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Escritoras da liberdade

Vivências do cárcere viram poesias no Presídio Regional de Santa Cruz

O filósofo francês Gilles Deleuze nos disse que escrever é uma tentativa de libertar a vida do que a aprisiona e que o escritor é o médico da civilização, aquele que analisa a doença do ser humano e avalia suas possibilidades de cura. No projeto À Flor da Pele, a poetisa vera-cruzense Marli Silveira ofereceu às detentas do Presídio Regional de Santa Cruz uma forma de ludibriar as dores do cárcere, além da possibilidade de ficar algumas horas fora da cela. Nos encontros quinzenais desde 2012, cada uma dessas mulheres pôde sentir a liberdade de expressar seus sentimentos e pensamentos. Durante as oficinas, o grupo conversava e traçava objetivos para uma nova vida fora da prisão.

Em cadernos levados para as celas, a cada uma delas era permitido contar com suas palavras, na forma que desejassem, um pouco das suas experiências. Esses textos renderam um livro de 64 páginas editado pela Edunisc. Nas páginas do volume, que ganhou o título Entre peles e poesias, há poemas, crônicas e cartas escritos por cerca de 30 mulheres, além de um prefácio assinado pelo escritor moçambicano Mia Couto.

O trabalho abre uma janela de visibilidade, uma vez que as mulheres presas são em geral pobres, negras, de baixa escolaridade e cumprem condenações por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Existe um estigma muito maior sobre as mulheres do que os homens aprisionados. 

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Quase todas as mulheres que participaram do livro já não estão no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul. Muitas encontraram novos caminhos por conta das reflexões geradas pelo projeto e pela prática da escrita. Algumas participam de eventos que divulgam o projeto À Flor da Pele em escolas, outras já estão trabalhando, cuidando dos filhos, conquistando moradias. 

Marli, que se diz “inundada de sonhos e da vida das gentes esquecidas”, acredita que os melhores escritos são aqueles que são perturbadores. “A boa literatura é aquela que permite ao leitor imaginar o que é viver a vida de outra pessoa. Penso que o livro Entre peles e poesias é um convite ao encontro com a mulher detenta, seus sonhos, desejos, vida.”

O livro pode ser adquirido nos eventos de divujlgação. Conheça dois poemas que integram a coletânea nesta página.

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POEMAS

“Na prisão não temos escolhas,
somos um nada sem rumo,
mas que escolhas têm
os que estão soltos no mundo?
Olho para a claridade,
que cisma entrar pela janela,
e o efeito da luz ilude meus sentidos,
não posso ir ao encontro da rua.
Estamos todos presos,
ninguém escapa ao domínio alheio,
fingimos ser livres, usamos máscaras
o mundo é um presídio falsificado.” 

“Prisão é grade, é dor,
resistência e medo,
um fim que acolhe,
um colo que atormenta.
Choramos de noite
para viver o dia,
sonhamos aos encontros
para sobreviver à ventania.
Prisão é a casa da gente,
aqui como lá,
somos sempre outra gente,
aqui como lá,
não há o que livrar.
Seguimos, é o jeito,
não dá para parar,
a fera é grande e covarde,
não podemos desanimar.
Escolher é uma bobagem,
nada pode mudar,
quando não há oportunidade,
só resta ao desgraçado rezar.”

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