Ao longo de muitos anos, nossa geração se vangloriou das dificuldades que enfrentamos, das privações a que estivemos submetidos, numa época em que a tecnologia que conhecemos hoje ainda era exercício de futurologia. Para muitos de nós – e me incluo nesta turma –, até a energia elétrica era uma ambição distante na infância iluminada por lampiões a querosene.
Nem em sonho poderíamos imaginar que, em algumas décadas, seríamos testemunhas e personagens de evolução tão fantástica. Desde o conforto pessoal e estruturação dos lares à constante modernização em todas as atividades humanas: nas comunicações, no acesso ao conhecimento, no amparo à saúde, no mundo profissional, sobretudo.
Nos autodenominamos como a geração de ouro, que sobreviveu, cresceu e, cada um dentro das suas condições, se superou e venceu, ancorados nos valores que herdamos de nossos pais, avós, do círculo familiar como um todo.
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E assim terminaríamos nossos dias – muitos anos adiante, Deus haveria de concordar – rememorando uma infância difícil, mas feliz, um aprendizado sem trégua para acompanhar a evolução meteórica da tecnologia e orgulhosos de tudo o que vivenciamos e conquistamos.
À nova geração, assim pensávamos, vai faltar emoção, superação, história para contar. Nem álbum de fotos esta gurizada terá para mostrar, porque seus registros, importantes ou não, estarão confinados no chip de um celular ou, com sorte, em algum pendrive.
De repente, este roteiro sofreu uma ruptura. Definitiva. O ano de 2020 conseguiu subverter a lógica e uma pandemia mudou radicalmente o script da história, que parecia tão previsível.
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Vamos lá! Contei muitas vezes aos meus filhos que padecia com frieiras no inverno, nos pés e nas mãos, porque não tinha calçados adequados e nem luvas para enfrentar o frio rigoroso. Até teria ficado em casa, alguns dias, me aquecendo junto ao fogão a lenha, mas isso não estava na cota de tolerância dos pais. Pois, em 2020, alunos de diferentes idades sequer conseguiram sair de casa para ir à escola. Não havia aula presencial por causa de um vírus!
E no trabalho? Os da minha geração, em algum momento, fizeram hora extra. Ou para dar conta de tarefas inadiáveis, ou para encorpar o contracheque no final do mês. O ano de 2020 sabotou esta lógica. Ao invés de horas a mais, a realidade impôs a quase todos horas a menos de trabalho. E desconto proporcional no salário. Culpa do tal vírus.
No lazer não foi diferente. Nos anos 80/90, íamos aos bailes de réveillon cumprindo rigorosos protocolos da época: homens trajando terno e gravata, damas com vestidos longos – e brancos – e com muitos adornos para dançar ao som de orquestras que se revezavam nos palcos dos clubes: Cassino, João Roberto, Itamone, Impacto, Atuais, para citar algumas das mais requisitadas. Ah, com direito a espumante e prato de lentilha na madrugada.
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Mas agora fico a pensar: talvez a nossa história, que se repetia com pequenas variações ano após outro, tenha sido definitivamente atropelada na chegada de 2021. Ao invés de baile no clube, show de fogos em algum cenário famoso, confraternização e brindes, ficamos em casa. No entorno, só a família e um círculo muito restrito de pessoas do nosso convívio.
Terá sido um recado do destino? Justamente quando prevalece a obsessão pela exposição pública nas redes sociais somos confinados em casa. Com máscara, preferencialmente. Inclusive na praia, como imaginar?
Vamos combinar: a Covid sacudiu a vida de todo mundo. Literalmente. Além de mutilar famílias, enquadrou a nossa geração (tão orgulhosa, e com razão!) em um novo patamar: agora somos do grupo de risco. Risco de sermos alcançados por este vírus traiçoeiro.
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Ele não vai apagar a nossa história. Mas vai turbinar a história desta gurizada que está desabrochando para a vida. Num futuro distante esta turminha vai poder contar que houve um ano em que as escolas foram fechadas, os estádios de futebol ficaram inacessíveis aos torcedores, festas se tornaram proibidas, empresas e restaurantes só puderam funcionar com quadro de funcionários e acesso de público reduzido.
Poderão recordar que as Olimpíadas foram canceladas, a Oktoberfest ficou para o ano seguinte, e nem Carnaval foi permitido.
Vencemos muitos desafios. Mas ano tão maluco nossa geração não tinha vivido, não. Pois não vai ser agora que vamos nos mixar! Xô corona!
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