Outro dia alguém me perguntou: “Tu achas que a queda do avião do Teori Zavascki pode ter sido premeditada?”. Pensei um pouco, recapitulei todas as informações que tinha sobre o episódio, considerei tudo o que sei sobre o complexo universo da esfera pública, pesei tudo o que está em jogo nesse momento tão delicado da nação, respirei fundo, e respondi com toda a franqueza: “Não faço a menor ideia”.
E não faço mesmo. Primeiro, porque nada entendo de aviação, o que me desautoriza a qualquer análise técnica. Segundo, porque eu não estava lá. E terceiro, porque não tenho provas de que uma ou outra coisa aconteceu. Nesse caso, portanto, sou 100% Glória Pires: incapaz de opinar.
É claro que meu interlocutor me olhou escandalizado. No dia da tragédia, mal a notícia se espalhou e as redes sociais estavam inundadas de teses, cada um com a sua. O que é natural, considerando se tratar da morte de um juiz da Suprema Corte.
Mas o que me espantava nessas manifestações era o grau de convicção. Cheguei a ler algo do tipo: “Ninguém vai me tirar da cabeça que isso foi provocado”. Como pode tanta certeza, estando a milhares de quilômetros de distância e não possuindo intimidade alguma com tudo o que está em jogo?
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E esse é apenas um exemplo. Cada vez mais, o debate público é pautado por opiniões instintivas, com pouca elaboração e muita paixão, e uma boa dose de “efeito manada”. Somos impelidos a ter posição sobre tudo, e a demonstrar a todo momento que não estamos alienados. Mas o que lemos diariamente nas timelines são pré-concepções recicladas. O governo anuncia uma medida e, dez minutos depois, já estão todos lançando seus julgamentos aos quatro ventos. Como é possível convencer-se de alguma coisa em tão pouco tempo?
Isso não apenas torna mais superficial o debate, como na prática o inviabiliza. Pois se todos sentam à mesa já convencidos e inflexíveis, não há debate. O resultado é que Facebook e assemelhados são uma histeria coletiva permanente.
O mais preocupante é que isso também é consequência da nossa crise de referências. Perdemos a confiança nas instituições que deveriam nos dar respostas. É o que se dá na relação esquizofrênica que boa parte da população vem mantendo com políticos e partidos. Não temos condição alguma de provar, mas nos sentimos plenamente seguros para apontar quem é honesto e quem não é. E não importa o que a Promotoria, o Judiciário, a imprensa ou a ciência dizem. Vale tudo na era dos “fatos alternativos”.
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Já consigo enxergar o dia em que sair a perícia do incidente em Paraty. Se apontar que foi mero acidente, vão dizer que é marmelada. Se apontar que não foi, é perseguição. E o que levaremos para a posteridade é apenas fruto de nosso “achismo”, tantas vezes irresponsável e arrogante.
Já eu seguirei não fazendo a menor ideia. E tenho dito.