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Santa Cruz

Como o tráfico financia outros crimes

O elo, muitas vezes ignorado, entre quem financia o tráfico de drogas, pelo consumo, e quem aponta armas para vítimas de assaltos ou assassinatos ficou mais uma vez exposto nas últimas apreensões da Polícia Civil em Santa Cruz do Sul. Nessa sexta-feira, policiais desenterraram 18,2 quilos de maconha em uma garagem. Um dia antes, centenas de munições, coletes à prova de balas, armas e drogas foram encontrados em um apartamento. Eram esconderijos utilizados pela mesma facção, que além de controlar parte do comércio de entorpecentes, vem comandando outras ações criminosas.

Embora o tráfico seja o carro-chefe desse tipo de bando, os crimes patrimoniais são a forma de conseguir dinheiro rápido e suprir perdas, acumuladas com apreensões ou dívidas não pagas. Grupos como o que atua no Bairro Progresso, conforme o delegado regional e titular da Delegacia Especializada em Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec), Luciano Menezes, não são reconhecidos dentro do sistema prisional como facções, mas já apresentam estruturas organizadas e distribuição de tarefas.

Assim como em outras facções, o líder desse bando está preso, mas continua gerenciando as ações. “Hoje nós não temos a hegemonia de um grupo só explorando o tráfico na cidade. Temos uma facção maior, mais organizada, que tem poder dentro do sistema prisional gaúcho, operando no Bom Jesus e lucrando muito mais com a cocaína. Mas há outros grupos operando, como é o caso desse que atua no Progresso e adjacências.”

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No crime, a demonstração de força se dá pelo poder de fogo, o que explica a quantidade de armas e munições apreendidas. “Sabemos que fuzis andam circulando na mão desses integrantes dos grupos organizados. Hoje nós temos aqui algo que não tínhamos há dez anos, que é a disputa sangrenta entre os rivais pelo domínio de áreas de tráfico. Eles procuram, através da composição de um acervo bélico, se proteger e mostrar para os rivais que estão em condições de repelir uma invasão ou uma tentativa de tomada de espaço”, diz Menezes.

Mas a violência não se limita a quem está envolvido no tráfico. Em dezembro de 2014, um assalto a uma joalheria, que terminou com um criminoso morto e o filho do proprietário baleado, foi comandado por um desses bandos. “Era um pessoal da facção Os Manos que veio para meter uma joalheria e fazer um capital de giro, injetar dinheiro no fim de ano, dentro da quadrilha.” Assim como esse, outros assaltos investigados pela polícia também estariam ligados ao tráfico de drogas.

Foi durante a investigação de alguns roubos recentes na região que a polícia chegou, na quinta-feira, a um apartamento no Residencial Villa Nova, no Bairro Esmeralda, onde estavam escondidos 701 munições, inclusive de fuzil, coletes balísticos, um revólver e uma pistola 9 milímetros. Drogas também foram apreendidas. O lugar era usado como depósito pela mesma quadrilha que armazenava os tijolos de maconha na garagem.

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Como a facção se estabelece

Não é só pela violência e pelo medo que as facções se estabelecem. Elas também encontram outras formas de se enraizar nas comunidades onde atuam. “No fim do ano, rolou festa aqui na cidade. Rolou brinquedo, dezenas de bicicletas de presentes, bolo com decoração no nome da facção. Isso tudo acontece. Então a facção, como uma irmandade, tem um núcleo social, eles se ajudam”, afirma o delegado Luciano Menezes.

Droga foi desenterrada de garagem

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Nessa sexta-feira, 21 tijolos de maconha e porções de crack e cocaína foram descobertos sob o piso de uma garagem, em uma residência no Bairro Faxinal Menino Deus. Na mesma moradia, a polícia já havia prendido um homem com um revólver. A ação deu continuidade à apreensão de centenas de munições, entorpecentes, armas e coletes à prova de balas, feita um dia antes.

Os policiais retornaram à mesma casa e suspeitaram que a droga poderia estar armazenada na garagem. Eles removeram partes das lajotas e encontraram dois tonéis, onde estavam os entorpecentes. A residência funcionava como ponto de armazenamento de drogas para os criminosos. “Eles comercializam crack e cocaína, mas principalmente maconha.”

