De braços abertos. É assim que dom Gílio recebe os visitantes no bispado de Bagé. Com sorriso fácil e carisma único de quem corresponde ao carinho que recebe diariamente dos fiéis, Gílio Felício, aos recém-completados 66 anos, é um exemplo quando o assunto é disposição. Desperta, diariamente, às 6 horas e, uma hora depois, trata de rezar missa. No cotidiano, intercala suas atividades com as incumbências da diocese na qual já atua há 12 anos, além dos muitos encontros anuais com os bispos da província de todo o Estado.
Ao menos uma vez por ano, ele vai a Roma. Mas é com Santa Cruz do Sul que mantém forte ligação afetiva. São as lembranças de uma infância em que descobriu a vocação religiosa, aliada ao amor de filho que não abdica de visitar a mãe, Maria Francisca Gomes Felício, 88, e os quatro, dos cinco irmãos, que residem em solo santa-cruzense. Na memória repleta de saudade, dom Gílio conta que recebeu incentivo dos pais para seguir a doutrina católica. “Quando nos mudamos de Sério (município próximo a Lajeado) para Santa Cruz, minha família encontrou uma casa bem em frente à Igreja Conceição. Naturalmente, passei a participar das missas e demais atividades religiosas.”
Aos 9 anos e já “encantado” com o envolvimento na Igreja Católica, ele não tinha mais dúvida. “Nessa época, foi crescendo em mim a vontade de ser padre. Via como era bonito o trabalho dos irmãos maristas que acompanhavam a juventude”, comenta. Foi então que, ao manifestar o desejo para a família, o pequeno Gílio foi surpreendido. “Lembro que minha mãe me questionou: ‘Mas será que pode? Eu nunca vi um padre preto’”, recorda Gílio, que ressalta o fato de o termo “preto” ser comum à época.
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De fato, era incomum encontrar sacerdotes negros. Tanto que na edição da Gazeta do Sul de 4 de novembro de 1978, uma nota informava: “É raro, muito raro e em Santa Cruz acontece a primeira vez…”, sobre a notícia de Gílio ser ordenado o primeiro padre negro de toda a diocese. Mas os reflexos da dedicação de Gílio logo lhe proporcionaram gratas surpresas. Não só foi incentivado a seguir pelo padre que até hoje tem como inspiração, Orlando Pretto, como, antes de ingressar no seminário de Arroio do Meio, foi convidado a estudar no Colégio Marista São Luís. Afinal, os formadores do seminário não estavam acostumados a receber um jovem de origem humilde como o pequeno Gílio, que se “virava nos 30” para ajudar a família e desempenhar as funções de engraxate e jornaleiro da Gazeta.
Nessa época, o padre Orlando sugeriu que o jovem entrasse no Marista para, um ano depois, em fevereiro de 1965, dar início aos estudos para sacerdote. Mais tarde, ele aprofundou seus conhecimentos no curso de Filosofia na Universidade de Passo Fundo (UPF) e Teologia na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), em Porto Alegre. No mesmo ano em que encerrou essa última etapa, deu início a outra. Em 11 de novembro, mesma data em que comemorou seus 29 anos, foi ordenado sacerdote na Catedral São João Batista. A cerimônia, lembra ele, contou com a participação de 4 mil pessoas. “O povo da região foi muito carinhoso comigo”, ressalta.
Jornada
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Na bagagem sacerdotal de dom Gílio, ainda estão as experiências de quatro anos em Passo do Sobrado, mais uma especialização em Liturgia na Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, e o retorno para Santa Cruz do Sul, como reitor do Seminário São João Batista. Bastou para conquistar a confiança de dom Sinésio Bohn. Ele foi escolhido vigário-geral, sacerdote com poder ordinário para ajudar o bispo no governo de toda a diocese. Cerca de um ano depois, foi nomeado, por ninguém menos que o Papa João Paulo II, bispo auxiliar da Arquidiocese de Salvador da Bahia, em 1998. “De um lado, foi uma alegria imensa e de outro, um choque. Teria de deixar o aconchego familiar em Santa Cruz para um novo desafio. Chorei um bocado. Mas é claro que disse ‘sim’ ao Papa”, conta. Cinco anos depois, João Paulo II nomeou dom Gílio bispo da Diocese de Bagé.
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