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Cenário político

O que muda com a volta de Lula

Condenações do ex-presidente Lula na Lava-Jato foram anuladas (Foto: Ricardo Stuckert/PT)

A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou na segunda-feira as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Operação Lava Jato pode ter alterado em definitivo os rumos da política brasileira. Para analistas ouvidos pela Gazeta do Sul, com a tendência firme de candidatura de Lula a presidente no ano que vem, a tendência é de uma disputa polarizada entre ele e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o enfraquecimento de alternativas centristas que buscavam se consolidar.

Com a anulação das condenações, Lula não está mais inelegível pela Lei da Ficha Limpa, o que impediu o registro de sua candidatura em 2018. Embora não tenha se lançado pré-candidato oficialmente, sua participação no pleito é considerada muito provável.

Para o cientista político Paulo Moura, a volta de Lula ao cenário eleitoral acentua a polarização. Segundo ele, apesar das tentativas de outras frentes de alçar voos, o cenário já apontava para um confronto Bolsonaro versus PT em 2022. “Com Lula, é inevitável. E não haverá espaço para a terceira via”, observa. Na sua visão, são “quase nulas” as chances de outros possíveis presidenciáveis – como os governadores João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB), os ex-ministros Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta (DEM), o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) – chegarem à disputa competitivos.

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Ainda de acordo com Moura, tudo indica que, nesse confronto, a rejeição tenha peso definitivo no resultado, o que significa que a disputa será entre o “antipetismo” e o “antibolsonarismo”. “A lógica de uma eleição que começa polarizada na largada funciona como se o segundo turno já ocorresse no primeiro”, analisa. Já o cientista político Rudá Guedes Ricci acredita que o cerne da corrida será a resistência de Bolsonaro à tentativa de retorno do PT à hegemonia nacional. “O antipetismo parece muito mais débil do que em 2018. É o que várias pesquisas recém-publicadas sustentam”, observa.


Seis perguntas para entender o caso Lula

Com a ajuda do professor de Direito Penal e Processo Penal da Unisc e do Centro Integrado de Ensino Santa Cruz (Ceisc) Nidal Ahmad, que também é assessor jurídico do Ministério Público, respondemos às principais dúvidas sobre o caso do ex-presidente Lula.

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1) Qual foi exatamente a decisão do STF?
O ministro Edson Fachin decidiu anular todas as condenações impostas pela Justiça Federal do Paraná ao ex-presidente Lula. A decisão atinge quatro ações das quais Lula é alvo: a do triplex do Guarujá (na qual foi condenado em julho de 2017 e teve a condenação confirmada em segundo e terceiro grau, e pela qual ficou preso por 580 dias), a do sítio de Atibaia (na qual foi condenado em fevereiro de 2019, condenação confirmada em segundo grau) e duas ações referentes a doações ao Instituto Lula, que ainda não foram julgadas.

Fachin entendeu que esses processos não podem ser julgados na 13a Vara Federal, em Curitiba, porque não haveria conexão entre os fatos imputados a Lula e o esquema de corrupção investigado na Petrobras. “Na visão dos procuradores que ofereceram denúncia contra Lula, havia uma ligação entre a facilitação na obtenção de contratos com a  Petrobras e, em contrapartida, valores indevidos recebidos de empresas do grupo OAS. Isso é o que levou o MP a mover a ação penal perante a 13a Vara”, explica o professor Ahmad.

A decisão de Fachin foi tomada a partir de um habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em novembro de 2020. Em paralelo, foram impetrados outros habeas corpus suscitando a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, em razão dos diálogos interceptados entre ele e procuradores da Lava Jato. “Mas o ministro, ao invés de enfrentar a suspeição, acabou reconhecendo a incompetência da 13a Vara Federal para processar, julgar e condenar Lula, sob o fundamento de que não havia conexão entre os fatos imputados a ele com a Petrobras”, afirma o professor.

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2) Isso significa que Lula foi absolvido  das acusações?
Não. A decisão diz respeito ao aspecto processual, não é uma decisão de mérito sobre a responsabilidade de Lula. “A decisão foi apenas no sentido de que a 13a Vara Federal de Curitiba não era o juízo competente para processar e julgar o ex-presidente”, ressalta Ahmad.


3) Os processos de Lula vão começar do zero agora?
Com a decisão de Fachin, os processos agora vão ser distribuídos para uma vara federal de Brasília. Como todos os atos decisórios de Moro foram anulados, caberá ao juiz que assumir as ações decidir se recebe ou não as denúncias. O magistrado, porém, pode eventualmente convalidar os atos instrutórios – ou seja, as provas documentais e declarações de testemunhas que já foram levantadas nos processos. Se não ratificar, toda a instrução terá que ser refeita.


4) Qual o risco de as ações prescreverem?
Para Ahmad, o risco existe. Os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro prescrevem em 20 e 16 anos, respectivamente, e alguns dos fatos apontados nas ações referem-se a períodos anteriores a 2012. Porém, como Lula tem mais de 70 anos, esses prazos reduzem pela metade. “Por isso, a possibilidade de ocorrer a prescrição é real. A não ser que os processos aportem na Vara Federal do Distrito Federal em um curto espaço de tempo e a denúncia seja recebida logo em seguida, aí haverá interrupção do prazo prescricional.”