“O mercado consumidor cresce assustadoramente”, diz delegado

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À frente da Delegacia Regional e da Defrec, responsável pelas investigações relacionadas ao tráfico no município, o delegado Luciano Menezes falou à Gazeta do Sul nessa sexta-feira sobre as conexões entre o comércio de entorpecentes e outros crimes.

Execuções, roubos e disputas sangrentas pelos territórios não são novidade para quem vive do tráfico e para quem o combate. Mas é o crescimento do consumo por parte da sociedade, que muitas vezes ignora a extensão dessa cadeia, o que mais assusta a polícia.

FALA, MENEZES

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Concorrência

“Esse grupo que atua no Progresso e adjacências da Zona Sul é um concorrente da facção Os Manos em determinados pontos do mercado. Mas eles se ocupam muito mais do tráfico de maconha. Diferentemente da facção Os Manos, que atua no Bom Jesus, que pega uma classe A e se ocupa da venda de cocaína pura, escama de peixe.”

Capital de giro

“Todos esses grupos criminosos buscam o que eles chamam de capital de giro, de injeção de valores dentro da organização. Eles se ocupam de crimes patrimoniais, assaltos a joalherias, malotes, bancos e alguns roubos pontuais a empresários ou empresas que têm cofre e arrecadação de grandes valores. Isso serve como uma injeção de dinheiro dentro da organização para tapar furos que ficam de cargas que são perdidas para a polícia, cargas que se perdem no transporte rodoviário, e também daqueles valores deixados pelos inadimplentes – pessoas que se envolvem com o tráfico e acabam não dando retorno da mercadoria que levaram. Muitos deles acabam morrendo.”

Homicídios

“Nós tivemos nos homicídios do ano passado, numa base de 40, pelo menos de 25 a 30 deles foram vinculados a relações não honradas do tráfico de drogas. Isso é muito comum. Pessoas que se envolvem com isso ganham dinheiro e têm lucro fácil, mas na medida que não cumprem, não honram os compromissos definidos por essa facção, elas acabam morrendo. E aí nós temos um grande número. A maior parte dos nossos homicídios vem desse tipo de relação não respeitada.”

Violência 

“Um exemplo está agora lá na Amazônia e hoje em Roraima. Aquele monte de gente morta. E aquilo não tem nada o que ver com superlotação. Aquilo é briga de facções, é briga de espaço, é rivalidade dentro do sistema prisional, onde o Estado obviamente não opera e já perdeu a legitimidade há muito tempo, se é que algum dia teve.”

Lucro fácil

“É mais de 100% de lucro. Só para ter uma ideia, hoje um quilo de cocaína pura está chegando a R$ 18 mil ou R$ 19 mil aqui na cidade, e eles conseguem auferir R$ 30 mil com um quilo. Então é R$ 11 mil de lucro líquido numa peça, ou num quilo de cocaína.”

Consumo fomenta o crime 

“A gente enxerga isso de maneira muito aberta e muito clara. O tráfico de drogas vai sempre existir. E está cada vez aumentando progressivamente. Na medida em que certo número de pessoas consomem e dizem a si mesmas que não têm nada a ver com a escalada da criminalidade, são elas que fomentam o mundo do crime. Na medida em que há pessoas consumindo, obviamente haverá pessoas vendendo. Os próprios traficantes, quando a gente prende, vem aqui para a delegacia e dizem: ‘Eu não sou bandido, não faço mal para ninguém, eu sou um homem de negócios, apenas vendo uma mercadoria que os outros querem comprar. Se eu não vender, eles vão comprar de outro’.” 

Mercado cresce

“O mercado consumidor cresce assustadoramente. E o tráfico, na mesma progressão geométrica, aumenta. A gente prende seis traficantes e aparecem oito porque, ainda mais neste momento de crise, está todo mundo focado numa forma de auferir lucro fácil. E aí, pessoas que não eram dadas a cometer infrações penais acabam ingressando nesse mercado porque precisam de dinheiro. O mercado está aberto e tem pessoas querendo comprar. As pessoas pensam: “Pior que tá não fica, vou me arriscar. Talvez o Menezes não me descubra”. Aí, quando tu pega, eles choram e se atiram no chão.”

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