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O lado pessoal: Cachorrão, o xerife de Limeira

O respeito que ele impõe, de uma forma natural, já começa a se espraiar a partir do nome de batismo: Bolívar Modualdo Guedes. O cara tem que ser peitudo e pensar duas vezes antes de bater de frente com um zagueiro que se chama assim: Bolívar, e cujo o apelido é “Cachorrão”. “Eu sei que tenho cara de cachorro brabo”, assume ele, enquanto um de seus muitos pets, que transitam livremente pela casa, numa das tranquilas ruas do Senai, me lambe os calcanhares.

A casa, aliás, é uma festa: a esposa, Leilane, toma chimarrão no pátio em frente, com algumas pessoas. Na cozinha, uma das filhas – tem dois casais, o Marcel, a Tatiana, o Fabian e a Monise – toma café, com o namorado; e sempre passa alguém, pela sala, enquanto conversamos, inclusive com a camiseta do Inter. “Aqui é sempre assim”, continua Bolívar, “bastante movimentado. E a maioria está feliz com mais uma vitória do Grêmio.”

Apareço para conversar justamente na quinta-feira, um dia depois da conquista do bicampeonato gaúcho pelo seu time do coração. “Acho que foi justo em função da campanha, invicto, e tomando apenas um gol. É, foi justo, sim. E o Inter valorizou bem, jogando de igual para igual. E tal. Vamos ver o que acontece a partir de agora.”

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Bolívar, hoje com seus bem vividos 64 anos, é a tranquilidade em pessoa. Desmistifica um pouco aquela fama de zagueiro durão, “cachorrão”, que “mordia” seus oponentes. É bem da paz, de boa! Há muito queria conhece-lo mais de perto – morei por ali, nas imediações –, mas sempre me afastava em função da timidez. Ficava olhando só de longe. Hoje, depois da nossa conversa de duas horas, tenho a impressão de que já o conheço há muitos anos.

Bolívar sempre foi um ídolo, um líder, o capitão incontestável, independente do time para o qual você torça, considerando, principalmente, que lá no começo da década de 1970 – 1972 e 1973 – atuou nas categorias de base da Seleção Brasileira e foi Bicampeão do Torneio de Cannes, na França. E, também em 1972, defendeu a Seleção Olímpica do Brasil nas Olimpíadas de Munique, jogando ao lado de grandes craques.

O começo se deu de uma forma bastante precoce, ali mesmo, nos paralelepípedos do Senai. “Sempre gostei de jogar com os mais velhos.” Com nove anos ele já atuava com os adultos, no time da rua, o Unidos e Fortes. Não havia um Natal que não ganhasse uma bola, chegava a dormir com ela, e quando completou 13 anos, ao participar de um torneio municipal jogando pelo time da Souza Cruz, chamou a atenção do treinador do Avenida da época, o Gaúcho. “Eu era muito magrinho, mas, canhoto, tinha o chute forte. Passaram a me dar bastante vitamina. Até que entrei no lugar do Boca, na ponta esquerda, e não sai mais.”

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Bolívar atuou em praticamente todos os setores do campo. Foi centroavante no Verinha, em Vera Cruz; jogou no meio-campo, na lateral esquerda (uma de suas posições preferidas), até que em junho de 1970 um de seus primos, o Bonifácio, o levou para uma “peneira” no Grêmio. “Peneira” é o termo que se usa até hoje quando é efeita a avaliação dos meninos para as categorias de base. Ele lembra direitinho de tudo: “Cheguei no Olímpico só com uma malinha. Dentro não tinha nem cueca, só um calção e uma camisetinha. E fui. Me apavorei, mas encarei.” O técnico Alfredo Torres, da base, gostou do menino e o colocou na ponta-esquerda. “Em meia hora de treino já mandaram chamar o meu pai, para assinar a papelada.”

Em 1972 ele fez a sua estreia no time profissional do tricolor, treinado por Otto Glória, num amistoso, contra o São José, entrando no lugar do Tupã, que foi servir ao Exército. Jogou uma barbaridade. “Fiquei muito feliz.” Terminou a partida, ele ganhou um sanduíche, um refrigerante, e pôde usar uma daquelas banheironas, dos profissionais, para tomar um bom banho. Ao retornar dos torneios da França e das Olimpíadas, em Munique, firmou-se no Grêmio do Osvaldo Rolla, o Foguinho, como quarto-zagueiro – uma espécie de Walter Kannemann daquela época.

Ficou oito anos no tricolor até ser negociado com a Portuguesa de Desportos e, mais adiante, foi parar na Inter de Limeira, em 1980, onde permaneceu por uma década e alcançou o seu título máximo, o de Campeão Paulista, em 1986. “Até hoje sou reverenciado por lá como o ‘xerife de Limeira’”, gaba-se ele quando eu peço uma sugestão para o título deste seu perfil. “Pode colocar assim: ‘Cachorrão, o xerife de Limeira’.” Eu obedeço, obviamente.

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Bolívar jogou também no Aimoré, Bragantino, Guarani de Venâncio, entre outros. Se orgulha muito do filho, o Fabian, ídolo colorado rebatizado com o nome do pai para dar mais credibilidade, na zaga. Rimos muito eu e ele: “Um zagueiro de nome Fabian… (hehehe!). Fabian é nome de craque, do meio de campo, tipo Falcão.” Bolívar, filho, que hoje é treinador do Cianorte, do Paraná, e vai disputar a série D do Campeonato Brasileiro. Grande profissional!

Nossa conversa vai chegando ao fim. O Cachorrão e todos os outros dogs, de verdade, da casa, me acompanham até o portão da frente. Me despeço da família. Uma baita e simpática família. Saio dali feliz da vida e com a certeza de ter feito um novo amigo. Vou pela São José e quando chego na pracinha do Senai olho para o céu e vejo uma imensa, magnífica e abençoada lua cheia. Linda lua! Uma lua que mais parece uma gigantesca bola de futebol.

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