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França

Morre, aos 56 anos, dom Irineu Rezende Guimarães

ATUALIZADO ÀS 11h37

Faleceu na madrugada deste sábado, 10, dom Irineu Rezende Guimarães, aos 56 anos. Natural de Rio Pardo, atualmente o sacerdote estava na Abadia Notre-Dame de Tournay, no sudoeste da França. Desde 2010, nove meses após a transferência para a Europa, dom Irineu convivia com o diagnóstico da esclerose lateral amiotrófica (ELA). 

O padre Marcelo Rezende Guimarães – Irineu era o nome monástico -, que rezava as missas no Mosteiro da Santíssima Trindade, em Santa Cruz, ou nos encontros do Em Busca da Paz com muita serenidade, fez sua partida na cidade Tarbes, na França. O enterro vai ser realizado na segunda-feira, 12, na Abadia de Tournay, às 15 horas locais, após a missa de corpo presente. Familiares de dom Irineu, que residem em Santa Cruz, informaram via Facebook que vão ser realizadas missas em sua memória nas cidades de Santa Cruz, Rio Pardo e Porto Alegre. Dias e horários são: em Santa Cruz a celebração ocorre na segunda-feira, às 10 horas, no Mosteiro da Santíssima Trindade. Em Rio Pardo a missa vai ser na quarta-feira, às 18 horas, na Igreja Senhor dos Passos e em Porto Alegre a cerimônia vai ser realizada na terça-feira, às 18h30, na Igreja São João Batista.

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TRAJETÓRIA

Natural de Rio Pardo, Guimarães foi ordenado padre em 1985. Logo assumiu funções chave na Igreja local, tais como a de vigário da Catedral de Santa Cruz e cargos de coordenação na diocese. Fundou e presidiu o projeto Em Busca da Paz, que congregava grupos de jovens de comunidades católicas da região engajados em ações pacifistas. Seu interesse por mobilizações dessa natureza também o levou a coordenar o Comitê Gaúcho Pelo Desarmamento, a ONG Educadores Para a Paz e a Campanha Brasileira para o Banimento de Minas Terrestres. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), lecionou em universidades e é autor de livros e dezenas de artigos onde aborda a educação voltada para a paz. 

Os primeiros sintomas da doença surgiram em junho de 2008. Na época, Guimarães já havia ingressado na vida monástica, opção que, como determina a rígida cartilha beneditina, gerou a mudança de seu primeiro nome – de Marcelo para Irineu. Então prior (superior) do hoje extinto Mosteiro da Anunciação, em Goiás, Guimarães procurou o médico porque começara a mancar da perna esquerda. Logo os médicos o encaminharam a diversos exames – todos inconclusivos. Já em meados de 2009, diagnosticaram que Irineu estava com uma inflamação nos músculos e iniciaram um tratamento. 

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A confirmação do diagnóstico de ELA só veio em agosto de 2010, nove meses após a transferência de Irineu para a Abadia Notre-Dame de Tournay, no sudoeste da França. “Por um lado, depois de dois anos de busca, fiquei sereno em saber precisamente o que tinha. Por outro foi um choque, dado que na minha família uma tia e uma prima pelo lado paterno tiveram a mesma doença”, relembrou ele ao conversar com a Gazeta do Sul em setembro de 2014.

Nem mesmo as limitações impostas pela esclerose impediam o monge de seguir com o ativismo pacifista e suas pesquisas acerca do tema. Com uma forcinha da tecnologia – inclusive, de um computador comandado pelo movimento dos olhos – Irineu seguiu escrevendo e organizando conferências.

Relembre abaixo a entrevista que dom Irineu concedeu à Gazeta do Sul em setembro de 2014.

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Gazeta do Sul – Qual sua rotina no mosteiro? É possível cumprir, mesmo com a doença, as rigorosas regras de São Bento?

Dom Irineu Rezende Guimarães – A tecnologia ajuda muito. Conto com um computador, fornecido pela Associação Francesa de pacientes de ELA, que posso comandar com movimento dos olhos, o que me permite acessar meus e-mails, ler jornais e navegar pela web. Consigo participar da missa conventual e geralmente das vésperas. Os outros ofícios, como as leituras do refeitório, chegam a mim através de um sistema de sonorização. Mesmo com todas essas limitações, vivo o essencial da Regra de São Bento, que consiste em nada preferir ao amor de Cristo e viver uma comunhão contínua com Deus. Por três anos exerci o cargo de prior em Tournay, já em cadeira de rodas. Hoje ainda tenho responsabilidades na comunidade, como selecionar as leituras da liturgia e ser diretor espiritual de algumas pessoas. Em tudo isso, sou sustentado pelo grande apoio do abade, Dom Joel Chauvelot, pelo carinho da comunidade e de muitos amigos da França e do Brasil. Todas essas pessoas me apoiam sobretudo com sua oração. É dela que tiro a força. 

Gazeta – Quem teve contato com o senhor se surpreende com sua serenidade, apesar das limitações impostas pela ELA. Qual o segredo disso?

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Dom Irineu – Costumo dizer que esta doença me trouxe mais coisas do que me tirou, como por exemplo uma grande serenidade, paciência e confiança nos outros. Se ELA me dá trabalho, eu também dou trabalho para ELA. Quando penso em desanimar, Deus me faz abrir um sorriso e consigo continuar meu caminho. Penso que três elementos contribuem para essa atitude. Primeiro, a espiritualidade e a fé em Deus, assim como os ensinamentos da Regra de São Bento que me incentivam a me sentir feliz mesmo em momentos difíceis. Segundo, o exercício de um autoconhecimento proporcionado por alguns anos de terapia jungniana (ramo da Psicologia) que me deram instrumentos para penetrar nas profundezas de meu ser. Terceiro, meu engajamento pela paz e não violência, que me obriga a pôr em prática aquilo que desejo. Gandhi dizia: “Seja você a mudança que deseja para o outro”. Hoje, sinto que essa paz e essa não violência, mais que um discurso intelectual, estão profundamente impregnadas no meu ser. Se eu não posso fazer muitas coisas, eu posso ser uma presença: presença de alegria, presença de escuta.

Gazeta – Após dedicar praticamente a vida inteira a Deus, como encara o fato de que tal fardo tenha recaído justamente sobre o senhor? Não abala a fé? 

Dom Irineu – São Paulo na carta aos Romanos afirma que “tudo contribui para o bem dos que amam a Deus” (Ro, 8,28). Essa citação bíblica me inspira profundamente. A cultura contemporânea confunde sofrimento com infelicidade. Contudo, a fé cristã nos mostra que podemos ser felizes mesmo no sofrimento. Quando as pessoas perguntam como vai minha saúde, eu respondo: “O que você entende por saúde?” Porque eu sou feliz e me sinto muito bem apesar das limitações do corpo. Em tudo isso sinto que é uma grande manifestação da presença e do amor de Deus para comigo.

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