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Sistema prisional

Presídio Regional: churrascadas e drogas são apenas a ponta do iceberg

O vazamento de fotos de um churrasco na véspera de Natal dentro do Presídio Regional de Santa Cruz e, na mesma semana, de um vídeo em que detentos são flagrados manuseando drogas, colocou a casa prisional no centro de um furacão de críticas. A questão é delicada, complexa, e expõe uma realidade que vai além dos muros do Regional. Com a metade do efetivo considerado ideal pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e com presídios superlotados em todo o Estado, são comuns negociações para que a “situação não saia do controle”, conforme fontes ouvidas pela Gazeta do Sul.

Em Santa Cruz, a divulgação das imagens, garante uma fonte, é uma forma de represália: com a transferência de apenados da casa prisional após a fuga em massa do dia 17 de novembro, alguns detentos pretendem “derrubar a direção do presídio”.  Os 16 presos recapturados, além de outros sete presidiários que teriam ajudado a arquitetar a fuga, foram enviados para outra prisão. 

Mas o poder das facções dentro das cadeias vai além: os agentes penitenciários se veem obrigados a fazer “vista grossa” para evitar que confusões aconteçam. “Se tirar a droga, a televisão e o telefone, os presos derrubam a cadeia no mesmo dia”, conta o familiar de um detento. 

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Por outro lado, fontes relatam que situações mais graves, como pagamento de servidores para permitir regalias, não acontecem no município. “Nenhum agente penitenciário de Santa Cruz se submete a propina”, diz o familiar de um detento. Como acontece em todo o País, o Presídio Regional está superlotado: são 330 presos onde cabem 168. Ao mesmo tempo, há um deficit de agentes penitenciários. Em todo o Estado são 4,8 mil, número inferior ao considerado ideal. 

O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários (Amapergs), Flávio Berneira, confirma que as facções têm poder nas cadeias. “No Presídio Central, o preso é questionado, quando entra, sobre a qual facção pertence. Caso ainda não seja de nenhuma, é obrigado a escolher. O Estado está fazendo alistamento às facções.”
Em Santa Cruz, a maioria dos detentos ou é integrante dos Manos, que dominam o tráfico de drogas na cidade, ou se torna membro ao entrar. “A máxima de que o presídio é uma escola do crime é verdadeira. Não há alternativa, mas não por falta de vontade dos servidores. É a lei que assim determina”, diz Berneira.

“Nenhum agente penitenciário de Santa Cruz se submete a propina.”
Familiar de um detento do Presídio Regional

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“Fizeram churrasco de Natal. E daí? Qual o problema? Claro, é preciso saber como foi feita a segurança, como foi organizado, mas as pessoas não podem se escandalizar por isso. O papel do sistema prisional é esse também.”
Flávio Berneira  – Presidente do sindicato dos agentes penitenciários

QUAL O NÚMERO IDEAL DE AGENTES?

– De acordo com a ONU, o ideal seria um agente penitenciário a cada cinco presos por turno de trabalho. Em Santa Cruz, seriam 66 agentes por turno. O número real não é divulgado por questões de segurança. 
– Pela lei brasileira, são necessários mais 1,5 mil servidores no RS.

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– Considerando que a lei está defasada, Flávio Berneira entende que seria necessário pelo menos dobrar a força de trabalho. Atualmente, são 4,8 mil agentes. A Amapergs pediu ao governo do Estado a nomeação dos 2,8 mil  aprovados no concurso, incluindo o cadastro de reserva. “Se nomeassem todos, ainda assim teria deficiência.”

POLÊMICAS

  • 7 de novembro

A maior fuga já registrada em casas prisionais do Rio Grande do Sul aconteceu no Presídio Regional, quando 26 detentos serraram a grade de uma cela da galeria B, usaram uma corda improvisada com lençóis para descer ao primeiro pavimento e cortaram uma tela, por onde fugiram. Dez continuam foragidos. Os que foram recapturados, mais sete apenados considerados os “cabeças” da fuga, foram mandados para outra cadeia. A transferência teria irritado os presos, e fontes apontam que o recente vazamento de imagens seria uma represália. 

