Aos 76 anos recém feitos, Erasmo Carlos é, nas suas palavras, um cão faminto. Ídolo da Jovem Guarda e decano do rock nacional, se nega a viver do passado e demonstra uma vitalidade rara: lança álbuns regularmente, evita a mesmice (recentemente regravou uma coletânea de “não sucessos” de sua carreira, ou seja, músicas que jamais tocaram em rádio) e se aventura em novas experiências (como em um filme ainda não lançado no qual trabalha como ator e em um livro de poemas que está por sair). Como se não bastasse, o “gigante gentil” conquistou recentemente o seu primeiro Grammy Latino e se recusa a tirar o pé da estrada. Tanto que, no próximo dia 7, estará pela primeira vez em Santa Cruz do Sul, em um show no Auditório da Unisc promovido pelo Sesc que deve mesclar canções de todas as suas fases, incluindo a atual.
Na última terça-feira, o Tremendão conversou por telefone, do seu Rio de Janeiro, com o Magazine. Com a fala mansa, a candura e o discurso otimista que lhe são peculiares, comentou o bom momento de sua vida e a expectativa pela turnê. E sentenciou: aposentadoria, nem pensar. “Só por invalidez”.
Magazine – São pouquíssimos os artistas da tua geração que seguem tão ativos quanto tu. O que te motiva, a essa altura do campeonato?
Erasmo – Cara, eu sou assim. Sou compositor e amante do novo. Podia estar fazendo show da Jovem Guarda até hoje por aí, mas eu quero saber de coisas novas, aprender com as novas gerações, quero participar. Isso é vida e eu quero viver. É o que me toca para frente.
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Magazine – E tu consegues te manter atualizado em termos de música?
Erasmo – Sou antenado. Tenho internet, mexo com redes sociais, vejo televisão, leio jornais e revistas, leio livros, vejo filmes. Estou atualizadíssimo com tudo o que acontece à minha volta e uso tudo isso para formalizar minha proposta que é botar amor nisso tudo.
Magazine – Alguma coisa em especial da atualidade te chama a atenção?
Erasmo – Não dá, rapaz, não dá para se fixar em nada. É muita coisa acontecendo junto. Para mim, não dá nem para decorar música. Eu ouço uma música, gosto, mas daí já tem outras 700 para ouvir em seguida. É tudo muito rápido. Mas você tem que acompanhar, bicho, senão você é atropelado pela vida.
Magazine – Muita gente que é experiente como tu tem a sensação de que a música de maneira geral perdeu qualidade. Perdeu?
Erasmo – Bicho, é natural que perca qualidade, porque você tem que fazer mais. A superprodução empobrece a criação. Assim como exposição demais te mata, eu acho. Você tem que andar sempre na corda bamba para administrar sua vida e se situar no mundo. Em outras palavras: é preciso saber viver.
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Magazine – Tu és um dos maiores roqueiros do país, mas me parece que os teus interesses e influências vêm de todos os cantos, certo?
Erasmo – Eu não me considero roqueiro. Eu sou um compositor brasileiro. Faço qualquer tipo de música, sinto qualquer tipo de música, acompanhei o nascimento de várias tendências e ritmos, e isso me enriqueceu muito musicalmente. Apenas eu faço rock’n roll, mas poderia perfeitamente ser um sambista.
Magazine – Quanto ao show que vais trazer para cá semana que vem, o que podemos esperar?
Erasmo – Ah, bicho, essa turnê tem agradado em todos os lugares que eu vou. Cada vez eu fico mais feliz comigo mesmo. Eu me considero um cara queridíssimo no Brasil inteiro, sabe. Não tem um lugar que eu vá que tenha algum problema, sempre sou tratado com carinho e respeito, e isso me deixa muito feliz pela minha honestidade musical e minha dignidadade de vida. Nossa ideia, com esse show, é dar amor para as pessoas. As pessoas querem os sucessos, a gente dá, mas não deixa de dar uma coisinha de agora, para que as pessoas saibam que eu continuo na ativa. Mas a gente canta de tudo, tem sucesso da Jovem Guarda, tem as minhas fases dos anos 70 e 80, e tem as coisas de agora.
Magazine – O Rio Grande do Sul faz parte da tua história, certo? Já vieste aqui várias vezes.
Erasmo – Já, sim. Embora eu nunca tenha ido para esses lados aí que vou agora. Pelas minhas redes sociais, tenho sentido que tem uma ansiedade muito boa das pessoas de me conhecerem, e estou muito feliz por isso.
