O Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou à Prefeitura de Santa Cruz do Sul que cobre da ex-prefeita e atual vereadora Kelly Moraes (PTB) uma dívida que chega a mais de R$ 2 milhões. O TCE fixou o débito após identificar supostas irregularidades nas contas do Município referentes a 2012, último ano do governo da petebista.
O julgamento no TCE ocorreu em 2015, mas transitou em julgado – ou seja, esgotaram-se as possibilidades de recurso – em junho deste ano. Agora, a Prefeitura tem prazo de 90 dias para executar a dívida na Justiça.
Do total do valor, R$ 1,9 milhão correspondem a prejuízos causados ao erário municipal decorrentes da contratação de uma empresa de assessoria jurídica, a Bernardo Vidal. Por orientação dessa empresa, a Prefeitura deixou de recolher valores devidos à Receita Federal referentes a contribuições previdenciárias. O Fisco, entretanto, não reconheceu o ato e o Município acabou pagando os valores.
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No julgamento, o conselheiro-relator Estilac Martins Rodrigues Xavier alegou que o contrato com a empresa foi “efetuado sem proteção do interesse público” e que a decisão de deixar de recolher as contribuições foi “unilateral e sem base sólida”.
Outra irregularidade apontada pelo TCE envolve bens móveis da Prefeitura que não foram localizados quando da realização do inventário – o relatório não especifica quais seriam os materiais em falta. Kelly apresentou esclarecimentos, mas o relator entendeu que a defesa tinha “inconsistências” e que a ex-prefeita não demonstrou “qualquer providências no sentido de verificar ou sugerir iniciativas quanto à apuração da irregularidade”.
Apesar dos apontamentos, as contas de Kelly foram aprovadas, com ressalvas. No caso do então vice-prefeito Luiz Augusto Costa a Campis (PT), as contas foram aprovadas.
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Decreto
O julgamento do Tribunal de Contas também declarou irregular um decreto de Kelly de 2010, que definiu uma marca como referência para a compra de fitas medidoras de glicose pelo município. Dentre os problemas reconhecidos pelo relator Estilac Xavier, estão falhas em datas nos documentos referentes ao procedimento e o fato de só terem sido apresentadas ofertas de preços de empresas revendedoras do produtos, e não de empresas que o produzem e também comercializam. Pareceres técnicos sugeriram que Kelly fosse condenada a restituir valores ao Município, mas o relator entendeu que o tamanho do prejuízo não foi suficientemente comprovado.
“Não tem como pagar algo do que ela não é a origem”
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Procurada nesta quarta-feira, Kelly Moraes se manifestou por meio de um dos advogados responsáveis por sua defesa, Marco Borba. Como o processo no Tribunal de Contas foi encerrado, a discussão agora será travada na esfera judicial.
Segundo Borba, a defesa pretende questionar o fato de o prefeito Telmo Kirst (PP) ter rescindido o contrato com a empresa Bernardo Vidal sem que a discussão sobre as compensações tributárias fosse levada à Justiça. Isso, de acordo com ele, prova que a responsabilidade pelo prejuízo não foi de Kelly. “A parte administrativa foi feita, mas a parte judicial não. Ou seja, não se deixou a empresa finalizar o serviço. Primeiro, vamos sustentar que Kelly não tem como pagar algo do que ela não é a origem. Depois, vamos reabrir a discussão sobre essas compensações. Veja o caso da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins: foi preciso um posicionamento do Supremo Tribunal Federal”, observou.Essa é a segunda vez que Kelly enfrenta problemas com o Tribunal de Contas. O órgão chegou a reprovar as contas da petebista referentes ao ano de 2011 em função de supostas irregularidades, mas a Câmara de Vereadores reformou a decisão.
ENTENDA
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Em julho de 2011, a Prefeitura contratou a empresa recifense Bernardo Vidal Consultoria Ltda., que apresentou ao Município um plano de recuperação de créditos previdenciários. Com base neste plano, a Prefeitura deixou de recolher por dois meses à Receita Federal recursos referentes a contribuições que incidem sobre benefícios de todos os 3 mil servidores. Naquela ocasião, também foi compensado todo o valor que havia sido recolhido nos cinco anos anteriores.
Ao todo, a Prefeitura deixou de recolher R$ 3,3 milhões e o dinheiro foi utilizado para o fechamento das contas do município de 2011 e 2012. A Receita, porém, não reconheceu essa compensação e passou a notificar o governo para que justificasse o ato, sob pena de o débito ser inscrito em dívida ativa perante à União
Em dezembro de 2013, já sob o governo de Telmo Kirst (PP), a Prefeitura decidiu rescindir o contrato com a empresa e, no ano seguinte, firmou acordo com a receita para pagar o valor em 60 parcelas.
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Quando tornou pública a situação, o governo Telmo chegou a acusar a gestão de Kelly de cometer uma “fraude contábil” e questionou a contratação da empresa, que se deu por inexigibilidade de licitação, já que a Bernardo Vidal era investigada em diversos municípios do País.