Um anúncio feito essa semana por uma gigante mundial do tabaco pode ser o início de um novo momento do mercado que é a base da economia do Vale do Rio Pardo. Ao revelar que vai suspender a venda de cigarros no Reino Unido, a Philip Morris International deu o passo mais longe até agora rumo ao que vem sendo apontado como o futuro do setor: a substituição gradativa dos produtos convencionais por dispositivos eletrônicos.
No comunicado, publicado em vários jornais britânicos na última terça-feira, a companhia afirma que sua “resolução de ano novo” é “largar o cigarro” e que a melhor atitude a ser tomada pelos 7,6 milhões de fumantes do Reino Unido é “deixar de fumar”. “Mas muitos vão continuar. Por isso nós queremos substituir os cigarros por produtos como cigarros eletrônicos e tabaco aquecido, que são escolhas melhores para milhões de homens e mulheres que de outra forma não parariam de fumar”, diz a peça.
A Philip Morris já vinha se movendo nessa direção nos últimos anos, quando produtos alternativos, em especial o Iqos, tornaram-se prioridade em seu portfólio. Lançado em 2014 no Japão, o Iqos tem como principal diferencial o fato de não envolver combustão na sua utilização – ao invés de queimar, o tabaco é apenas aquecido, gerando um vapor. Em 2015, a empresa produzia 400 milhões de unidades por ano. Até o fim de 2018, o plano é ter capacidade instalada para 100 bilhões. Recentemente, a empresa anunciou investimentos de mais de US$ 1 bilhão em fábricas ao redor do mundo.
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Mais do que um mero movimento mercadológico, a decisão do Reino Unido – por sinal, reduto de uma de suas principais concorrentes, a British American Tobacco (BAT), que no Brasil controla a Souza Cruz – é a largada de uma estratégia global de longo prazo da empresa e uma tendência que vem ganhando força decisiva no mercado, na medida em que o número de fumantes despenca – entre 2000 e 2012, foram consumidas 600 milhões de unidades a menos no mundo. “A indústria como um todo está se movendo nesse sentido”, analisa um executivo do setor. “Isso reflete uma tendência de busca por produtos de menor risco à saúde, que ofereçam a mesma satisfação aos consumidores.”
A BAT, por exemplo, investiu US$ 2,5 milhões nos últimos anos no que chama de produtos de nova geração – além do tabaco aquecido, os cigarros eletrônicos (nos quais o tabaco é substituído por uma solução líquida de nicotina). Estudos apontam que, ainda que a experiência para o consumidor seja semelhante, o potencial de dano desses produtos pode ser até 95% inferior, já que a maior parte dos componentes tóxicos do cigarro convencional são liberados na combustão.
Por outro lado, parte do meio empresarial do Vale do Rio Pardo vê a expansão dos produtos alternativos com receio. A preocupação é que isso leve a uma diminuição na demanda por tabaco nas próximas décadas, o que atingiria em cheio a economia local, já que o Brasil é o segundo maior produtor e, há duas décadas, o maior exportador de tabaco do planeta.
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Empresas ainda têm cautela
Fontes ligadas ao setor fumageiro creem que notícias como a do Reino Unido vão se repetir nos próximos anos. Os sinais disso – além da redução no número de fumantes – estão nos investimentos das grandes companhias em produtos alternativos. As três líderes mundiais – além da Philip Morris e da BAT, a Japan Tobacco International (JTI) – comercializam versões tanto de cigarros eletrônicos quanto de tabaco aquecido. “Em alguns países onde esses produtos foram introduzidos, houve migração – com ou sem retorno ao cigarro tradicional – e até hibridação de consumo”, observa um executivo.
Há ainda outras experimentações, como o Snus, algo semelhante a uma goma de mascar feita com tabaco moído e umedecido, vendida pela BAT na Suécia e Noruega. Porém, enquanto a Philip Morris começa a se movimentar de forma mais agressiva nessa direção, as outras garantem que não têm em vista encolher a produção ou comercialização de cigarros convencionais. A JTI, por exemplo, vai inaugurar em 2018 uma fábrica de cigarros em Santa Cruz do Sul. “Nosso compromisso é continuar a buscar o crescimento no produto convencional, enquanto reforçamos a importância dos produtos de risco reduzido para o futuro”, informou a empresa.
