após as duas horas, o veículo deve deixar o Rotativo ou procurar outra vaga para estacionar. O valor é de R$ 2,00 por hora. Caso não troque, a funcionária coloca um Aviso de Irregularidade, o qual deverá ser pago no valor correspondente a uma hora, além de estar sujeito a autuação pelos fiscais de trânsito.”
Porém, conforme o titular da Secretaria de Segurança, Transporte e Mobilidade Urbana, Everton Oltramari, há apenas 18 fiscais de trânsito para cuidar de toda a cidade, e eles não dão conta desse trabalho. Por isso, ele afirma que o sistema precisa melhorar e que a Prefeitura estuda a modernização e a ampliação do modelo do estacionamento rotativo.
“A ideia é implementar tecnologias como câmera de vigilância para termos o georreferenciamento das vagas, e o usuário poder acessar por aplicativo onde há vagas livres, além de indicar também quem está estacionado além do tempo”, explica. “Não há um sistema que identifique e possa acusar os veículos que estão irregulares. Temos que regularizar esse sistema em que o usuário vai pagar uma taxa e, se ele não pagar, essa taxa vai gerar uma multa de trânsito. Não queremos multar ninguém, mas queremos que as pessoas cumpram o horário determinado.” Segundo o secretário, estuda-se ainda a ampliação do número de vagas e das ruas com o sistema, além de definir zonas com horários e taxas diferenciadas.
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Comércio sente influência
Luciane Ludke, proprietária da Yes Moda Masculina e Feminina, localizada na Tenente Coronel Brito, recentemente mudou de endereço. Antes, ficava na Marechal Floriano, exatamente na quadra onde se iniciaram as obras do calçadão, fazendo com que o estacionamento na frente fosse extinto. “Aqui já é bem melhor do que lá na Floriano, em que se perdeu totalmente estacionamento. Isso o cliente não gosta. Se vem aqui e às vezes não tem, tudo bem, mas nunca ter, eles não aceitam”, enfatiza.
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Já para o proprietário da loja Planeta Esportes, Renato Bieger, falta fiscalização. “Não vejo fiscal, não tem fiscalização. Nem troca de lugar a cada duas horas existe.” A loja está situada na Rua 28 de Setembro, uma das que mais lotam de carros estacionados, pois está entre as movimentadas Marechal Floriano e Tenente Coronel Brito. “O comércio é atingido indiretamente. Quanto mais o pessoal fica o dia todo, menos gente estaciona. Isso diminui a visibilidade da loja. Aqui na frente tem várias vagas, e mesmo assim a rotatividade é baixa”, observa.
Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Santa Cruz, Ricardo Bartz, o estacionamento rotativo de Santa Cruz cumpre a função de criar vagas no centro da cidade, o que beneficia o comércio e também os demais pontos que precisam dessa rotatividade. “Claro que alguns pontos precisam ser melhor avaliados. Particularmente, acredito que seja uma forma de garantir vagas, mas precisamos ter em mente que temos uma grande frota de veículos, e que o estacionamento vai ficar cada vez mais escasso.” A CDL entende que é preciso pensar em uma alternativa para melhorar a carga e descarga dos materiais dos lojistas. “Algo que hoje é limitado a horário e dificulta a ação dos comerciantes”, completa.
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As obras no calçadão da Marechal Floriano terão sequência em mais três quadras, entre a 28 de Setembro e a Galvão Costa. O projeto, parado desde o ano passado, aguarda nova licitação para definir a empresa responsável. Duas construtoras se habilitaram para participar da concorrência. Duas quadras – que são as que já estavam em obras – estão sem vagas disponíveis.
A cidade é uma construção coletiva
“O conceito de mobilidade urbana está associado às características que dizem respeito às condições e formas de deslocamentos das pessoas com objetivos de facilitar e melhorar o conjunto das relações sociais e econômicas da cidade”, explica o professor Luiz Carlos Schneider, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e doutor em Planejamento Urbano e Regional. O especialista salienta que a cidade é uma construção coletiva, dinâmica e resultado de interação entre forças e interesses de indivíduos, organizações privadas e públicas.
Schneider diz que, ao analisar casos de países mais desenvolvidos, percebe-se dois parâmetros diferentes em relação a modelos de ocupação urbana e mobilidade. “No caso das cidades europeias, que são mais densas e compactas, as distâncias percorridas são menores, o que facilita os deslocamentos a pé e o uso de meios não motorizados, ou mesmo intensifica a potencialidade de uso e eficiência do transporte público”, refere. “No segundo caso, como, por exemplo, nos Estados Unidos, Austrália e Canadá, as cidades têm um padrão de ocupação do solo urbano menos compacto, a expansão urbana é maior e o uso do automóvel é mais intenso.”
