Todo ano é assim: quando o Natal se aproxima, as gurias lá de casa vêm ralhar conosco devido a nosso atraso em instalar a decoração natalina.
– A vizinhança toda já colocou enfeites e piscas – alertou-nos a caçula, Ágatha, nesta semana. – A nossa casa é a única da rua que ainda não tem nada.
A notícia, porém, é meio exagerada. A maioria dos vizinhos, a exemplo de nós, ainda não decorou suas casas. Contudo, a Yasmin, outra apaixonada pelo Natal, fez coro à irmã mais nova.
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– É a pura verdade – disse. – Aqui, nem parece que o Natal se aproxima.
E Ágatha, então, expôs sua principal preocupação:
– Desse jeito, o Papai Noel vai passar reto, não vai nem encontrar nossa casa…
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Mas não adianta desempacotar as luzes e enfeites de anos anteriores. As gurias sempre vêm com novos projetos. Este ano, insistem que deveríamos posicionar na varanda um imenso Quebra-Nozes. De início, a ideia me causou estranheza.
– Quebra-nozes? Mas aqui em casa nem comemos nozes…
Explicaram-me então que o Quebra-Nozes é aquele boneco, barbudo e trajado com antiga farda militar, que tornou-se um símbolo natalino. O que também achei estranho. Afinal, o que um velho e carrancudo soldado teria a ver com o Natal? Até onde sei, não se colocam soldados no presépio, tampouco o Papai Noel conta com tal escolta. E fui pesquisar.
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De início o quebra-nozes era usado tão somente para… adivinhem só: quebrar nozes.
O formato de soldado serve como decoração a um apetrecho inicialmente concebido para ser bastante funcional. Basta colocar a noz na boca do soldado e ele – nhac! – quebra a casca.
Essa antiga tradição vem da Alemanha, mais precisamente de Erzgebirge, região serrana famosa pelo artesanato em madeira. Conta-se que, por lá, o soldadinho não tem descanso nessa época, dado que nozes e avelãs estão entre os principais ingredientes das guloseimas típicas do Natal alemão.
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Ou seja, sem soldadinho, sem “hummm, sehr gut!”
Alguns atribuem a ascensão do Quebra-Nozes a símbolo natalino a um conto do psiquiatra e escritor alemão Heinrich Hoffmann (1809-1894), intitulado O rei Quebra-Nozes e o pobre Reinhold, publicado em 1851. Reparem que, na história, o soldado é promovido, mas esse não é o detalhe mais relevante. O conto narra o caso de um menino doente que, em sonho, é levado pelo Rei Quebra-Nozes a um mundo encantado, repleto de brinquedos. Quando acorda, Reinhold encontra os mesmos brinquedos junto à árvore de Natal. E, de lambuja, fica curado. Afinal, o Natal é um momento mágico!
Há também uma história de Natal com o Quebra-Nozes mais antiga, datada de 1816, também escrita por um Hoffmann – no caso, Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann (1776-1822), um dos maiores expoentes da literatura fantástica. Na versão de Ernst, intitulada O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos, o famoso soldadinho ganha vida na noite de Natal e ajuda uma menina a combater uma invasão de ratos, friamente orquestrada pelo soberano dessas repugnantes criaturas. Esse conto, posteriormente adaptado por Alexandre Dumas, ainda viria a inspirar Tchaikovsky a compor o famoso balé Quebra-Nozes, no final do século 19. Viram só? Até que o tal Quebra-Nozes é um sujeito bem famoso.
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Mas então surgiu um problema: como produzir um Quebra-Nozes gigante? Yasmin, sempre muito diligente, foi pesquisar na internet e elencou-me os materiais básicos: quatro a cinco baldes plásticos para compor o dorso e o capacete, e umas duas barras de cano PCV de 100 milímetros de diâmetro, para as longas pernas e os braços. Sim, barras de 100 milímetros… E ainda tem a bola para a cabeça, um bocado de algodão para a barba e muita, mas muita tinta. Imaginem o quanto isso tudo vai me custar!
E seguimos, até o momento, negociando a possibilidade de fazer um Quebra-Nozes simpático e querido… mas nem tão imponente.