Dona Beloni deu pulos de alegria quando seu Olívio sugeriu para que fosse aberto um museu em Pantano Grande. Só assim ela se livrou de mais de quarenta peças antigas que o marido insistia em guardar em um quartinho nos fundos de casa. Neste ano em que o casal comemora quase meio século de casamento, completa-se também dez anos da ação de desapego de Olívio. Beloni já previa, no entanto, que os objetos só mudariam de endereço. E permaneceriam muito presentes na memória do esposo que, embora quase analfabeto, sempre teve paixão e propriedade quando o assunto é história.
Há poucos dias, em uma manhã de segunda-feira, após aparar o cabelo de um dos muitos caminhoneiros que passam todos os dias em seu estabelecimento, o barbeiro com mais de cinquenta anos no ofício fez uma pausa no atendimento. De frente para o espelho, ajeita o uniforme retrô – camisa branca e suspensório – , e na sequência posou para fotos com o filho, Clai, e com a neta, Tamires. “Agora vamos para o museu?”, convida ele, ansioso. Da barbearia até o lugar onde estão expostas as antiguidades de seu Olívio são pouco mais de cem passos. Lorete, a cuidadora, o aguarda na porta. “Bom dia seu Olívio, o que manda hoje?”, pergunta ela, em tom receptivo e respeitoso. E acrescenta: “Querem saber algo daqui, ele é a pessoa certa”, aponta ela. “Ele conhece toda a história, com datas, números, lugares, é impressionante”, conta.
Seu Olívio, o filho Clai e a neta Tamires
Foto: Lula Helfer
Publicidade
Enquanto ele visualiza cada material, inclusive sua primeira cadeira de barbeiro doada ao museu, explica a origem, fabricação e a importância histórica de outros objetos. E então dona Lorete o interrompe porque eis que surge uma demanda: “Seu Olívio, as crianças do colégio me mandaram pelo whats um questionário. Uma das perguntas é o porquê de o nosso açude ter o nome de Guabiju. O senhor pode dar uma olhada pra mim?”, pergunta Lorete. E ele, prontamente e com paciência, esclarece todos os questionamentos. Depois, em uma breve caminhada pelas ruas da cidade na companhia de Olívio, percebe-se o quanto é reverenciado pelos pantanenses. “Como vai, seu Olívio?”, pergunta um sujeito. Ele responde com um aceno, abre um sorriso e dez passos adiante um outro rapaz também o aborda. “Seu Olííííívio, mas que prazer !”
Primeira cadeira de barbeiro foi doada ao museu
Foto: Lula Helfer
Em Pantano Grande, lugar que adotou desde seus 23 anos, todos conhecem o barbeiro, historiador, escritor e tradicionalista Olívio Carvalho Soares. Sim, embora pouco letrado, ele é também escritor porque publicou, em 2010, um livro que conta parte da história da cidade. Dentre as curiosidades, o primeiro ferreiro, o primeiro salão de baile, o primeiro leiteiro, a primeira padaria.
Publicidade
Hoje com 75 anos, é a ele a quem recorrem para saber, inclusive, o índice pluviométrico da cidade. “Meu pai é procurado pra tudo aqui”, diverte-se o filho, Clai, de 46 anos. Seu Olívio tornou-se reconhecido como líder, especialmente, por ser o precursor do movimento tradicionalista. Em 1967, pouco antes de pedir a mão de Beloni, o pantanense nascido em Encruzilhada do Sul construiu um galpão ao lado de casa para promover a dança gauchesca. E criou também o grupo de doze cavaleiros. Cerca de dez anos mais tarde, em 1978, liderou a construção do CTG Carreteiro da Saudade. Uma das curiosidades da época, lembrada pela funcionária pública Kika Leão, natural de Pantano e hoje morando em Santa Cruz do Sul, refere-se à importância do uso da pilcha. “Seu Olívio dizia que a cada pilcha emprestada, teríamos uma pessoa a menos pilchada. Por isso não era para se emprestar uma pilcha, mas cada um teria que ter a sua”, recorda-se ela. Um pouco do que sempre cultivou nos hábitos tradicionalistas também é seguido há muito tempo na barbearia. “Aqui, além de trabalhar a gente promove rodas de música, jogos de xadrez, é um lugar de encontro de amigos”, finaliza Olívio.