Não há como ficar indiferente diante do que aconteceu em Três Passos. Ali podemos testemunhar aonde a maldade e crueldade humana pode chegar. Aplicar uma injeção letal numa criança filha de seu companheiro, enterrá-la (viva?) e depois sair para festa é coisa de filme de terror. Tal feito supera em termos de frieza Anna Carolina Jatobá, que matou a enteada Isabella Nardoni jogando-a pela janela.
Podemos tentar nos perguntar de onde vem essa violência que faz adultos matarem sua prole a qual deveriam amar e proteger. Alguns pesquisadores afirmam que o instinto animal é eliminar a prole do companheiro anterior e até recomendam não casar novamente caso se tenha filhos pequenos. Exagero? Sim. Mas é inegável que a criança sofre mais violência nas mãos de “pais” não biológicos.
Muito se fala em violência física ou sexual. Todos sabem o quão danoso são tais agressões à criança, ainda mais partindo de pessoas próximas. Porém, muitas pessoas menosprezam o poder nocivo do desamor. E isso ficou claro em Três Passos. As pessoas e instituições empoderadas pela sociedade para proteger as crianças falharam com Bernardo e com a sociedade. Entre as várias justificativas dadas na tentativa de paliar tal fato, uma delas me chamou a atenção. O juiz que teve contato com o caso meses antes do assassinato não tomou nenhuma medida protetiva, pois Bernardo não sofria violência, ele “apenas” não era amado, ele “apenas” não tinha atenção. E isso talvez possa refletir de forma preocupante o que pensa a sociedade.
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Para uma criança não ser amada é muito mais doloroso que qualquer dor física. Não ser amado é a morte, o assassinato da alma. Somente o amor pode fazer a criança se desenvolver na totalidade de seus potenciais. O amor faz a razão prevalecer sobre a violência. Sem amor, ela míngua, murcha. E depois, se sobreviver, se revolta, tem raiva de tudo e de todos. Talvez a ponto de se transformar numa Graciele Boldrini, que mata sem remorso ou culpa. E assim temos o círculo vicioso do mal, onde a vítima de violência ativa ou passiva de hoje é o(a) psicopata de amanhã.
Amor, aqui, não é subjetivo ou romântico. Amor neste caso é afeto, atenção, amamentação, convívio, educação, proteção, renúncia, tempo, cuidado e limites. Amar as crianças, ainda mais as nossas próprias, é preservar nossa espécie. É em nossos filhos que está a imortalidade. Então devemos cuidar deles agora e não ficar esperando a próxima vida.
Depois de escrever esse texto eu caminhei até minhas filhas, dei uma abraço bem apertado, olhei nos olhos delas e dei um sorriso. Sem dizer nada. O sorriso de volta delas me diz que elas são amadas. Fiquei tranquilo de constatar que aqui em casa não há violência passiva. Vou fazer esse teste de tempos em tempos e recomendo que todos também o façam.
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