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Alasca: a última fronteira americana

Foto: Arquivo Pessoal

Entre os inúmeros tipos de testes veiculares em que estive envolvido durante meus anos na indústria automotiva, dois deles sempre me impressionaram, por se referirem às condições climáticas extremas. Para o calor, o local frequentemente escolhido é o Vale da Morte, no Deserto do Mojave, Califórnia, onde as temperaturas passam dos 50 graus centígrados. O destino para os testes de temperatura negativa, de até 50 graus abaixo de zero, é quase sempre o Alasca. Além do frio exigido para os testes, o isolamento da região minimiza o risco de espionagem industrial. A cada inverno, dezenas de equipes, de várias montadoras, desembarcam na cidade de Fairbanks para as gélidas avaliações.

O Alasca é o maior Estado dos Estados Unidos, cobrindo 20% de todo o território americano, e, assim como o Havaí, não faz parte do território contíguo do país. Até 1867, toda essa região pertencia ao czar em Moscou, e era chamada de Rússia Americana, até ser vendida aos Estados Unidos por 7,7 milhões de dólares. Na época, o império russo estava em dificuldades financeiras e seus maiores rivais, os britânicos, ameaçavam tomar o Alasca pela força, sem compensação alguma. Do lado americano, a manobra era uma forma de cercar o Canadá, então hostil aos yankees por sua estreita ligação com a Grã-Bretanha. Sob o aspecto comercial, havia um interesse na pesca da região; porém, o que ainda não se sabia era que o subsolo e a costa do território guardavam mais de 70 bilhões de barris de petróleo, que desde 1959 já geraram mais de 150 bilhões de dólares, ou mais de 90% do PIB do estado. Hoje, os 85 quilômetros do estreito de Bering separam os territórios continentais das duas maiores potências nucleares, e, se considerarmos as ilhas adjacentes que pertencem aos dois países, a menor distância entre russos e americanos é de meros 6 quilômetros.

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A paisagem da chamada “última fronteira” é única, espetacular, e, apesar do clima gelado, faz a visita valer a pena. São mais de 100 mil glaciares, 3 milhões de lagos naturais, 40 vulcões e 17 das 20 maiores montanhas do país, incluindo o pico mais alto da América do Norte, o Monte McKinley, que recentemente retomou seu nome indígena de Monte Denali. A maior cidade, Anchorage, tem pouco menos de 300 mil habitantes, quase todos envolvidos com a indústria do petróleo ou com o turismo. A capital, Juneau, não é conectada ao resto do estado por rodovias ou ferrovias; para lá chegar, é preciso usar barcos ou aeronaves. 730 mil pessoas moram no Alasca, onde há pelo menos um urso selvagem para cada 20 habitantes. Cerca de 18% da população é formada por povos nativos da região, como os Inuits e os Yupiks. Concentrados no norte do território, são eles os que mais sofrem com os efeitos das alterações climáticas, que, nessas altas latitudes, aumentaram a temperatura média em quase 3 graus nos últimos 50 anos.

Nesse ritmo, vilarejos rurais, construídos há séculos sobre o chamado permafrost (solo congelado há mais de 30 mil anos), transformar-se-ão em pântanos inabitáveis em menos de uma década, segundo o Instituto de Pesquisa do Ártico da Universidade do Alasca. Ademais, para os que acham que o que acontece nos polos não afeta nossas confortáveis latitudes tropicais e temperadas, é preciso lembrar que o derretimento do solo nas regiões polares libera vasta quantidade de metano e gás carbônico, cuja quantidade confinada pelo gelo é maior do que a existente na atmosfera. Isso contribui significativamente para o já acelerado aquecimento global.

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Os povos do Alasca vivem há séculos em harmonia com esse ambiente impiedoso e belo, que nos parece tão excêntrico e hostil, e encontraram formas criativas e eficientes de se sentir em casa. Para entender um pouco desse equilíbrio, volto aos testes automotivos, e deixo aqui um relato da equipe de engenheiros que trabalhava comigo nos anos 90. Estavam 200 milhas ao norte de Fairbanks, já dentro do círculo polar ártico, em meio a uma tempestade de neve e 40 graus negativos, quando todos os carros do grupo ficaram incapazes de prosseguir. Foi necessário pedir socorro, por rádio, ao vilarejo mais próximo. Nativos da região foram buscá-los, em trenós de neve, puxados por cães da raça malamute-do-alasca. Em uma época em que o GPS ainda não era usual, e sem poder enxergar mais do que poucos metros à frente, os colegas, que deslizavam velozmente sobre a neve, perguntaram ao condutor como ele fazia para saber se estavam no caminho certo. A resposta foi imediata: “Não faço a menor ideia, mas os cães jamais erraram”.

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