Chama atenção a recorrência de uma previsão algo fatalista: a de que o livro impresso – e mesmo de todos os impressos (deste jornal, inclusive) – está com os dias contados. De onde menos se esperaria que tal vaticínio viesse (da academia, por exemplo), eis que de repente um cidadão alardeia: “Não demora e o livro em papel não existirá mais. Tudo será eletrônico, luz piscante e faiscante no olhar”. E, por vezes, costumam afirmar isso em um livro. Impresso.
De tanto ouvir a previsão do “fim da linha para o livro”, acabei por querer investigá-lo de perto. A quem, exatamente, atenderia a previsão? É tendência inevitável? Ou seria a ansiosa vontade de investidores, daqueles que, digamos, fabricam e vendem eletrônicos? A serviço de quem estão? De você, leitor? Do seu bem?
Fica a impressão de que os que preveem a “morte” do livro impresso nem chegam (nem chegarão) exatamente a ser leitores. São antes pseudoleitores, que se renderam (e se renderão sempre) a novidades ou eletrônicos, na mão dos quais tudo o que pisca e emite som causa frisson. Fossem de fato leitores e saberiam que a quem lê (e segue-se editando e lendo muito em papel) o impresso, que dispensa fonte de energia que não seja a da mão a virar a página, firmou-se ao longo de séculos justo por sua praticidade.
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O papel hoje advém de florestas plantadas de eucalipto. Vem de árvore, e enquanto esta cresce fornece oxigênio vital, indispensável ao ser humano. Mais adiante, o mesmo eucalipto ainda nos proporciona, de forma prática e barata, o papel. De outra parte, todas as formas eletrônicas têm contra si o ônus da degradação ambiental, da frieza do metal, do esgotamento dos recursos do planeta. É quase como se, augurando a morte do papel, orgânico, estivéssemos a serviço da dizimação do próprio planeta, cada vez mais frio, calculista e cimentado na mesma proporção.
É de crer que tablets e ebooks não foram feitos para ler. Foram feitos para vender tablet e ebook. A exemplo do celular, que precisamos substituir a cada ano (do contrário, ele próprio está programado para ter a vida útil encerrada), a cada ano precisaremos de um ebook ou tablet um pouco mais potente, e compatível. Lá vamos nós para gastos inevitáveis se quisermos seguir tendo acesso aos aplicativos.
O segredo é fazer gastar, e gastar muito, em aparelhos, e doutrinar, enquadrar, adestrar. Como aventam especialistas, chegará o momento, veja só, em que nosso HD, o cérebro, nem estará preparado para assimilar texto impresso. Ou seja, não é que o livro de papel esteja com os dias contados. O homem, como o conhecemos, está com os dias contados. Nem será porque não queiramos ler livro impresso que ele acabará, mas não teremos como lê-lo porque terão acabado com ele, para confirmar o vaticínio.
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Em tempo: pessoalmente, pouco importa por quanto tempo ainda imprimirão livros, ou até que deixem de ser impressos amanhã mesmo. Reuni tantos que talvez precisasse de duas ou três vidas para dar conta da leitura. Lamentaria, isso sim, pelas futuras gerações, essas que mais se assemelhariam (mais se assemelharão?) a prisioneiros na caverna de Platão.