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5) Lula poderá ou não concorrer a presidente no ano que vem?
Como as condenações contra ele foram anuladas na decisão de Fachin, neste momento não há nada que impeça o ex-presidente de concorrer. Para alguém se tornar inelegível pela Lei da Ficha Limpa, é preciso ser condenado por um órgão colegiado. Isso significa que apenas se Lula for condenado novamente em primeira instância e a condenação for confirmada em segunda instância, ele ficará novamente impedido de concorrer, como aconteceu em 2018.


6) Por que a discussão sobre a suspeição de Sérgio Moro ainda está em andamento e quais podem ser as consequências?
Após reconhecer a incompetência da 13a Vara Federal, o ministro Fachin tornou sem objeto os habeas corpus que discutiam a suspeição de Moro. Ainda assim, no dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes colocou o assunto em pauta na Segunda Turma do STF. O placar está em 2 a 2, e o julgamento foi interrompido por um pedido de vista. Conforme Ahmad, se a suspeição for confirmada, até os atos instrutórios das ações poderão ser anulados. “Com a suspeição, provavelmente teria que ser oferecida uma nova denúncia. As consequências seriam ainda mais relevantes”, projeta.


Quem chega mais forte?

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Conforme Paulo Moura, apesar das turbulências do governo, o atual presidente mantém uma base de apoio consistente. Sua força eleitoral, porém, vai depender da situação da economia e da pandemia em 2022. “A depender do cenário, ele terá que se defender mais”, observa. Outro trunfo de Bolsonaro, segundo Rudá Ricci, é a pauta de costumes, que mantém a militância afinada. As falhas na condução do enfrentamento à pandemia e na política econômica e política externa, porém, podem prejudicá-lo.

Lula, por sua vez, também possui uma base de apoio consolidada e poderá contrapor os resultados colhidos em suas administrações aos de Bolsonaro. “Seu ponto fraco envolve, ainda, as acusações de corrupção, que abalaram parte do eleitorado lulista, e o desastre que foi a gestão Dilma Rousseff, principalmente em 2015”, analisou Ricci. Na mesma linha, Moura acredita que a prisão e a imagem associada à corrupção vão pesar contra ele nas urnas.


Reviravoltas do STF causam insegurança jurídica?

A decisão de Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula reacendeu o debate sobre o risco de insegurança jurídica gerada por alterações de posicionamento por parte da Suprema Corte. O caso, porém, não é único: o STF, por exemplo, mudou seu entendimento em mais de uma oportunidade sobre a possibilidade de prisão após condenações em segunda instância.

Decisão de Fachin saiu cinco anos após início das ações, e STF já havia sido provocado a analisar a questão
(Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF)

O assunto divide especialistas ouvidos pela Gazeta do Sul. Para o professor de Direito Penal e Processo Penal, Nidal Ahmad, essas reviravoltas prejudicam a perspectiva de consolidação de posicionamentos. “Quando uma discussão chega ao STF, que é a nossa Corte máxima, o que se espera é uma decisão que consolide um entendimento. Mas o próprio STF vem adotando uma postura que revela uma absoluta insegurança jurídica”, alegou.

Para Ahmad, a anulação das condenações de Lula é um exemplo disso, visto que o STF vinha sendo provocado a analisar a competência da 13ª Vara Federal desde o início das ações, e a decisão só saiu cinco anos depois, com parte da pena já executada. Outro aspecto diz respeito ao julgamento da suspeição de Sérgio Moro: um dia após Fachin declarar perda de objeto, os processos foram colocados em pauta por outro ministro. “Nunca sabemos o que vai acontecer. O principal papel do STF é assegurar que a Constituição seja respeita, mas isso infelizmente não vem sendo cumprido”, alegou.

Segundo o professor de Direito Constitucional e Direito Internacional da Unisc, Edison Botelho, as mudanças de posicionamento no STF estão relacionadas, entre outros, às alterações na composição da Corte e às pressões externas. “Quando há muita instabilidade política, isso repercute na segurança jurídica”, alega.

Para Botelho, porém, essas mudanças não representam necessariamente um risco à ordem republicana. Conforme ele, é natural que a Justiça adote posições diferentes de acordo com a realidade do que está em julgamento. “As decisões são particulares. Podemos ter situações muito similares, com decisões diferentes”, observa.

Já o procurador aposentado do Ministério Público e professor da Unisinos e Estácio de Sá, Lênio Streck, reconhece a instabilidade jurídica mas defende que ela não foi causada pela decisão de Fachin e, sim, pela demora do posicionamento e pelo que considera uma motivação política por trás do julgamento de Luia por Moro. “É escandaloso que a suspeição de Moro cause menos polemica e instabilidade do que uma decisão como a de Fachin. Desde o primeiro dia essa preliminar de incompetência de Moro foi levantada. Mais: Moro diz, na decisão do triplex, que nada disso tinha a ver com a Petrobras. Então, por que foi julgado em Curitiba?”, questionou.

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