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Conheça a PIC

O SUS que oferece de plantas medicinais a yoga

É no Bairro Marilene, em Candelária, que dona Amélia Gass Krug, 65 anos, cuida de uma pequena hortinha com pelo menos 70 tipos de chás. Funcho, boldo, menta, camomila, massanilha, macela e mais uma infinidade de plantas são cultivados pela aposentada que, muitas vezes, recebe a ajuda da comunidade para manter o terreno. Situado nos fundos da Estratégia Saúde da Família (ESF) Marilene, o quintal ainda recebe placas esculpidas em madeira com o nome de cada uma das plantas. Organizada que só ela, dona Amélia não quer que os funcionários do postinho se confundam na hora de colher os chás. Até porque eles já têm um destino certo: o tratamento dos pacientes da unidade. Por lá, a fitoterapia – uso de plantas medicinais no tratamento e prevenção de doenças – já virou rotina entre os atendidos. 

O trabalho voluntário da aposentada e da equipe da ESF, que recebe o suporte da Secretaria de Saúde de Candelária, integra a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Criado ainda em 2006 pelo Ministério da Saúde, o programa, também conhecido como PIC, começou a dar seus primeiros passos no Vale do Rio Pardo em meados de 2015. Trata-se de ações que trabalham com um modelo de atenção humanizada e centrada na integralidade do indivíduo. Entre as práticas já exercidas aqui na região estão fitoterapia, reiki, terapia integrada, acupuntura, yoga e outras modalidades que visam trabalhar o tripé corpo-mente-espírito. “Buscamos a qualidade de vida através do uso de práticas terapêuticas que ampliem o leque dos usuários. Esse programa vai ao encontro de uma mudança de paradigma que visa à sustentabilidade e ainda beneficia o sistema”, explica a farmacêutica e coordenadora da política estadual da PIC, Silvia Czermainski. 

A sustentabilidade à qual Silvia se refere já é sentida na ESF Mariline. Por lá, a medicalização dos pacientes, segundo o farmacêutico Fernando Serena Menezes, diminuiu cerca de 30%. Remédios que antes tinham alto índice de solicitações, como o Omeprazol, por exemplo, passaram a ser substituídos de forma gradual pelo chá de boldo ou chá de menta. “É preciso haver um meio-termo. Não é que vamos cortar os medicamentos. A ideia é aliar ambos os tratamentos e educar os pacientes para os riscos de recorrer sempre à medicação quando um chá também pode surtir efeito”, explica. 

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Após o médico prescrever o tipo de chá e a posologia, algum integrante da equipe, junto com o paciente, vai até a horta, colhe o produto in natura e orienta quanto à forma correta de preparo e uso. “A comunidade tem muito orgulho desse projeto porque resgata antigos hábitos e costumes que estavam esquecidos e não tinham, até pouco tempo atrás, o reconhecimento dos profissionais de saúde”, acrescenta coordenadora da Atenção Básica de Candelária, Liria Maria Reis. 

Embora muitos pacientes já tenham aderido à fitoterapia, Serena comenta que muitas vezes essa forma de tratamento é encarada com certa resistência por alguns deles, em especial os mais jovens.” Os usuários de mais idade, por já terem uma criação voltada ao chá, adoram a ideia. Com o restante, foi preciso trabalhar mais para que entendessem a eficácia”, explica. Na ESF Marilene, aliás, o projeto teve um importante impulso por meio do trabalho de dois médicos cubanos.

Usuário na comunidade

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Além de trabalhar o tripé corpo-mente-espírito, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares ainda busca aproximar as comunidades. Isso porque o usuário, antes acostumado a recorrer à ESF com a intenção de adquirir somente a medicação, agora interage com os profissionais e, quando possível, auxilia nos projetos. É o caso da horta na ESF Marilene. Além de dona Amélia, moradores como Maria Alaíde da Silva, de 51 anos, ajudam a cuidar do terreno. 

“Agora eu vou no posto e já sei que quero o chá. Aprendi que malva é bom pra garganta. Também me ensinaram a colocar algumas plantinhas no chimarrão”, conta toda orgulhosa, exibindo o mate recém-feito. Maria também diz ter reduzido o número de remédios que consumia. Segundo ela, qualquer problema era desculpa para ir ao posto e pedir uma receita. Agora, ressalta que só toma os indispensáveis para pressão alta e diabetes.  

Ao ouvir o relato de Maria Alaíde, a vizinha Amélia sorri. Mesmo sem possuir vínculo empregatício com o sistema, ela contribui, ao lado de toda a equipe da ESF, para a construção de uma nova forma de promoção da saúde no bairro. É a luta por um SUS mais humano que atende, ouve e acolhe.