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26 detentos escaparam no dia 7 de novembro. Foto: Rodrigo Assmann.

  • 25 de dezembro

Pouco mais de um mês depois da fuga, foi realizado um churrasco de confraternização no pátio das galerias A e B do presídio. A prática já havia acontecido em outras ocasiões, mas o vazamento das imagens fez com que o caso ganhasse repercussão. A direção do presídio organizou uma revista, que localizou três celulares e uma quantia de maconha. O autor das imagens e, possivelmente, dono do aparelho foi identificado, isolado e responde a um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD). O promotor de Defesa Comunitária, Érico Barin, afirmou que vai investigar quem pagou a carne, se já teriam acontecido outros eventos como esse e se houve improbidade administrativa. A Corregedoria da Susepe também abriu uma sindicância. 

  • 28 de dezembro

A Gazeta teve acesso a um vídeo no qual detentos aparecem manuseando drogas. Nas imagens, é possível ver Eládio Marzall Fontoura preparando cocaína para consumo enquanto outro fecha um cigarro que pode ser de maconha ou tabaco. A administração do presídio isolou o detento, que responderá a um PAD, assim como os outros que aparecem na gravação. À reportagem, fontes revelaram que drogas e bebidas alcoólicas entram por uma corda, no único ponto onde não há muro na cadeia. Narcóticos também entrariam escondidos junto aos órgãos genitais de visitas. A revista íntima foi proibida no ano passado por decreto federal. Conforme Berneira, seria necessário um scanner corporal para impedir a entrada dos entorpecentes, mas nenhuma prisão gaúcha possui esse equipamento. “O que fazemos é tentar recolher nas revistas às celas”, conta. A Polícia Civil afirmou que haverá uma investigação para apurar o comércio de drogas na penitenciária. 

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  • 31 de dezembro

Um novo churrasco, para comemorar o Ano-Novo, ocorrerá no presídio. O evento vai contemplar os detentos das galerias C e D, que ficaram de fora da primeira festa. A administração da casa prisional solicitou permissão do Poder Judiciário para realizar o evento e teve o pedido acatado. A solicitação foi entregue à juíza plantonista Letícia Bernardes da Silva pela direção do Presídio Regional na tarde dessa quinta-feira. O Ministério Público foi informado sobre a decisão. “O MP solicitou que não se fizesse essas festas sem autorização judicial. Eles conseguiram. Agora vou aguardar que forneçam as informações sobre como foi o primeiro e como será o segundo churrasco”, disse o promotor Érico Barin.

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CHURRASCOS

Alvo de polêmica, a churrascada de Natal acontece anualmente com autorização da direção do Presídio Regional. Conforme fontes ouvidas pela Gazeta do Sul, nessas situações o preso responsável pela galeria, chamado de plantão ou prefeito, combina o funcionamento do evento com a direção. Detalhes, como quantos espetos serão utilizados, são definidos entre as partes. “Ninguém briga, não há confusão e todos os espetos voltam”, conta um familiar, frisando que os detentos cumprem o combinado. 


Apenados realizaram churrasco. Foto: Reprodução/WhatsApp.

“Churrascos acontecem desde que eu entrei na Susepe, há mais de 30 anos. É cultura do sistema prisional que nesses momentos de fim de ano, quando os presos estão mais agitados, se faça uma confraternização”, revela Barneira. Segundo ele, eventos como debates, palestras, torneios de futebol e esse tipo de comemoração são permitidos. “A condenação é para que o preso perca a liberdade e não a dignidade. Ninguém é preso pra dormir no chão, pra passar frio ou fome. Se as pessoas não gostam disso, é preciso mudar a lei.”  

Conforme testemunhas, a carne e o carvão utilizados no churrasco de Natal foram deixados no local de reboque. Segundo familiares de detentos, teria sido a facção que pagou os alimentos. Já o delegado regional penitenciário, Bruno Carlos Pereira, afirma que as famílias  levaram os produtos e todo o material foi revistado antes de entrar. “Fizeram churrasco de Natal. E daí? Qual o problema? Claro, é preciso saber como foi organizado, mas as pessoas não podem se escandalizar por isso. O papel do sistema prisional é esse também”, finaliza Berneira.

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