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“Não era só o Paulinho”, afirma ex-assessora

Foto: Lula Helfer

Em maio do ano passado, Fabiane Edit Mandler tomou uma decisão que seria o estopim de uma das passagens mais emblemáticas da história política recente de Santa Cruz. À época funcionária da Câmara, a estudante de Direito de 41 anos foi a autora da denúncia que, em uma situação sem precedentes no município, levou o então vereador Paulo Lersch à cadeia dias depois, acusado de liderar um esquema de captação de salários de assessores. Passados sete meses, e com Lersch ainda preso, ela resolveu quebrar o silêncio.

Fabiane recebeu a Gazeta do Sul em sua casa em Alto Linha Santa Cruz na tarde de terça-feira, 7, menos de uma semana após ser demitida da Câmara por determinação do recém-empossado presidente Elstor Desbessell (PTB). Embora já tivesse sido alertada da possibilidade de exoneração, ela não esconde a revolta com a declaração dada por Elstor à imprensa, na qual alegou que sua antecessora na presidência, Bruna Molz (PTB), teria feito um acordo com o Ministério Público para mantê-la no cargo somente até o dia 31 de dezembro.

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O próprio promotor de Defesa Comunitária, Érico Barin, que conduziu as investigações, negou o acordo e alegou que apenas pediu a Bruna, após a prisão de Lersch, que Fabiane não fosse penalizada. Para ela, a declaração soou como uma falta de consideração em relação ao seu trabalho. “Eu não fiquei como prêmio por ter feito a denúncia. Fiquei porque não havia motivo para me exonerar. Se foi um acordo, então o que era o trabalho que eu fazia lá? É um direito do presidente exonerar, mas a maneira como isso ocorreu me incomodou”, criticou.

Nos últimos meses, Fabiane seguiu ocupando a função de assessora de núcleo administrativa, vinculada à Mesa Diretora, para a qual foi nomeada em 11 de março de 2019 por indicação de Paulo Lersch. Por orientação de Bruna, tinha como principal responsabilidade gerenciar o ponto biométrico dos servidores. Desde que procurou o MP para revelar o esquema de “rachadinha” no gabinete de Lersch, passou a conviver com a desconfiança de outros funcionários da casa. “Tem gente lá dentro que não conversava comigo. Achavam que eu tinha gravadores até na ponta do pé. Eu era temida”, disse.

Mais do que isso, afirma ter descoberto aos poucos que as irregularidades que denunciou não se restringiam a um único vereador – atualmente, há pelo menos quatro investigações em andamento na promotoria. “Dividir salário é normal na Câmara. Não era só o Paulinho. Ele aprendeu com outros”, afirmou.

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Era uma oportunidade de conhecer a política

Embora já tivesse trabalhado em campanhas eleitorais, Fabiane nunca teve filiação partidária e garante que conhecia Paulo Lersch apenas “de vista” até o início do ano passado. A ligação entre os dois ocorria por meio de uma tia de Fabiane, que era inquilina de Nersi Backes, mãe do então vereador.

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Depois de ter atuado durante quase toda a vida como fumicultora, Fabiane e o marido estavam desempregados quando ela se encontrou com Lersch e, em meio a uma conversa, colocou-se à disposição para trabalhar com ele. Como estudava Direito, a ideia de trabalhar em uma casa legislativa a atraía.

Passado algum tempo, Lersch foi até a casa de Fabiane e convidou-a formalmente para ocupar um cargo na Câmara. “Eu achei ótimo. Era uma oportunidade de conhecer como funciona o mundo da política”, conta. Na ocasião, lembra ela, Lersch também perguntou qual seria sua pretensão salarial. Ciente das dificuldades financeiras da família (além do casal, três filhos) e da necessidade de pagar a faculdade, Fabiane nem hesitou: “Se eu ganhar o salário mínimo, estou feliz da vida”.

Lersch informou que seu salário seria de R$ 1 mil mas, segundo ela, sequer explicou quais seriam suas atribuições. Tanto que em seus primeiros dias na Câmara, passou esperando que alguém lhe trouxesse alguma incumbência.

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Ao final da primeira semana, incomodada com a situação, resolveu por conta própria procurar o setor de recursos humanos. “Me entregaram uma folha e disseram: ‘essas são as tuas atribuições e esse é o teu salário’. Aí eu me espantei”, recorda. A remuneração bruta do seu cargo era de R$ 6,8 mil.
Sem entender o que se passava, procurou Lersch. Conforme ela, foi aí que descobriu o esquema que, algumas semanas depois, denunciaria ao MP. “Ele disse que eu ficaria com R$ 1 mil e o resto ele guardaria para a campanha. E que, assim, garantiria o emprego de todo mundo.” Na mesma ocasião, o vereador teria explicado a ela como tudo funcionaria: ela precisaria sacar o valor todo mês, descontar a “sua parte” e entregar o restante em um envelope na casa da mãe dele.

