Dia desses, entrei em uma livraria em Porto Alegre para matar tempo até a hora do ônibus de volta. Lá me deparei com algo que me ocupou os pensamentos durante toda a viagem e por vários dias. Havia uma estante, carregada com algumas boas dezenas de livros, que, por ficar a alguns passos da porta, era a primeira em que todos paravam. Comecei a correr os olhos pelas capas e alguma coisa me intrigou. Percebi que aquelas obras, várias com selos de “best-sellers”, traziam no título uma palavra em comum: felicidade. E não era uma coincidência: todos eram livros cujo tema era exatamente esse. A felicidade.
Achei esquisita aquela fartura em um espaço nobre do estabelecimento. Não é o tipo de livro que costuma estar em minha cabeceira. Mas em seguida me ocorreu: se o objetivo máximo da vida de qualquer pessoa é ser feliz, por que o assunto não estaria entre os mais procurados?
Resolvi, porém, analisar aqueles livros mais a fundo. Observei, inicialmente, que os perfis dos autores eram os mais variados. De psicólogos e filósofos a espiritualistas, coaches, cronistas e celebridades. Alguns conhecidos, outros dos quais jamais tinha ouvido falar. Notei também que era possível dividir os livros em três categorias, de acordo com a abordagem. Primeiro, os de tom acadêmico, cheios de citações de pensadores, que propunham um estudo sobre a felicidade à luz de teorias, científicas ou não. Segundo, os do tipo “faça o que eu digo e seja feliz”, com uma linguagem acessível, cheios de exemplos do cotidiano, verdadeiros manuais com “segredos” para ser feliz. Por fim, os mais provocativos, que pareciam ir por outro caminho e até se contrapor aos demais, com ideias como “felicidade não existe” e críticas ao “imperativo da felicidade” – na prática, diziam o mesmo, em outros termos.
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Após mais de uma hora folheando aqueles livros, saí de lá ainda mais intrigado. Confesso que me incomoda que algo indiscutivelmente complexo seja tratado tal e qual uma equação matemática, como se houvesse de fato um mapa universal do tesouro, uma sequência de passos infalíveis que, uma vez seguidos, levariam a uma existência feliz.
Trata-se de algo ilusório por dois motivos. Um deles, de uma obviedade infantil, é que a noção de felicidade varia de pessoa para pessoa, de geração para geração, de cultura para cultura. Se até a fase da vida em que estamos influencia diretamente no que consideramos ser a felicidade, transformá-la em uma receita de bolo e vendê-la por aí, sem considerar o dinamismo da vida e a particularidade de cada momento, soa pretensioso e até desonesto. Depois, a falsa ideia, subjacente não a todas, mas a muitas dessas obras, de que a felicidade é apenas uma questão de “atitude”, como se alcançá-la dependesse tão somente de uma postura em relação ao mundo, ignorando fatores sociais e econômicos – em boa parte das vezes muito mais determinantes do que ser uma pessoa positiva e tomar boas decisões. Se fosse tão simples, eu me elegeria presidente, distribuiria um livrinho desses para cada habitante e nos tornaríamos uma ilha de satisfação plena.
Respeito quem aprecia esse tipo de leitura e não duvido que faça bem para algumas pessoas. Mas essa sanha de objetivar e especular exaustivamente sobre a felicidade me parece um delírio de uma certa “era Google”, em que estamos (mal) acostumados a encontrar respostas prontas para tudo a um clique de distância. O efeito colateral mais perverso disso é que acabamos por valorizar a simplificação em detrimento da experiência. Às vésperas de fazer 30 anos, acredito que chego mais perto de compreender a felicidade escutando um samba de Paulinho da Viola enquanto lavo os espetos após o churrasco para depois ir brincar com a minha gata e planejar a semana. Vivendo, enfim.
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