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A vida que se banca

Por volta dos 10 anos, em Agudo, acostumei-me a fazer a pé, ao menos uma vez por semana, o trajeto entre o bairro em que morava e um local que para mim passou a ser sinônimo de saber e conhecimento: a livraria de seu Lidor Drews. Palmilhava o percurso ao longo da Avenida Concórdia (pode haver nome mais coerente para uma via urbana?) a fim de descobrir se haviam chegado novidades em gibis ou revistas, além dos jornais que vinham de Cachoeira do Sul, Santa Maria ou Porto Alegre.

Que emoção indescritível cercava a expectativa da chegada de Tex, Zagor, Tarzan, Tio Patinhas e tantos outros títulos. A cada leitura, um mundo se descortinava. Assim seguiu sendo ao longo da vida, e nenhuma surpresa nas esquinas do destino, vencidos os anos, me desviou dessa prioridade. Em mim só se fez reforçar a certeza e a convicção de que sem frequentar livrarias, bancas de jornais e revistas, somos meio que alijados do portal que se abre para a riqueza plena do nosso ser.

A gibis, jornais e revistas a certa altura agregaram-se os livros que chegavam à banca de seu Lidor, em coleções. Ali comecei a reunir, contando as cédulas que o pai deixava com a orientação de que fossem aplicadas em lanches no intervalo da aula (e que dos lanches foram sendo sutilmente deslocadas para livros), os volumes da biblioteca que até hoje me acompanha, e que só se avoluma. Cedo intuí que livros, como ocorre com os amigos, devem ser preservados e cultivados, silenciosa companhia que nos abre portas para a cultura de todos os tempos.

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Pois vim a Santa Cruz do Sul pela primeira vez ao final de 1987, a fim de me inscrever no vestibular da antiga Fisc. Da rodoviária, num fim de tarde, cumpri a pé o trajeto até o Centro, pela Fernando Abbott. No caminho, aspirei com surpresa o aroma do tabaco nas fumageiras em pleno ambiente urbano, o mesmo tabaco que meus pais cultivavam em Linha dos Pomeranos. Logo ingressei na Marechal Floriano e, embasbacado, admirei o túnel verde e a Catedral, até chegar a uma praça, e nela descobrir uma bela casinha: a banca do Fritz.

Minutos após haver chegado à cidade, eis que descubro uma segunda banca, nomeada simplesmente: A Banca. Ali comprei, de pronto, o primeiro jornal, uma edição da Gazeta do Sul, e o primeiro livro. Aprovado no vestibular, vim morar em Santa Cruz. Desde então, não houve uma única semana em que não tenha retornado à Banca. Ao longo de quase três décadas, livros, revistas, jornais e outros periódicos que iam chegando à Banca me colocaram em contato privilegiado com o mundo.

Amarro as caminhadas até a livraria do saudoso Lidor, em Agudo, e as visitas quase diárias à Banca, em Santa Cruz, com as centenas de bancas e livrarias que frequentei nas cidades que a vida me permitiu ver de perto. São lugares fundamentais para que uma pessoa possa entender um pouco melhor a si mesma e a tudo o que a cerca. Então concluo que precisamos de duas bancas: a dos alimentos, que fortalecem o nosso organismo, e a dos periódicos, que fortalecem o nosso saber. Se uma delas falta, faltará algo vital em nós.

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