Aquilo não era eu

Sem saber como lidar com a situação, Fabiane fez o repasse de seu salário de março. No mês seguinte, recebeu a primeira parcela do 13º. “Era R$ 500,00. Fiquei feliz, pensando que esse dinheiro ficaria para mim e eu ia poder pagar o IPVA do carro. Mas daí o Carlos (Carlos Henrique Gomes da Silva, assessor de Lersch que também chegou a ser preso) me disse que eu só poderia ficar com um percentual. Eu reclamei e ele acabou deixando que eu ficasse com tudo, sem o vereador saber. Porém, quando o salário seguinte chegou, tive que devolver o valor para ele e, por conta disso, recebi apenas R$ 500,00 naquele mês”, conta. Pouco tempo depois, em conversa com outra assessora de Lersch, descobriu que não era a única submetida ao esquema.

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Não demorou muito para que Fabiane fosse afetada emocionalmente. Endividada, não sabia como explicar aos credores que, embora seu salário fosse R$ 6 mil, na prática ganhava apenas R$ 1 mil. Além disso, ela enfrentava um conflito moral. “Aquilo não era eu. Eu estava ficando doente com aquilo. Era muito para mim, andei até depressiva”, recorda.
No final de abril, Fabiane começou a avaliar a possibilidade de tomar uma atitude. Primeiro, procurou uma amiga advogada com quem já havia trabalhado e revelou o que estava acontecendo – o que, até então, era de conhecimento apenas seu e do marido. “Ela me disse que eu tinha duas alternativas: ou procurar a Promotoria ou sair da Câmara, sem nada acontecer.”

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Ciente de que, caso decidisse por denunciar, precisaria de provas, começou a fazer gravações com o celular, de conversas suas com Lersch e outros assessores, que indicavam a existência do esquema. O receio de retaliações, porém, ainda a segurava. “Eu tinha medo. Ficava pensando: e se descobrirem que fui eu? Eu tenho família.”

Foi no feriado de 1º de maio, véspera de quando deveria fazer mais uma entrega, que tomou a decisão. Avisou a amiga, e uma audiência no MP foi agendada no dia seguinte. Lá, ela descobriu que já existia uma investigação contra Lersch. Quando o promotor lhe perguntou se estaria disposta a colaborar, concordou.

Falei a verdade

Durante todo o mês de maio, Fabiane municiou o MP com informações de forma discreta. No fim do mês, foi chamada novamente e apresentada aos agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), de Porto Alegre, que atuariam na deflagração da Operação Feudalismo.

O processo começou cinco dias antes da prisão de Lersch, no dia em que os salários foram depositados. Conforme fora orientada pelos investigadores, ela sacou o dinheiro e levou até o escritório da amiga advogada, onde as células foram todas escaneadas. Ali, colocou a parcela que repassaria ao vereador no envelope e foi até a casa de Nersi, monitorada pelos agentes e com câmeras e microfones escondidos em sua roupa. Com isso, ela e outra assessora que também aceitou colaborar levantaram as provas definitivas contra o então vereador.

Naquela mesma noite, foi cumprido um mandado de busca e apreensão na residência. Horas depois, a tia de Fabiane apareceu em sua casa com um recado de Nersi: ela informava que “o esquema havia falhado” e pedia a ela que fosse até um determinado local encontrá-la. Fabiane negou-se a ir e permaneceu em casa, ainda monitorada para garantir sua segurança.
No dia seguinte, foi para a Câmara tentando aparentar normalidade. Lersch, porém, apareceu em sua sala. “Ele me perguntou o que eu tinha dito para o MP, e eu disse: ‘Falei a verdade, que eu sou a vítima e tu é o corrupto’. Ele disse que eu tinha ralado com a vida dele”.

Segundo Fabiane, Lersch tentou convencê-las a alterar o depoimento ao MP. “Ele queria que disséssemos que nós estávamos devolvendo dinheiro que ele tinha nos emprestado.” Elas não aceitaram e informaram o promotor sobre a pressão que estavam sofrendo. Dois dias depois, Lersch teve a prisão preventiva decretada. Além de concussão e associação criminosa, ele, Carlos Henrique e Nersi respondem por coação no curso do processo. A sentença deve sair nos próximos dias.

Paulo Lersch foi preso preventivamente no dia 5 de junho e responde por concussão, associação criminosa e coação no curso do processo

Alguns pensam que vale a pena

Fabiane permaneceu na Câmara após a prisão de Lersch, ocupando a mesma função. De julho a dezembro, recebeu salário integral. Como não possuía mais vínculo político nenhum, sabia que, cedo ou tarde, poderia perder o cargo. “Já tinham me alertado. Eu estava preparada.”

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Embora se diga vítima do esquema criminoso que delatou, Fabiane é taxativa ao afirmar que alguns servidores da Câmara são cúmplices das irregularidades. “Alguns pensam que vale a pena dividir salário. Às vezes acham que estão ajudando o vereador ou pensam que ali ainda conseguem ganhar mais do que ganhariam em outro lugar.”

Atualmente, ela está à procura de uma nova atividade profissional. Uma das possibilidades que avalia é estudar Ciência Política e se preparar para, quem sabe, iniciar uma carreira na política no futuro. Apesar de estar desempregada, diz que não se arrepende do que fez. “Aquilo estava errado. Eu não podia me calar.”

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