No auge dos seus 8 anos, nossa filha Isadora anda às voltas com um dilema existencial. A Isa é louca por animais, principalmente cães. Gosta tanto dos bichinhos que chegamos a sugerir, eu e a Patrícia, que ela atuasse, no futuro, em uma ONG dedicada a proteger os animais.
Porém, a Isa não quer. Afinal, a atividade da ONG pressupõe o acolhimento dos cãezinhos para posterior doação a tutores responsáveis. “Mas não vou conseguir fazer as doações”, argumenta ela. “Vou querer ficar com os bichos todos para mim.”
Tanta paixão por animais poderia levá-la para o caminho da Veterinária, entretanto, isso esbarra no mesmo problema da atividade na ONG. “Eu não conseguiria devolver os bichinhos a seus donos após o tratamento”, diz Isadora.
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Histórias curiosas como essa são parte do bônus que, como pais, ganhamos quando conseguimos dar atenção a nossos filhos. E que me levam a ter cada vez mais convicção de que o maior ônus do estilo de vida contemporâneo é, justamente, a falta de tempo para eles. Em meio a tanto corre-corre, sobram poucas horas (ou seriam minutos?) diárias para os pequenos e, quando nos damos conta, eles já nem são mais tão pequenos assim.
Por si só, é triste perceber que os filhos cresceram à revelia de nossa atenção. Mas as consequências desse fenômeno são bem mais graves. Aposto que muitas tragédias familiares e sociais poderiam ser evitadas com doses – nem tão homeopáticas – de diálogo entre pais e filhos.
Pensou na drogadição como uma dessas tragédias? Acertou. O mais eficiente remédio contra esse câncer social não são as ofensivas policiais, tampouco a construção de mais presídios. É a prevenção, que emerge das relações saudáveis e dialogais entre pais e filhos.
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Sim, eu sei. Manter uma rotina de boas conversas com os filhos não é nada fácil, principalmente na já citada rotina que levamos nestes tempos modernos. É um esforço de logística, de organização, de paciência e de concentração. Descobri dias atrás que, apesar das minhas convicções, não sou lá um grande exemplo em reunir esses quesitos.
Foi ao ser interpelado por nossa caçula, Ágatha, de 4 anos . “Pai”, chamou ela. “Vamos treinar karatê?”. Acontece que eu estava distraído, pensando em… não lembro ao certo se era em trabalho, em aulas a lecionar, em algum seriado da Netflix ou mesmo em um tema para esta coluna. Mas estava com a cabeça longe e, sem ter dado atenção à pergunta, confirmei no automático: “Aham”.
Nisto veio o tradicional grito – “aiiiiaaaaa” – seguido pelo que seria um golpe de karatê, no caso, um forte chute desferido por Ágatha San na minha canela. Doeu. Mas também serviu de alerta.
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