O bom de uma vida mais ou menos longa é a curtição de diversos momentos.
Começo pelos esportes. Quando ingressei no Direito da Ufrgs e fui morar na Casa da Uesc, ali na Rua Tomás Flores, no Bom Fim, eu andava tão mal dos pilas que só tinha três calças, algumas camisas, roupa de baixo, um par de sapatos vulcabrás, um social e um terno. Acho que era por aí. Como não tinha dinheiro para comprar uma chuteira, adquiri um tênis meio reforçado, marca diabo, e fui me virando nas peladas ali na Redenção. Logo depois consegui um emprego e já deu para comprar uma chuteira de verdade. Quando estava no quarto ano (na época se entrava na faculdade com turmas certas que tinham passado no vestibular, o que propiciava a maravilha de conhecer todos os colegas) comecei a jogar futebol de salão com o pessoal da série.
Passei no concurso para delegado de polícia, assumi, fiquei um ano, me exonerei, advoguei um ano, passei no concurso para juiz de direito.
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Aí ficou bom, pois a Ajuris tinha uma sede campestre onde dava para jogar futebol de campo.
O problema é que eu era de compleição meio forte e muitas vezes passava de trem por cima de alguns colegas mais mimados, rapazes criados em incubadoras, me entendem?
Um dia, durante um torneio, dividi uma bola com um colega meio franzino, o que resultou quase numa peleia.
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Decidi abandonar o “salutar esporte bretão” quando meu colega, hoje desembargador aposentado, Fernando Mottola, se aproximou de mim e me presenteou com uma raquete de tênis. E aconselhou: “Ruyzão, larga do futebol”.
Dei de presente todo o meu material esportivo, tanto de futebol de campo como de salão, no dia em que fiz 40 anos. Organizei um churrasco de despedida. Agora só iria jogar tênis. Não iria mais me incomodar com alguns almofadinhas que não suportavam um carrinho meu entre o joelho e a virilha.
Agora vou lhes contar como eu era complicado. Todos os meus amigos continuavam a jogar, excursionavam para outros Estados, vinham contando maravilhas. Comecei a me deprimir.
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Um mês depois convidei toda a turma do futebol para um churrasco. Em segredo, comprei todo o material esportivo de novo. Pedi públicas desculpas. Voltei então com a promessa a mim mesmo de que só continuaria jogando futebol até os 50 anos, a partir dos quais só seria tênis.
Mas como muitas promessas são para não serem cumpridas, fui até os 60, quando um jovem juiz me deu uma dividida, um “exocet” no joelho. A dor foi tanta que me mijei no calção. Fiquei meses me recuperando e o ingrato do futebol me aposentou compulsoriamente. (Voltarei com o tênis.)
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