A sociedade atual, na exata medida em que pretende ter controle sobre tudo (e sobre todos), convive com angústias cada vez mais tenebrosas. São tempos em que terroristas deixam baratinados os líderes, que, acuados, bravateiam contra o imponderável. E quanto mais bravateiam, mais se revelam atarantados, e com os cidadãos à mercê da própria sorte – ou da mais provável falta dela.
O drama da vez são as fake news. São tantas as notícias falsas, duvidosas, sem fundamento, disseminadas nas mídias sociais e até na imprensa mais afoita (ou que as replica de propósito) como se verdades fossem, que o mundo real parece dominado pela fantasia. A cada foto, a cada áudio, a cada texto, mais confusos ficamos, menos temos clareza ou convicção do que pensar ou dizer.
A coisa chega a ponto tal que a imprensa em geral começa a se especializar não em trazer notícias ou em repercuti-las, mas dedica espaço e mobiliza equipes para desfazer notícias, desconstruir comunicados. Lemos e ouvimos já não mais para nos informar, mas até para nos des-informar do que antes nos chegara como sendo verdade, e que descobrimos ser falso.
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Não demora e um papel central da imprensa entendida como tal será desmentir notícias antes veiculadas, desconstruir discursos ou desfazer (mal)entendidos. Estará a serviço do leitor caçando pulgas-fake a contrapelo. Já se pode imaginar programas de TV e rádio ou seções de destaque em jornais e revistas informando que aquilo que se ouviu, viu ou leu antes não é verdade. Ou, como diriam alguns, puro photoshop em notícias, fatos, vozes, imagens.
Assim como não se sabe sob que disfarce e em que lugar estará o próximo terrorista, na mídia não se sabe qual a próxima fake, nem como virá, nem a que se destina: numa foto manipulada, numa afirmação não verídica, num vídeo alterado ou num áudio não admitido como verdadeiro. Por conseguinte, parece cada vez mais fácil negar, desviar, titubear, argumentar que algo foi manipulado ou adulterado. E como tudo pode ser dito e desdito, postado e “despostado” em tempo real, o que antes era já não é, e o que não era de repente pode vir a ser, ou ser a única coisa verdadeira.
Que mundo! É um tempo que é prato cheio para a ficção. E dizer que quando o inglês Aldous Huxley escreveu o livro Brave new world, entre nós traduzido como Admirável mundo novo, em 1931, tecnologias como as que hoje carregamos na mão eram pura fantasia, algo que só poderia mesmo estar numa novela.
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Para nosso pavor, agora fantasia e realidade, ficção e versão fundem-se, confundem-se. Cada um constrói a sua verdade, e quanto mais a manipula, mais borra e fragmenta a si mesmo e àquilo que se poderia chamar de humano. Huxley, vivesse hoje, talvez nomeasse um novo romance distópico de Fake new world. E sabe-se lá o que hipotéticos leitores do século 22 poderão levar a sério ou no que poderão acreditar quando pesquisarem sobre esse nosso tempo.