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Sensibilização é palavra-chave

Segundo a coordenadora da PIC no Estado, Silvia Czermainski, a sensibilização não só dos atendidos, mas dos próprios médicos e enfermeiros, não ocorre do dia para a noite. “É um processo lento que não pode acontecer verticalizado. Essa demora, inclusive, é importante para que o sistema mude de referência e não foque só na doença, mas na promoção de saúde, sempre atendendo a atenção básica”, complementa. 

Na região abrangida pela 13ª Coordenadoria Regional de Saúde, a visão de trabalhar o ser humano de forma integral é colocada em prática por municípios como Sinimbu, Pantano Grande, Vale do Sol e Candelária mediante práticas diferenciadas. Segundo a responsável pela política na 13ª CRS, Ana Carolina Rios, fóruns com secretários da Saúde e funcionários do SUS são organizados uma vez por mês. Nos encontros, profissionais que já trabalham com as práticas integrativas debatem sobre como efetuá-las e, quando possível, aplicam as terapias nos participantes. “De nada adianta termos profissionais dentro do SUS capacitados a praticar as terapias se os gestores não estão sensibilizados para entender que esse tipo de trabalho, além de diminuir o custo para a saúde,  proporciona um acolhimento diferenciado ao paciente”, afirma. 

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Hoje, para inserir uma nova prática em qualquer unidade de saúde, é preciso que algum profissional já atuante no SUS seja capacitado para aplicá-la. “Nós brincamos que vários funcionários (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, agentes de saúde) ‘saíram do armário’, pois tiveram a oportunidade de trabalhar dentro do SUS formações que praticavam fora dele”, observa.

A tendência, portanto é aproveitar os conhecimentos já disponíveis na rede e qualificá-los. “Agora estamos orientando os municípios e fazendo os gestores entenderem que essas práticas humanizadoras podem, sim, diminuir os índices de hospitalização e a demanda pela alta complexidade”, salienta Ana Carolina.

Práticas começam a ser pensadas para Santa Cruz

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Em Santa Cruz do Sul, um projeto em caráter experimental está em fase de finalização junto a cinco Estratégias de Saúde da Família (ESFs) e deve ser divulgado em breve pela Coordenação de Atenção Básica do município. Por aqui a inserção da PIC, além de ter o apoio da secretária de Saúde Renice Coimbra, é incentivada por professores da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Responsável por ministrar disciplinas de Promoção de Saúde no curso de Enfermagem, a docente Ana Zoé Schilling avalia que a realização de projeto-pilotos em Santa Cruz é um avanço para a atenção básica.

Segundo ela, a caminhada devários profissionais que apoiam a PIC vem de longa data. “Depois de muito tempo tratando só o corpo físico, tínhamos a impressão de que o resultado não era tão eficaz e nos sentíamos frustrados. Passamos a buscar, então, outras alternativas como forma de complementar o tratamento já oferecido aos usuários.” Foi nesse momento que Ana fez cursos de terapias naturais e práticas complementares, com o objetivo não só de ampliar o leque de seu próprio conhecimento, mas também repassá-lo à universidade. “São muitas práticas que já foram experimentadas de forma acadêmica e apresentam inúmeros resultados.” 

O envolvimento foi tanto que hoje, além de participar mensalmente dos fóruns com a equipe da 13ª CRS, ela também aposta suas fichas na criação do Centro de Ensino de Terapias Integrativas e Complementares Evoluir-se. “Há pessoas doentes fisicamente que precisam de outro tipo de atenção para que a cura se torne mais eficaz. A grande maioria das doenças vem do estado emocional. Por isso entendemos de extrema importância essa integração cada vez maior da PIC no SUS.” Além de Ana, trabalham nisso os professores Fábio Pimentel, Aline Fischborn e Chana Medeiros da Silva.

Em Pantano, yoga, meditação e arteterapia atraem cerca de 90 pessoas

Desde 2013, diversas oficinas vêm mobilizando usuários do SUS em Pantano Grande. Por lá, a prática de yoga, meditação e arteterapia – uso de recursos artísticos/visuais ou expressivos como elemento terapêutico – mobiliza cerca de 90 pessoas. As oficinas ocorrem em uma sala concedida pela Prefeitura e são ministradas pela psicóloga Deisi Meyer.

“Todas essas práticas são de livre adesão. Não sou eu quem vai dizer o que é bom para o paciente. Vamos construir esta caminhada juntos.” Conforme Deisi, foram ofertados grupos para crianças, adolescentes e adultos durante três anos consecutivos. Agora, por causa da crise, o número de oficinas precisou ser reduzido. Segundo a psicóloga, que agora também tem a possibilidade de exercer as técnicas da terapia floral no SUS, essas práticas já trouxeram muitos ganhos para pessoas diagnosticadas com depressão. “Elas passam a valorizar a vida e a ter outra postura frente aos acontecimentos. Resgatam a autoestima, aprendem a ter equilíbrio emocional e a ser autores da própria saúde”, enfatiza. 

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