Finados, para mim, sempre foi um dia de recolhimento, de reflexão, de reencontro com as pessoas que me ajudaram a ser quem eu sou, que me ajudaram a escrever a minha história. É dia para nos lembrar da nossa própria finitude, da nossa tantas vezes esquecida pequenez. É dia para silenciar e olhar a vida, quem sabe rever caminhos e valores, quem sabe nos tornarmos melhores, espelhados nas jornadas dignas de quem nos precedeu.
Finados é dia de saudade, sentimento que se aninha em nós, ocupando o espaço de quem fisicamente já não está conosco. Quanto mais amamos aqueles que morreram, quanto mais com eles sorrimos, quanto mais os abraçamos afetuosamente, quanto mais compartilhamos momentos difíceis, mas também felizes, maior será a nossa saudade, que é também uma forma continuada de amor. E assim a sua existência se prolonga em nós numa comunhão silenciosa, amorosa e sem fim.
Para muitos de nós, Finados pode também ser um dia de arrependimentos pelo tanto que não fizemos por quem conosco viveu, poupando afetos, fechando portas, sonegando as mínimas alegrias, os parcos momentos de felicidades possíveis. Por vezes, percebemos a nossa frágil condição humana, a nossa incapacidade de ver, quando a paisagem já ficou para trás. E como o trem da vida nunca volta para trás, as oportunidades são únicas e irreversíveis.
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Neste ano triste e desconfortável da pandemia, Finados, quem sabe, nos permite estar suavemente próximos de tantas pessoas queridas que partiram sem ao menos o nosso olhar de despedida, sem o nosso abraço solidário a quem aos prantos entregou à eternidade o ser amado que os deixou. Para os familiares e amigos, hoje é dia de justificada saudade, tornando vivos os momentos de tantas alegrias compartilhadas, de tantas lutas vencidas, de tantos sonhos projetados, mas interceptados pelos insondáveis mistérios da existência humana. Que fiquem as boas lembranças, porque quem fez o bem jamais terá sua história esquecida e habitará nossos corações para sempre.
Manuel Bandeira, por ocasião da data, nos deixou este “Poema de Finados”: “Amanhã que é dia dos mortos / Vai ao cemitério. Vai / E procura entre as sepulturas / A sepultura de meu pai. / Leva três rosas bem bonitas. / Ajoelha e reza uma oração. / Não pelo pai, mas pelo filho: / O filho tem mais precisão. / O que resta de mim na vida / É a amargura do que sofri. / Pois nada quero, nada espero. / E em verdade estou morto ali.”
Apesar do tom melancólico, amargurado, e até pessimista, esse poema permanece residindo na minha alma, principalmente por este verso: “O filho tem mais precisão”. Que o dia nos reserve também perceber a nossa precisão, as nossas precariedades, as nossas sonegações, as nossas tantas fragilidades, transformando em esperança, fé e boas ações o tempo que nos é dado viver. Afinal, como canta Lulu Santos, “há tanta vida lá fora”, há tantas pessoas esperando por nós, há tanto para fazer por um mundo muito melhor.
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E que os nossos amados que partiram saibam que permanecem conosco, porque fizeram por merecer.
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