Nossa caçula, Ágatha, andava intrigada. Segundo me confessou depois, havia se esgueirado para dentro do carro e apertado em todos os botões do painel – todos, menos um. Justamente o botão mais irresistível, um que se projetava para fora, pedindo para ser apertado. Temendo possíveis consequências terríveis, resistiu à tentação e – o mais difícil – à curiosidade. Creio que seus 5 anos de experiência de vida já lhe incutiram no espírito uma boa dose de prudência.
Prudência, aliás, me parece uma palavra meio fora de moda. Vivemos em tempos onde o que vale é a agilidade da ação, a coragem, o risco; e que fiquem os covardes com sua prudência. O que é um engano: prudência não é sinônimo de inércia, tampouco de covardia. Ela é, na verdade, uma das principais virtudes humanas, como destaca o filósofo francês André Comte-Sponville. A função dela é comandar todas as outras virtudes, como a justiça, a bondade, a tolerância, a coragem.
A visão de Comte-Sponville descende dos antigos filósofos gregos. Aristóteles, lembra o francês, considerava a prudência uma virtude intelectual, que permite ao homem deliberar sobre a melhor forma de agir para promover o bem. Afinal, de que adianta sermos justos, se não sabemos como praticar a justiça? Bondosos, se não sabemos como ajudar? Tolerantes, se não compreendemos o que é lícito tolerar? Corajosos, se, na pressa, não mensuramos os efeitos colaterais de certas ações? De boas intenções o inferno está cheio, diz o ditado popular.
Prudência não é omissão – é agir direito. “Há riscos”, diz Sponville, “que é necessário correr”. O problema é que isso exige sabedoria e reflexão. E reflexão exige tempo, algo também escasso nos dias de hoje.
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Ágatha, presumo eu, refletiu antes de apertar o botão. E achou mais prudente me perguntar o que ele fazia. Respondi que aquele era o botão do isqueiro e que, provavelmente, já nem funcionava mais.
– Hummm – pronunciou. – Achei que era o botão para explodir o carro.
– Mas, Ágatha… – retruquei. – Por que o carro teria um botão para se explodir?
– Ora… para quando o dono não quiser mais o carro.
– E você apertou?
– Nããããooo. Tive medo.
Ou seria prudência?
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PS.: Ágatha não correu nenhum risco em mais essa história doméstica. Lá em casa, o carro é mantido no plano, com o freio de mão apertado ao máximo e com as chaves bem longe. E, até onde eu sei, não tem nenhum botão de autodetonação.
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