Para alguns, uma profunda, corajosa e necessária reforma do Estado gaúcho. Para outros, o desmonte do serviço público e um ataque a direitos de trabalhadores. Sob imediata controvérsia, o governador José Ivo Sartori (PMDB) anunciou ontem o mais amplo pacote de ajuste fiscal das últimas décadas no Rio Grande do Sul.
Os quase 40 projetos que serão apresentados hoje à Assembleia podem garantir, segundo o governo, uma economia de R$ 6,7 bilhões em quatro anos. Entre as propostas estão enxugamento de estruturas, privatizações, retirada e restrição de benefícios de servidores e revisão de isenções já concedidas.
Além da tesourada em secretarias, fundações, autarquias e companhias, algumas das proposições mais polêmicas vão afetar diretamente o funcionalismo, como o pagamento escalonado dos salários e a alteração do prazo para depósito do 13º salário. O governo também quer extinguir a remuneração de servidores cedidos a sindicatos, acabar com os adicionais de tempo de serviço e instituir critérios mais rígidos para aposentadorias. A área da segurança é a que será mais atingida. Outra proposta-bomba é a que altera a regra no cálculo dos duodécimos – as parcelas do orçamento que correspondem aos demais poderes.
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Previstos para serem votados em regime de urgência, os projetos têm potencial para instalar um novo clima de turbulência no Estado, a exemplo do que ocorreu no ano passado, quando as primeiras fases do ajuste fiscal – bem mais sutis, por sinal – foram levadas ao Legislativo. Durante o anúncio de ontem, um grupo de servidores realizou um protesto em frente ao Palácio Piratini.
Não por acaso, Sartori, que classificou a situação do Estado como “calamidade financeira”, pediu ajuda para aprovar as medidas e disse que a superação da crise “não é só obrigação do Executivo”. “Esse é um momento muito importante na vida do Rio Grande do Sul. Acreditamos nisso que estamos propondo. Nos ajudem a construir um novo futuro”, afirmou. (Colaborou João Pedro Kist)
AS PRINCIPAIS MEDIDAS
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1) SECRETARIAS
Estrutura atual: 20 secretarias.
Proposta: Fazer três fusões e reduzir para 17 pastas.
As fusões:
Secretaria-Geral de Governo + Secretaria de Planejamento = Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão
Secretaria de Justiça + Secretaria do Trabalho = Secretaria do Desenvolvimento Social, Trabalho e Justiça
Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer + Secretaria da Cultura = Secretaria da Cultura, Turismo e Esporte
2) FUNDAÇÕES
Estrutura atual: 19 fundações.
Proposta: extinguir nove fundações e reduzir para dez.
As extinções:
Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec)
Fundação Cultural Piratini (FCP-TVE)
Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH)
Fundação de Economia e Estatística (FEE)
Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro)
Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps)
Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (FIGTFS)
Fundação de Zoobotânica (FZB)
Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan)
Impacto financeiro: R$ 120 milhões por ano.
3) AUTARQUIAS
Estrutura atual: sete autarquias.
Proposta: extinguir uma autarquia, a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH). Além disso, modificar outra, a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), que passará a se chamar Escritório de Desenvolvimento de Projetos (EDP) e terá quadro mais enxuto e novas atribuições.
Impacto financeiro: R$ 8,7 milhões por ano.
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4) CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Como é: servidores recolhem alíquota de 13,25%.
Proposta: alíquota passa a 14%, valendo para servidores, civis e militares, de todos os poderes.
Impacto financeiro: R$ 130 milhões.
5) COMPANHIAS
Estrutura atual: 11 companhias.
Proposta: extinguir uma companhia e retirar da lei a necessidade de plebiscito para privatização ou federalização de outras quatro.
A extinção:
Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas (Corag)
As privatizações/federalizações:
Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEE)
Companhia Rio-grandense de Mineração (CRM)
Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás)
Companhia Estadual de Silos e Armazéns (CESA)
Impacto financeiro: R$ 8,4 milhões por ano.
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6) ALTERAÇÃO NOS REPASSES PARA OS DEMAIS PODERES
Como é: os duodécimos, que são as parcelas das receitas que correspondem aos demais poderes, são calculados de acordo com a receita prevista no orçamento.
Proposta: esses valores passam a ser calculados de acordo com a receita efetivada, ou seja, o que de fato ingressou nos cofres públicos.
Impacto financeiro: R$ 575,7 milhões por ano.
7) REVISÃO DE ISENÇÕES FISCAIS
Proposta: reduzir em 30% os créditos fiscais concedidos referentes a 2016, 2017 e 2018.
Impacto financeiro: R$ 300 milhões por ano.
8) MUDANÇA NO ICMS DA INDÚSTRIA
Como é: o recolhimento do ICMS ocorre no dia 21 de cada mês.
Proposta: recolhimento passa para o dia 12 a partir de janeiro.
Impacto financeiro: antecipa o recolhimento de
R$ 300 milhões por mês
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9) DATA DE PAGAMENTO DO 13º SALÁRIO
Proposta: até 2020, 50% do valor do 13º salário será pago até o último dia útil do ano e os outros 50% até 30 de novembro do ano seguinte.
Impacto financeiro: R$ 600 milhões por ano.
A REPERCUSSÃO
Temos que dar a nossa contribuição enquanto Parlamento para combater a crise do Estado. Mas não tenho posição ainda. Temos que aguardar esses projetos chegarem para termos o conteúdo das propostas na mão.
