O isolamento forçado pela pandemia fez reaparecerem, entre as crianças lá de casa, jogos de cartas que andavam meio esquecidos. Um deles é o tradicional Jogo do Mico, que dispensa maiores apresentações. O outro é o Uno, criação mais moderna, na qual vence quem se livrar primeiro de todas as suas cartas. E, junto com os carteados, surgiram também divergências em relação a certas regras, o que, eventualmente, descamba para acirradas discussões.
Engana-se quem acredita que a vitória no Jogo do Mico depende apenas de sorte. Os menos ingênuos sabem que há alguns estratagemas lícitos, historicamente empregados para passar adiante a carta com o temido macaquinho, o solteirão do baralho. Dentre os truques mais conhecidos está deixar a carta do mico em altura ligeiramente elevada em relação às demais, mais acessível ao oponente, fazendo-o apanhá-la quase que de forma inconsciente.
Contudo, por tratar-se de um embuste antigo, já muito batido, pode gerar efeito oposto ao desejado. Se a mesa estiver ocupada por jogadores mais tarimbados, o truque servirá apenas para alertálos da localização do mico. Lá em casa, a esta altura do isolamento social, todos já conhecem bem o macete e, inclusive, aplicam-no ao contrário: elevam cartas com outros bichos, para confundir os oponentes.
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Outra estratégia é estudar o padrão do adversário ao puxar as cartas e, com tais informações, posicionar o mico onde, estatisticamente, teria mais chances de ser apanhado.
Até aqui, tudo isso é lícito no jogo.
Porém, lá em casa uma das traquinas – não revelarei qual – conseguiu convencer as demais que o lugar ideal para as partidas seria o quarto do papai e da mamãe, sob argumento de que todas poderiam acomodar-se confortavelmente para jogar, sentadas sobre a cama box. Detalhe: em nosso quarto há um grande espelho, o que possibilita espiar as cartas de quem senta-se de costas para ele. Logo que descobri a trapaça, expulsei-as do quarto transformado em cassino.
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Ágatha elaborou outro truque para aumentar as chances de livrar-se do mico: quando o oponente começa a puxar outra carta, com outro animal, ela aperta o baralho com força, dificultado a operação. Dependendo do grau de distração ou de ingenuidade do adversário, ele desiste da carta que oferece resistência e tenta outra – quiçá, o mico.
Claro que não deu certo por muito tempo, a traquinas foi logo desmascarada.
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– Mãeeee, paiiiii! A Ágatha está segurando as cartas – queixou-se a Yasmin.
– Claro que estou – argumentou a marota. – Se eu soltar, as cartas caem.
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Ágatha acabou levando o troco, tanto pela artimanha no jogo quanto pela ironia da resposta, em uma partida de Uno. Ocorre que o estatuto desse jogo estabelece que, ao ficar com uma única carta nas mãos, o jogador deve alertar os demais, dizendo “Uno” – daí o nome. Então, ao se livrar de sua última carta, Ágatha teve a vitória colocada em xeque.
– Tu não disse Uno – contrapôs a Yasmin.
– Eu disse, sim – retrucou a caçula.
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– Não lembro de ter ouvido – acrescentou a Isadora.
Voto vencido, Ágatha teve que abdicar, contrariada, da vitória. E, com isso, cogita começar a gravar as partidas, para que se tenha clareza acerca do que foi ou não foi dito. Ou seja, planeja instaurar, na mesa de carteado, um árbitro assistente de vídeo, o chamado VAR. E, creio eu, vai sobrar para mim.