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Já a BAT alegou que aposta em uma “plataforma multi-categoria” e a ideia, agora, é oferecer opções tanto para quem deseja um cigarro convencional quanto para quem prefere uma alternativa.
O CONTEXTO
6,3 bilhões de cigarros foram consumidos no mundo em 2000
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1,3 bilhão é o número de fumantes no mundo hoje
5,7 bilhões de cigarros foram consumidos no mundo em 2012
18,2 milhões é o número de fumantes no Brasil hoje
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Fernando Vieira
ENTREVISTA
Gazeta – O movimento no Reino Unido é o início de uma estratégia mundial da empresa, no que toca à substituição do cigarro convencional por produtos alternativos?
Vieira – Desenvolver e disponibilizar alternativas melhores do que o cigarro no mundo todo é a visão da companhia. Produtos de tabaco aquecido já são comercializados em mais de 30 países.
Gazeta – O senhor acredita que em outros países também será suspensa a venda de
cigarros convencionais no curto/médio prazo?
Vieira – Substituir cigarros por produtos de risco reduzido é nosso objetivo global de longo prazo, mas não depende apenas de nós. Por exemplo, autoridades reguladoras têm um papel importante ao definirem regulamentações que permitam acesso e informação aos adultos fumantes sobre esses produtos.
Gazeta – Por que a empresa acredita tão fortemente que os produtos alternativos são o futuro do mercado?
Vieira – A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que ainda haverá mais de 1 bilhão de fumantes num futuro próximo. Hoje temos ciência e tecnologia que nos permitem oferecer alternativas melhores do que o cigarro para adultos fumantes. Entendemos que é nossa obrigação disponibilizar informação e acesso a esses produtos que podem impactar positivamente a saúde pública.
PARA ONDE CAMINHAM AS GIGANTES
A empresa vem apostando de maneira mais intensa na substituição dos cigarros convencionais por alternativas. Embora possua quatro plataformas de produtos de risco reduzido em diferentes estágios de desenvolvimento e comercialização, o carro chefe é o IQOS, produto de tabaco aquecido, que encerrou 2017 com presença em 30 países
e em todos os continentes.
Sem perspectiva de descontinuar a produção de cigarros convencionais, a controladora da Souza Cruz, que em 2017 comprou a Reynolds American, investiu, nos últimos seis anos, US$ 2,5 bilhões no que chama de produtos de tabaco de nova geração. Uma das frentes envolve os cigarros eletrônicos, segmento no qual a empresa é líder mundial, com presença em 16 países e previsão de chegar a 40 até o fim do ano. O Vype, marca da BAT, é hoje número 1 no mercado do Reino Unido.
Em outra frente, a empresa já comercializa o GLO, produto de tabaco aquecido, em cinco países: Japão, Coreia do Sul, Suíça, Canadá e Rússia.
A multinacional anunciou no ano passado que vai investir R$ 80 milhões na implantação de uma cigarreira em Santa Cruz do Sul. Embora reconheça o crescimento dos produtos alternativos, a empresa alega que segue apostando no crescimento dos negócios envolvendo cigarros convencionais.
Atualmente, a empresa comercializa um produto de tabaco aquecido, o PLOOM TECH, no Japão, Suíça, Estados Unidos e Canadá. Já o vaporizador Logic Pro é vendido na França, Itália, Reino Unido, Irlanda, Grécia, Alemanha, Rússia, Estados Unidos, Coreia do Sul e Áustria.
No Brasil, alternativas seguem proibidas
Enquanto em várias partes do mundo a procura por alternativas ao cigarro convencional cresce, no Brasil esses produtos sequer estão regulamentados. Em 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu, por meio da resolução 46, o comércio e a importação de dispositivos eletrônicos voltados ao fumo – o que impede a venda tanto de cigarros eletrônicos quanto de produtos de tabaco aquecido. A medida vale para todo o País e foi tomada sob o argumento de que não havia comprovação científica quanto à segurança dessas mercadorias. Propagandas também são proibidas.
Atualmente, a indústria vem intercedendo junto à agência na tentativa de rever a restrição. No caso da Philip Morris, que almeja inserir o Iqos no mercado brasileiro, o movimento procura convencer a Anvisa de que produtos de tabaco aquecido são diferentes de cigarros eletrônicos. A maior expectativa gira em torno de uma consulta pública aberta em março do ano passado, que pode culminar na definição de novos critérios para registro de produtos fumígenos.