Silvana Covatti (PP), presidente da Assembleia Legislativa
Vamos estudar com muita cautela. O Judiciário não é a causa da crise e nem a solução. A nossa fatia do orçamento é de 4%. O interesse público deve ser preservado, mas consideramos parte do interesse público a autonomia financeira entre os poderes.
Túlio de Oliveira Martins, desembargador e presidente do Conselho de Comunicação do TJ
Acredito que muitas mudanças são necessárias e só estão sendo propostas porque chegamos no fundo do poço. Atitudes para reverter a situação do Estado já deveriam ter sido tomadas há muito tempo. Nos últimos 45 anos, passamos apenas sete no azul.
Marcelo Moraes (PTB), deputado estadual
Por mais que os projetos sejam ousados, é preciso um gesto no sentido de buscar uma solução, tamanha é a crise que estamos enfrentando. Sem uma posição corajosa do governo, não é possível sairmos dela.
Adolfo Brito (PP), deputado estadual
O QUE MAIS FOI PROPOSTO
MUDANÇA NO PAGAMENTO DE SALÁRIO: retira da Constituição a obrigação de pagar os salários dos servidores até o último dia do mês e institui um calendário escalonado, priorizando os menores vencimentos. Assim, quem ganha até R$ 1,3 mil receberia até o quinto dia útil; quem ganha até R$ 2,9 mil receberia até o 10º dia útil; quem ganha até R$ 6 mil, receberia até o 15º dia útil, e quem ganha acima de R$ 6 mil, receberia até o 20º dia útil.
LICENÇA CLASSISTA: extingue a remuneração para servidores que não exercem suas funções por estarem cedidos a entidades de classe. Hoje são 317 servidores, que consomem R$ 37,7 milhões por ano.
VANTAGENS TEMPORAIS: para quem ingressar no serviço público a partir de agora, acabam os adicionais de tempo de serviço aos 15 anos (15%) e aos 25 anos (10%).
TETO PARA PENSÕES ACUMULADAS: no caso de servidor aposentado que passa a ter direito a pensão, o valor pago pelo IPE deverá respeitar o teto do funcionalismo previsto na Constituição Estadual. Assim, se um servidor que recebe aposentadoria de R$ 20 mil passar a ter direito a uma pensão de mais R$ 20 mil, o Tesouro pagará essa pensão apenas até atingir o teto, que hoje é de R$ 30,4 mil.
FIM DA CONTAGEM DE TEMPO FICTO: altera o conceito de tempo de serviço por tempo de contribuição. A ideia é impedir a contagem de tempo de contribuições fictícias dos servidores, sem o efetivo trabalho e respectiva contribuição.
VERBAS INDENIZATÓRIAS: prevê a necessidade de lei específica para concessão de qualquer benefício indenizatório. Atualmente, muitos benefícios têm sido concedidos sem prévia autorização da Assembleia Legislativa.
LICENÇA ESPECIAL DOS MILITARES: a cada cinco anos trabalhados, os militares têm direito a três meses de afastamento do serviço. A proposta é transformar a licença especial em licença-capacitação de três meses sem possibilidade de acumular ou dobrar períodos. Assim, o militar terá que cumprir todo o período de 30 anos de efetivo serviço para passar à reserva. Isso resulta, em média, em três anos a mais na prestação do serviço.
GUARDA EXTERNA DOS PRESÍDIOS: retira das atribuições da Brigada Militar a guarda externa dos presídios.
TEMPO DE SERVIÇO MILITAR: limita em cinco anos a averbação de tempo público ou privado para aposentadoria. Assim, para um militar se aposentar, serão exigidos 25 anos de efetivo serviço público militar.
RESERVA COMPULSÓRIA: restringe a aposentadoria compulsória para militares. Hoje, as idades-limite são 59 anos (coronel), 57 (tenente-coronel), 56 (major), 55 (capitão e praças) e 54 anos (tenente). Pela proposta, as idades passam a ser 65 (oficiais) e 60 anos (praças).
IDADE DE RECONVOCAÇÃO: aumenta a idade-limite para reconvocação dos militares para 70 (oficiais) e 65 anos (praças). Atualmente, o limite é 64 anos (oficial superior), 60 anos (capitão e tenente) e 56 anos (praças).
EXTINÇÃO DA PROMOÇÃO NA APOSENTADORIA: hoje, soldados e sargentos podem ser promovidos ao cargo imediatamente superior quando se aposentam. Pela proposta, essa possibilidade fica extinta aos novos militares e aqueles sem estabilidade.
INDENIZAÇÃO POR INVALIDEZ OU MORTE EM SERVIÇO: eleva a indenização de R$ 25 mil para 3 mil UPFs, o que hoje equivale a cerca de R$ 51,4 mil.
CEDÊNCIAS DE SERVIDORES: decreto regulamenta a lei que restringe as cedências de servidores da segurança para outros órgãos. A lei limitou em sete os servidores que podem ser cedidos para Assembleia, Judiciário, Tribunal de Contas e Ministério Público.
ESTRUTURA DA SECRETARIA DE SEGURANÇA: reduz departamentos da Secretaria de Segurança de dez para cinco. Divisões passam de 34 a 20.
REGIME DE TRABALHO DA SUSEPE: suprime o regime de plantão da lei que regula o regime de trabalho dos servidores da Susepe. Intenção é dar “tratamento igualitário da jornada de trabalho às demais categorias”.
FUNDO DE REFORMA: retira o saldo de outros poderes e órgãos do Caixa Único para o Fundo de Reforma do Estado (FRE), evitando que esses recursos sejam objeto de saque.