Cidades de médio porte, como Santa Cruz, precisam aprimorar as políticas públicas de desenvolvimento urbano enfrentando os desafios da sustentabilidade. “É preciso, especialmente, fazer uso de três técnicas, de forma integrada entre si: o planejamento urbano, o planejamento de transportes e o planejamento da mobilidade.” Ele detalha que os objetivos mais citados para o planejamento da mobilidade urbana são fluidez e segurança. “Contudo, pode-se também agregar muitos outros, como acessibilidade, custo e nível de conforto do transporte, e qualidade ambiental, entre outros.”
Impacto ambiental
Preocupação frequente e que tem relação direta com o desafio da mobilidade urbana e o impacto ambiental. “Muitas pesquisas demonstram que, ao lado dos padrões de uso e ocupação do solo urbano, os tipos de sistemas de mobilidade relacionam-se diretamente ao maior ou menor consumo de energia utilizados para os deslocamentos urbanos. Na dependência do transporte particular, há maior emissão de gases poluentes, o que implica em degradação da qualidade do ar e em maior contribuição para o efeito estufa”, complementa Luiz Carlos Schneider, professor da Unisc.
Na priorização do transporte particular, há maior consumo e mais necessidades de adequação do espaço público para o automóvel, o que ocasiona congestionamentos e acidentes. “A maior parte das cidades brasileiras são projetadas, prioritariamente, para o uso do automóvel privado, ainda que se saiba e esteja comprovado o benefício dos transportes coletivos ou não motorizados em termos ambientais e de economia.” Schneider salienta que planos de mobilidade urbana são fundamentais.
Bicicleta é uma alternativa, mas falta segurança
Carlos Ronaldo de Mello Martins, de 50 anos, utiliza a bicicleta como meio de transporte há 15 anos. O morador do Bairro Esmeralda, que trabalha como vigilante no Distrito Industrial e faz esse roteiro nos dias de expediente, gosta de andar de bicicleta e considera esse meio de transporte muito econômico. Entretanto, na sua opinião, ainda há o que melhorar para os ciclistas de Santa Cruz do Sul. “Falta um pouco mais de segurança, principalmente nos cruzamentos, que às vezes os motoristas não respeitam”, relata.
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Santa Cruz: alta taxa de motorização
O secretário de Segurança, Transporte e Mobilidade Urbana, Everton Oltramari, destaca que entre 2010 e 2020 a população de Santa Cruz do Sul cresceu em torno de 10%, enquanto a frota de veículos aumentou 33%, o que demonstra um estímulo ao transporte individual cada vez maior.
Outro dado que surpreende é que a taxa de motorização (número de veículos a cada 100 habitantes) da cidade supera as taxas do Brasil, Rio Grande do Sul e Porto Alegre. “No Brasil, a taxa é em torno de 51 veículos por 100 habitantes; no Estado, é de 65; e em Porto Alegre é de 59. Em Santa Cruz, a taxa é de 75 veículos para cada 100 habitantes”, diz.
Oltramari afirma que a mobilidade é um dos principais desafios das cidades de médio e grande portes, isto é, as que têm mais de 50 mil habitantes. “Santa Cruz aprovou, no final do ano passado, um plano de mobilidade urbana que prevê uma série de intervenções que estamos estudando. Mas o que a gente precisa de fato é ter um sistema que primeiro dê segurança, um certo conforto e agilidade, e ter o foco mais voltado para o pedestre. Temos que incentivar a construção de mais ciclovias, estimular transportes alternativos e investir no transporte público, apesar da crise por que ele passa”, enfatiza.
Ainda conforme o titular da pasta, a ideia é instalar redutores de velocidade em pontos estratégicos. Outra forma de transporte que não está tão longe da realidade de Santa Cruz são as bicicletas compartilhadas, sistema experimentado na capital gaúcha, por exemplo. “Temos que conversar com empresas que exploram esse serviço para fazer uma análise da viabilidade econômica de implantar na cidade, ou bicicleta ou patinete elétrico. Acho que é bem viável.” Para desafogar o trânsito, a administração municipal deu início às obras da Travessa Leopoldina, que permitirá o acesso para quem vem da RSC-287 até a Zona Sul. “Vai resolver um importante gargalo”, destaca Oltramari.
Secretário destaca exemplo
O secretário municipal Hardi Lúcio Panke, da pasta de Agricultura, está atento às informações sobre estacionamentos rotativos em outras cidades. Ele destaca o exemplo do município catarinense de Rio do Sul. “Lá, o monitor tira uma foto do carro estacionado na vaga e joga no sistema. Se não tiver crédito para pagar o período em que fica estacionado, o proprietário é advertido no próprio veículo pelas monitoras, com prazo de 15 dias corridos para fazer o pagamento do débito. Caso isso não aconteça, é encaminhado ao órgão de trânsito, que lavrará a multa, além da perda de pontos na carteira”, comenta Panke.
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