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Música

Jairo Pereira, vocalista do Aláfia, lança primeiro disco solo

É possível falar de opressão e amor numa mesma obra, com coesão? Jairo Pereira mostra em Mutum, primeiro disco de seu projeto solo, que sim. A obra, gravada no estúdio Medusa, faz ponte entre os embates sociais e a importância do afeto com sensibilidade e destreza através de 7 faixas que misturam hip hop, rock, reggae, jazz e poesia.

A fala acima, do geógrafo e prêmio Nobel Milton Santos, abre o álbum na voz do próprio, recortada de uma entrevista de 1995. “Gosto demais dos caminhos que ele traçou para tentar encontrar soluções para a desigualdade social e racial que existe no Brasil. O trecho que escolhi, mesmo rápido, fala muito sobre o disco, sobre focarmos no momento presente para que possamos ter um futuro digno”, conta Jairo.

Mutum começou nos palcos, e após quase dois anos amadurecendo o projeto em espetáculos ao vivo, houve o forte desejo de partir para o estúdio. Assim como o show, o disco trilha os caminhos do afeto como agente transformador para as prisões e embates diários, mas é diferente do que o público tem visto ao vivo, com faixas inéditas. O nome do projeto, e do álbum de estreia, vem de uma espécie imponente de pássaro, que vive na Amazônia e hoje encontra-se em extinção.

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“É um disco curto, feito com poucos recursos, mas também porque vai direto ao ponto em tudo que a gente quer abordar. É um abre alas do Mutum”, afirma Jairo. Totalmente independente financeiramente, o disco é recheado de participações. Como não poderia deixar de ser, a linha de seleção dessas pessoas também foi pelas relações afetuosas do compositor. Assim foi feita a composição da banda Mutum, em que a maioria dos músicos (a exceção é o guitarrista), também fazem parte do Aláfia, grupo do qual Jairo é um dos três vocalistas há sete anos: o maestro e pianista Fábio Leandro, o gaitista Lucas Cirilo – que trouxeram as influências jazzísticas ao trabalho -, o baixista Gabriel Catanzaro, o percussionista Pedro Bandeira, o baterista Filipe Gomes e o guitarrista Dudu Tavares.

O baixista Gabriel Catanzaro é quem assina a produção musical. A união das visões do produtor com a do compositor se fazem muito presentes no trabalho: Gabriel vem do universo do rock, enquanto o rap foi a escola de Jairo. “Quando o Jairo me pediu pra produzir o disco, meu desafio foi buscar fazer um recorte da figura artística dele fora do Aláfia. Ele tem dois lados muito fortes, um que aborda mais o ativismo racial e outro que discute o afeto, buscando falar abertamente sobre sexo. Para mim, as faixas que mais marcam esses dois extremos são “Química”, um reggae com piano, mais sensual, que aborda o sexo sem impôr gênero nem limitações, e “Tá com medo, doutor?”, rap com spoken word e uma pitada de rock, que fala sobre o genocídio da juventude negra e é muito forte”, conta Gabriel. O poema “Com que mão você afaga”, faz a ligação entre essas duas faixas, e entre os  dois pólos do EP, distintos e conectados.

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Xênia França e Eduardo Brechó, os outros dois vocalistas do Aláfia, tão importantes na trajetória de Jairo, participam de “O Deserto Em Nós”, música que aborda os valores sociais em declínio em buscas superficiais e plásticas. “A Xênia amacia a base de gangsta rap que o Jairo coloca nessa faixa, enquanto o Brechó  traz contexto histórico para a questão do racismo, falando sobre como a África foi saqueada pelo Império Romano”, explica Gabriel.

“Candeeiro”, primeira música do disco, conta com a participação do cantor e guitarrista Bernoldi e traz um rap com bases e beats pesados e elementos tradicionais do rock, como guitarra e percussão. “É completamente diferente do que temos feito nos shows do Mutum”, afirma Gabriel. Outra faixa inédita é “Web Tribunais”, um som para pista, com pitadas de funk e dub, vertente do reggae trazida com potência pela participação da cantora Laylah Arruda, que faz parte do coletivo Feminine Hi-Fi.

“Tá com medo, doutor?” é uma das poucas faixas que vieram do espetáculo. Além dela, o poema-declaração “Ame”, que é acompanhado apenas de violão (Dudu Tavares) e fecha o disco com saxofone (Vinícius Chagas) e pratos (Janja Gomes), numa exaltação do mais primordial, o amor.

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Mutum rouba o fôlego ao nos deixar em profundo contato com adversidades que muitas vezes insistimos em passar batido. Mas é através da luz, tanto ao iluminar tais tensões quanto ao indicar o caminho da cura, que amarra uma obra contemporânea. Propõe um mergulho num recente ditado urbano, pichado em muitos muros pela selva de concreto: o afeto é revolucionário.

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