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Magazine – Está por sair o filme Minha Fama de Mau, que conta a tua vida. Como está sendo essa experiência?
Erasmo – Ah, vai ser ainda, porque por enquanto não vi nada. Mas deve ser muito engraçado. E eu fiz um filme agora como ator, que chama Paraíso Perdido, da Monique Gardenberg, com o Seu Jorge e a Marjorie Estiano. Esse é para o ano que vem.
Magazine – Com mais de 50 anos de estrada, o que te falta fazer ainda?
Erasmo – Ah, cara, não sei não. Na minha vida, as coisas sempre foram acontecendo. É como um cão faminto, tem que estar sempre farejando coisas, até que de repente surge um alimento bom. Fico sempre em movimento e as surpresas vão surgindo, eu vou realizando sonhos e vivendo simplesmente. Por exemplo: acabei de escrever um livro de poesias. Eu nunca tinha feito isso. Uma certeza eu quero que você tenha: eu nunca estou parado. Sempre estou fazendo alguma coisa.
Magazine – Quer dizer, aposentadoria nem pensar?
Erasmo – Nem pensar, cara. Só por invalidez.
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Magazine – E não te incomoda o fato de as pessoas muitas vezes terem os olhos voltados só para o passado?
Erasmo – Não, porque não me importa o que as pessoas falam. Não paro minha vida por coisinhas assim, não. Eu levo minha vida positivamente. Se eu tiver uma derrota, eu aproveito para conseguir uma vitória, e assim tô sempre na frente.
Magazine – Certamente tu tens mais vitórias do que derrotas para contar.
Erasmo – É, depois a gente bota na balança e vê. E aí as coisas ruins que acontecem você descarrega no imposto de renda e segue em frente, cara.
Magazine – Como é tua vida hoje? Continuas vivendo no Rio de Janeiro?
Erasmo – Continuo, minha terra eu não deixo, não. Bicho, minha vida é como de qualquer cara casado. Olho televisão, saio, vou ao cinema. Mas sair é muito raro, sou muito caseiro. E trabalho muito em casa. Minha vida é trabalhar em casa. Componho, escrevo, é um trabalho solitário e caseiro.
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Magazine – E tu, como um ícone da cultura popular brasileira há tantas décadas, como vê esse momento conturbado que o país está vivendo?
Erasmo – Vejo com tristeza, né bicho. Na minha profissão, procuro dar vazão aos meus prejuízos. Minha profissão sofreu muito com a crise. A música é uma das coisas mais importantes que existe no mundo, mas na hora da sobrevivência ela é considerada supérflua. A primeira coisa que a pessoa corta é o lazer, e nisso junto a música. Mas estou sobrevivendo com dignidade e sofrendo pelo país como todos estão sofrendo. E sempre fico com a esperança de que dias melhores virão. Tempestade não dura para sempre.
Magazine – A parceria Roberto e Erasmo Carlos ainda existe?
Erasmo – Existe sempre que for solicitada. Sempre que for necessária, ela estará vivendo, assim como qualquer outra parceria. Eu sou compositor, bicho, estou no mundo para compor.
Magazine – E quanto à experiência de vencer o Grammy Latino?
Erasmo – Ganhei o Grammy, cara, com o álbum Gigante Gentil. Fiquei feliz porque é um prêmio que eu persigo há muitos anos. Já fui indicado várias vezes e nunca consegui ganhar, rapaz. E finalmente ganhei. E ganhei com um trabalho de hoje, competindo com pessoas de hoje, então isso me deixa muito gratificado.
Magazine – A sensação que sempre tenho em relação a ti, e agora conversando contigo ainda mais, é de que tu tens uma sinceridade e autenticidade muito grandes. Tu sentes essa liberdade de ser quem tu realmente és?
Erasmo – Sinto sim, cara. Sabe, a vida é tão curta e bonita, não acho legal você não ser você. A minha proposta de vida é essa e eu não sucumbo a emoções passageiras, deslumbramentos, não sou chegado a isso. Minha vida é a vida como ela é, é a realidade, as pessoas, todos iguais perante a Deus. Eu não peço mais nada a Deus, porque recebi muito mais do que imaginava. Então não peço mais nada, só agradeço.
Magazine – Do que tu mais sente saudades, Erasmo?
Erasmo – Sinto saudade dos meus entes queridos que morreram.
Magazine – Foi um prazer falar contigo. Te esperamos aqui no dia 7.
Erasmo – Tá certo. Quem você encontrar por aí, você dá um abraço e um beijo e diz que fui eu que mandei, tá bom?