Passados quase dez meses da abertura do processo de impeachment que resultou no afastamento de Dilma Rousseff (PT), o julgamento final no Senado começa hoje e pode terminar com mais um presidente tirado do cargo na história recente do Brasil. O primeiro foi Fernando Collor de Mello, em 1992.
Classificado como um golpe pelos aliados e apontado como reflexo da má gestão, o caso é envolto por denúncias e troca de acusações em meio a uma das maiores crises econômicas e políticas do País. Enquanto isso, o presidente em exercício e ex-aliado político de Dilma, Michel Temer (PMDB), articula a permanência definitiva no cargo. O Planalto tem pressa e quer encerrar de vez o processo de impeachment para que Michel Temer viaje para o encontro do G-20, na China, na condição de efetivo.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, será responsável por presidir o processo. Em reunião com os líderes e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Lewandowski disse que a intenção era evitar que os trabalhos avançassem no fim de semana. Diante da resistência da base e do fato de que as testemunhas devem permanecer isoladas no período de julgamento, ele admite que a sessão avance até o fim dos depoimentos. Se o cronograma for cumprido, a votação começa na terça.
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Dilma – que foi afastada em maio, após a primeira votação na Casa – será condenada se ao menos 54 dos 81 senadores considerarem que ela é culpada por ter editado três decretos de suplementação orçamentária sem aval do Congresso e por ter cometido pedalada fiscal ao atrasar o pagamento pela União de repasses ao Plano Safra, do Banco do Brasil.
54 dos 81 senadores precisam votar a favor para confirmar o afastamento definitivo de Dilma. Caso isso aconteça, o presidente interino assume o cargo e a petista fica inelegível por oito anos. Se o mínimo necessário para o impeachment não for alcançado, ela retoma o mandato e o processo no Senado é arquivado.
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Para entender
1 – Dilma Rousseff é acusada de ter cometido crime de responsabilidade contra a Lei Orçamentária e contra a guarda e o legal emprego de recursos públicos, na forma de três decretos de abertura de créditos suplementares e operações com bancos públicos consideradas ilegais. Todos os atos são de 2015.
2 – Segundo a acusação, os decretos foram editados em desacordo com a meta fiscal vigente e sem a autorização do Congresso Nacional. A defesa argumenta que eles têm respaldo da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015 e que não houve dolo da presidente, que teria apenas seguido recomendações técnicas e jurídicas de outros órgãos.
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3 – As operações com os bancos – as chamadas pedaladas fiscais – consistiram no atraso do pagamento de equalizações de juros para os bancos no contexto do Plano Safra, de fomento à agricultura familiar. A acusação afirma que esse atraso configura operações de crédito entre os bancos e a União em benefício do Tesouro, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
4 – A defesa refuta esse entendimento. Segundo ela, desde a criação do Plano Safra, em 1992, há atrasos nos repasses, por questões operacionais, e eles não podem ser interpretados como operações de crédito. Além disso, a defesa alega que todos os débitos foram quitados, não restando prejuízo para os bancos, e que não houve participação direta da presidente Dilma nas decisões.
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O voto dos gaúchos
Os três integrantes da bancada do Rio Grande do Sul no Senado revelaram à Gazeta do Sul como vão se posicionar:
Paulo Paim (PT) – Votará contra. Segundo ele, não há provas de que Dilma Rousseff cometeu qualquer tipo de crime de responsabilidade. “É um golpe contra a democracia. Estão tentando caçar covardemente uma presidente eleita de forma democrática pelo povo”.
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Ana Amélia Lemos (PP) – Votará a favor. A posição foi confirmada pela assessoria, alegando que a parlamentar esteve ocupada durante todo o dia e não daria entrevistas.
Lasier Martins (PDT) – Afirmou que votará a favor por motivos jurídicos e políticos. “A presidente cometeu duas graves infrações: as pedaladas fiscais e a emissão do decreto de créditos complementares sem autorização do Congresso”. Dentro do que disse serem motivos políticos, falou que Dilma Roussef foi omissa e até mesmo conivente em casos de corrupção dentro de estatais como a Petrobras e a Eletrobras e que levou o País “ao caos”.
Aliados ainda esperam pela virada
A aposta dos poucos aliados de Dilma é que a petista possa conquistar apoios de última hora, uma vez que ela fará sua defesa pessoalmente na próxima segunda-feira. Dilma tem classificado o processo como um “golpe parlamentar” e chegou a dizer que seu vice e Eduardo Cunha – que neste período renunciou à presidência da Câmara depois de ter sido afastado do cargo e do mandato de deputado pelo Supremo –, eram chefes da “conspiração”.
Dilma pouco fez para reverter a situação desfavorável no período em que foi retirada do comando do País e praticamente se enclausurou no Palácio da Alvorada. Nesse ínterim, perdeu apoios de senadores que foram até vice-líderes do governo. Apesar dos apelos para agir logo, ela divulgou uma carta a nove dias do julgamento em que reconhecia ter cometido erros, e que dizia, caso volte ao Planalto, que pretende realizar um plebiscito para novas eleições presidenciais. Essa proposta foi rechaçada por seu próprio partido. Se Dilma for condenada, encerra um período de 13 anos e quatro meses da gestão do PT no governo federal. (AE)
Personagens
Os autores da denúncia que resultou no processo, os juristas Miguel Reale Júnior, Janaína Paschoal e Hélio Bicudo indicaram duas testemunhas para defender a tese o impeachment, o procurador Júlio Marcello de Oliveira, representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e o auditor de fiscalização do TCU Antônio Carlos Costa D’ávila.
Defesa
A defesa da presidente afastada apresentou seis testemunhas: o professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (RJ), Ricardo Lodi, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, a ex-secretária de Orçamento Federal Esther Dweck, o ex-secretário executivo do Ministério da Educação Luiz Cláudio Costa e o professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado.
Placar favorável ao afastamento pode ficar entre 58 e 62 votos
Senadores e interlocutores de Temer esperam um placar favorável a ele de 58 a 62 votos pela condenação de Dilma. Em reunião no gabinete do líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ficou acertada uma estratégia para encurtar as sessões de hoje e amanhã destinadas a ouvir as testemunhas – a ideia é não inquirir aquelas que são da acusação e que somente os líderes partidários ou indicados por ele farão os questionamentos.
Os governistas querem obter mais votos do que os 59 alcançados na sessão do último dia 10, quando a presidente afastada se tornou ré no processo. Contam até com o voto de Renan Calheiros, que no processo de impeachment passou de aliado de Dilma – por ser desafeto histórico de Temer dentro do PMDB – a um dos principais parlamentares que endossaram a agenda do presidente em exercício. Ele articulou a votação de matérias de interesse do Planalto. Renan Calheiros já decidiu que viajará para a primeira reunião internacional de Temer se ele virar presidente efetivo: o encontro do G-20, na China, no início do mês que vem.
Manifestações
A previsão é de que a Esplanada dos Ministérios reúna, no máximo, 60 mil pessoas na terça-feira, dia em que é esperado o maior movimento. Em reunião realizada ontem, na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o consenso foi de que desta vez a movimentação seria menor do que a registrada em abril, quando a Câmara dos Deputados votou o processo de abertura de impeachment. Na ocasião, a Esplanada chegou a reunir 80 mil pessoas. O muro para dividir os manifestantes voltou a ser erguido na Esplanada.