Quase no apagar das luzes de 2018, a humanidade perdeu nesta sexta-feira, 28, um dos maiores intelectuais desse início de século XXI. O escritor israelense Amós Oz morreu aos 79 anos, na capital Tel-Aviv, em decorrência de um câncer, como informou sua filha Fania Oz-Salzberger, também escritora.
Nascido em 4 de maio de 1939, em Jerusalém, era um dos gigantes das letras de Israel, lembrado de forma recorrente para o Nobel de Literatura, ao lado de David Grossman e A.B. Yehoshua. Deixa legado formidável, em que se salienta o esforço em favor da paz e da tolerância, temas caros a Jerusalém e às cercanias, ambiente no qual é sempre tão iminente a agressão entre judeus e palestinos.
Oz despediu-se, por coincidência, no mesmo dia em que o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, desembarcava no Brasil para encontros com o presidente eleito Jair Bolsonaro. O escritor sempre foi crítico da falta de abertura para diálogo entre israelenses e palestinos, e inclusive do avanço israelense para dentro do território palestino na Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Em romances e ensaios, firmou posicionamento humanista e de aceitação, e defendeu a necessidade da definição de território específico para os palestinos, e que deveria ser respeitado.
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Em junho de 2017 Oz esteve em Porto Alegre para conferência no ciclo de altos estudos Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da Ufrgs, e a Gazeta do Sul acompanhou a atividade. Ele centrou sua fala, na ocasião, no tema dominante de livro de ensaios que estava lançando no Brasil, Mais de uma luz: fanatismo, fé e convivência no século XXI, em que amplia as reflexões de obra anterior, Como curar um fanático. Lembrou que o fanatismo (religioso, político, ou de outras facetas) é uma marca contemporânea.
Uma estratégia de cura, advertiu, é difundir o humor e a curiosidade. “Fanáticos não têm senso de humor. Nunca vi um fanático com senso de humor, com capacidade para rir de si mesmo. E os seres humanos têm sempre um lado ridículo”, sugeriu. Sobre a curiosidade, frisou que ela estimula as pessoas a se interessarem umas pelas outras e a tentar compreender as singularidades. “O ponto de encontro entre meus livros e meus artigos é a vontade de entender as outras pessoas”, disse. “Busco me colocar no lugar do outro. Uma pessoa curiosa é uma dádiva, uma bênção.”
Oz residia com a esposa Nily na cidade de Arad, de cerca de 20 mil habitantes, localizada 60 quilômetros ao Sul de Jerusalém. Quando jovem, cresceu em um kibutz, fazenda coletiva, e lutou na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Tinha por hábito acordar ainda alta madrugada e sair a caminhar pelas ruas, inspirando-se para a continuidade de seus textos. Ali produziu obras-primas como os romances Cenas da vida na aldeia, Entre amigos, O monte do mau conselho, Uma certa paz e Judas, publicados pela Companhia das Letras. Junto com a filha Fania ainda elaborou o belo estudo Os judeus e as palavras. Agora, quando 2018 finda, é mais uma vida marcada pela inteligência e pela sabedoria que se apaga, mas cuja luz, em forma de palavra, de texto, segue e seguirá brilhando intensamente para iluminar nossos caminhos.
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