A revelação dos novos agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura, na manhã desta quinta-feira, 10, em Estocolmo, na Suécia, parece envolta em enredo ficcional. Primeiro, porque em lugar de um ganhador, tem-se dois: a romancista polonesa Olga Tokarczuk, relativa a 2018, e o romancista austríaco Peter Handke, para 2019.
A entrega da premiação a duas pessoas até não é novidade. Isso já ocorrera por decisão da academia sueca em 1904 (para o espanhol José Echegaray e para o francês Frédéric Mistral), 1917 (os dinamarqueses Henrik Pontoppidan e Karl Adolph Gjellerup), 1966 (a poetisa alemã Nelly Sachs e o ucraniano Shmuel Yosef Agnon) e 1974 (os romancistas suecos Harry Martinson e Eyvind Johnson).
Mas a razão pela qual em 2019 há dois vencedores é que é a surpresa no histórico do prêmio: em 2018, a Academia acabou suspendendo a escolha pois a entidade estava envolvida com um escândalo sexual, diante da suposta má conduta de um de seus jurados, acusado de estupro. Com a não divulgação de vencedor em 2018, houve a decisão de concentrar o anúncio de dois vencedores em 2019, o que hoje foi confirmado.
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Outra circunstância inusitada está no fato de que, uma vez que o Nobel contempla escritores do mundo todo, os dois ganhadores anunciados nasceram e representam países praticamente vizinhos: a Áustria e a Polônia localizam-se muito próximas, tendo apenas a República Tcheca e a Eslováquia por separá-las. E assim o universo da literatura tem sua grandeza representada por um microcosmo ficcional do centro da Europa, nessa fronteira entre as Europas do Ocidente e do Leste.
Grandes escritores
Quanto aos nomes anunciados, ainda que houvesse muitas apostas e suposições de possíveis outros vencedores (com destaque para o queniano Ngugi Wa Thiong’o e a guadalupesa Maryse Conde), de fato são nomes irrefutáveis.
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Deles, Handke já é bastante conhecido e traduzido no Brasil, tendo publicado diversos gêneros de texto, do romance ao teatro e à poesia. Seu romance A repetição, de 1996, talvez seja o mais divulgado no País, aqui lançado pela Rocco em 1988. A editora Estação Liberdade lançou em 2009 o romance A perda da imagem ou através da Sierra de Gredos, que Handke publicara em 2002. E a mesma Estação Liberdade acabou de publicar, em 2019, o romance Don Juan narrado por ele mesmo, publicado de forma original em 2004. E, certamente, a obra de Handke, que compreende praticamente uma centena de títulos, agora passará a receber bastante atenção no mercado editorial brasileiro.
Aos 76 anos (nasceu em 6 de dezembro), ele é uma das grandes vozes da literatura austríaca, país que ostenta ícones como Thomas Bernhard, Joseph Roth, Stefan Zweig, Ingeborg Bachmann, Robert Musil e Elias Canetti, entre tantos outros. Handke é o segundo austríaco a ganhar o Nobel de Literatura; a escritora Elfriede Jelinek havia sido a primeira agraciada, em 2004. Ele também é bastante conhecido no ambiente do cinema, como roteirista de sucesso, em filmes como Asas do Desejo, de Wim Wenders, e O Medo do Goleiro Diante do Pênalti.
No caso da polonesa Olga Tokarczuk, cujo Nobel foi conferido como sendo referente a 2018, ela não é tão conhecida quanto Handke no Brasil, o que era uma lástima e uma lacuna a ser, sem dúvida, preenchida agora, uma vez que já é traduzida para mais de 30 línguas. Aos 57 anos, é uma das fortes vozes de seu país para o mundo, tendo sido premiada em diversas ocasiões, a mais recente delas com o prestigioso Man Booker International Prize em 2018 por seu romance Fligh. A Polônia já contabilizava os prêmios Nobel de Literatura pela obra da poetisa Wislawa Szymborska (1996), do poeta Czeslaw Milosz (1980), do romancista Isaac Bashevis Singer (1978), do romancista Wladyslaw Reymnont (1924) e do romancista Henryk Sienkiewicz (1905).
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No Brasil, apenas um romance de Olga Tokarczuk está disponível, Os vagantes, pela editora Tinta Negra, de 2007. No entanto, a editora Todavia já anunciava para novembro próximo o lançamento do romance Sobre os ossos dos mortos. Esse livro em Portugal chega às livrarias sob o título Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos, pela editora Cavalo de Ferro, justamente na próxima segunda-feira, no calor do anúncio do Nobel para a autora. Tanto Handke quanto Olga agora certamente ingressarão no leque das leituras de interesse dos brasileiros.