Se existe uma dica que eu desejo compartilhar com vocês é: escutem Massandupió. Sabe aquela música que acalma quando tudo está meio estranho? É ela. E foi essa canção de ritmo solto e arranjo instrumental impecável uma das que mais me envolveram no show Caravanas, de Chico Buarque, que tive a oportunidade de acompanhar no teatro Vivo Rio, na última sexta-feira.
A simples presença em cena de Chico, aos 73 anos de vida, já justificaria a minha ida à apresentação. Mas como era de se esperar, ele foi além. Soberano, trouxe os versos de seu novo álbum, lançado no ano passado, e falou muito sobre os nossos tempos. “Tem que bater, tem que matar engrossa a gritaria / Filha do medo, a raiva é a mãe da covardia”. Também lembrou de nossas mazelas: “E essa zoeira dentro da prisão / Crioulos empilhados no porão / De caravelas no alto mar”.
Romântico como sempre foi, não esqueceu do amor, tampouco deixou de cantar os versos da polêmica Tua Cantiga, alvo de comentários em 2017. “Terei ciúme /Até de mim / No espelho a te abraçar / Mas teu amante / Sempre serei / Mais do que hoje sou”. E confirmou que suas músicas são relíquias que atravessam o tempo. “Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! / Ela é feita pra apanhar! / Ela é boa de cuspir!” Afinal, qual obra melhor retrata a hipocrisia social e os julgamentos dos “tribunais” Facebook afora? Com seus recados sutis, Chico foi discreto. Mas não resistiu e acompanhou com o violão os gritos de “Fora Temer!”, que ecoaram diversas vezes ao longo da apresentação.
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Volta
Afastado dos palcos desde 2012, Chico retornou com a voz intacta. Talvez só tenha sido um pouco “lentinho” na hora de arriscar aquele samba de gingado esperto. Fez isso com cautela e mesmo assim arrancou gargalhadas do público que acompanhou o show bem de pertinho.
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Sou encantada com esses momentos – mais uma vez repito – privilegiados da vida. E enquanto escutava alguns clássicos como As Vitrines, Retrato em Branco e Preto e Homenagem ao Malandro, agradeci. Quis petrificar aquele show por mais do que apenas algumas horas. Desejei que aquele espetáculo musical envolvido por um cenário de cores, luz, movimento e poesia permanecesse diante dos meus olhos e ouvidos madrugada adentro.
Entendi, no fim das contas, que nenhum registro fotográfico conseguiria traduzir o que Chico Buarque e toda sua equipe de talentosos músicos transferem pra (dentro da) gente. É sentimento, arrepio e a certeza, assim como afirmou Caetano Veloso após acompanhar a apresentação, de que esse show “é a vitória da bossa nova verdadeira, sua vingança, sua definitiva consagração, desmentindo a sensação de que o Brasil não se respeita”.
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