As cruzes cravadas no gramado às margens da BR-386, em Estrela, fazem questão de lembrar a partida de três meninas que lutavam pelo livre direito de estudar. As mesmas cruzes, com as idades 15, 14 e 12 evidenciam um período de planos, os quais na última segunda-feira foram interrompidos fatalmente. Essas três cruzes, localizadas há poucos metros de onde tudo aconteceu, reforçam a fragilidade de uma comunidade que já perdeu seis de seus filhos para a rodovia, mas quer justiça.
Na aldeia, onde o chão ainda é batido, as casas de alvenaria comprovam a última grande conquista dos Caingangues de Estrela. Em julho desse ano foram entregues por representes do Ministério Público, Dnit, Gestão Ambiental da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu) e do Consórcio Iccila/Planos 29 residências – de dois a quatro quartos – para as famílias residentes do local. Agora, diferente de quando moravam em pequenos casebres de madeira, elas não precisam mais se preocupar quando chove. “Antes molhava tudo. Era começar a chover que a gente tinha que correr de um lado pro outro”, lembra a artesã Vera Lúcia de Melo, 47 que faz questão de pedir para as ‘visitas’ não repararem na bagunça. O almoço recém havia sido feito e o fogão a lenha, disposto numa espécie de varanda, ainda exalava o cheio de comida. Era massa e arroz.
Por lá, apesar de terem os seus chinelos ou outros sapatos, muitos gostam de andar de pé descalços. Instinto indígena do qual não se desprenderam. De sua identidade, permanece a produção do artesanato que hoje também garante o sustento da tribo. Orgulhoso, o esposo de Vera, Carlos André de Melo, 35, corre para o quarto e de lá, traz dois ‘filtros dos sonhos’, amuleto típico da cultura indígena e que tem a função de purificar as energias. Em alta na cidade, como adereço de carros, cada um custa R$ 10,00. O artesão também aproveita o espaço para dizer que produz cestos, colares e até arco e flecha. “Vendemos o nosso artesanato em várias cidades. Vamos para Estrela, Lajeado, Santa Cruz, Porto Alegre e até Caxias”, diz.
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Mas nem sempre as viagens são exitosas. Segundo o cacique da tribo, Carlos Soares, 40 anos, em algumas circunstâncias, os grupos perdem a espontaneidade para vender na rua. “Às vezes as pessoas parecem que não gostam muito da gente. Nos tratam como bichos. Me pergunto o porquê. Não fazemos sujeira e nem roubamos. Eu sempre digo que roubar é feio. Em caso de necessidade, a gente pede”, complementa.
“Cultura que faz parte da nossa identidade”
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Conforme a professora do departamento de Psicologia e Mestrado em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Ana Luiza Teixeira de Menezes, que desempenha pesquisas sobre a cultura indígena há cerca de 20 anos, apesar dos avanços no que tange o reconhecimento dos índios, é evidente a necessidade de o poder público oferecer uma atenção ainda mais especial às tribos. “Precisamos de mais diálogo para superar uma certa ignorância que temos de nossas próprias raízes”.
Segundo Ana Luiza, a espécie de exclusão relatada por muitos indígenas quando se deslocam à cidade, se coloca como uma falta de reconhecimento da sociedade com relação a sua própria história. “É por este motivo que as políticas públicas necessitam avançar. Todos nós precisamos se valer de uma cultura que está aí, que faz parte da nossa própria identidade, mas que não se afirma com o valor que precisa”, explica.
Na esteira deste processo, a pesquisadora comemora o fato de que os índios têm buscado, ao longo dos anos, conceder mais visibilidade a sua cultura. Prova disso é a presença cada vez maior de indígenas nas universidades. Outro avanço diz respeito às escolas presentes nas aldeias. “Essas instituições têm uma formação específica para pensar em que tipo de educação os índios querem”, explica.
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