O escritor austríaco Peter Handke comemora 77 anos no dia 6 de dezembro. Mas o maior presente que poderia almejar já recebeu no dia 10 de outubro: o Nobel de Literatura de 2019, outorgado pela Academia de Artes da Suécia, depois de no ano passado não ter havido atribuição do prêmio – em relação a 2018, na mesma data foi anunciado o Nobel para a polonesa Olga Tokarczuk. Ao mesmo tempo em que reconhece o valor cultural da produção de Handke, a conquista projeta sua obra no mundo, estimulando a leitura. E se no Brasil o nome dele já era conhecido há décadas, com vários títulos publicados (mas muitos fora de catálogo nas editoras) desde os anos de 1980, agora tende a merecer interesse renovado.
O que é especialmente bom para a editora paulista Estação Liberdade, que, por feliz coincidência, havia adquirido recentemente os direitos de publicação de duas de suas obras mais recentes, da série dedicada a supostos “ensaios”: Ensaio sobre o maluco por cogumelos, texto breve, de pouco mais de 90 páginas, e Ensaio sobre a Jukebox, uma novela sobre a autoficção. O primeiro já está traduzido, por Augusto Rodrigues, e inclusive teve trechos divulgados na imprensa, enquanto o segundo tem a tradução finalizada pelo também escritor Luís S. Krausz.
A editora projeta até lançar os dois livros em simultâneo, ou em sequência muito próxima, até o final do ano. E a eles vão se juntar outros livros de Handke dos quais a Estação Liberdade igualmente adquiriu os direitos, numa negociação com a editora Suhrkamp: O medo do goleiro diante do pênalti (levado ao cinema, com roteiro do autor, e tido como um clássico em língua alemã), Breve carta para um longo adeus, Falsos movimentos, Asas do desejo (também adaptado para as telas) e Tarde de um escritor.
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No conjunto, se reunirão a dois livros do autor já lançados anteriormente pela editora: Don Juan (narrado por Ele Mesmo), de 2007, de 144 páginas, em que o célebre conquistador faz uma aparição contemporânea num albergue no interior da França; e A perda da imagem ou Através da Sierra de Gredos, este do primeiro semestre de 2019, no mesmo lote de direitos de obras de Handke adquiridos e que englobam os dois volumes por sair. De momentos anteriores, o leitor brasileiro encontra textos como A mulher canhota e Breve carta para um longo adeus, de 1985, pela Brasiliense; A repetição, seu romance mais conhecido e mencionado no Brasil, de 1988, pela Rocco; e ainda pela mesma editora o romance A ausência, do ano seguinte. A Perspectiva ainda lançou o volume Peter Handke – Peças Faladas, em 2015.
Por esse recorte é possível inferir que, se Handke não era mais influente ou mais lido no País, não necessariamente o era porque não houvesse o que ler, mas talvez sim por um certo desinteresse – que por aqui acompanha tantos dos grandes autores e dos grandes livros da literatura contemporânea. Em outras nações, em particular na Europa, Handke sempre foi respeitado, e inclusive colaborador assíduo em áreas como o cinema, como roteirista. Começa que em quase seis décadas de produção escrita lançou quase uma centena de obras, nos mais diversos gêneros.
O Nobel trouxe em paralelo uma controvérsia ou polêmica em virtude de certas posições políticas ou amizades, como o silêncio em torno do genocídio liderado pelo ex-ditador Slobodan Milosevic em toda a antiga Iugoslávia, e do qual era amigo. Acima desse debate, e polêmicas à parte, pela expressão mundial da obra de Handke ao longo de décadas, e exclusivamente por sua qualidade literária, merece ser lido.
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Trecho do livro Ensaio sobre o maníaco dos cogumelos, publicado originalmente em 2013 e que sairá pela editora Estação Liberdade a princípio ainda até o final de 2019:
“Meu amigo se tornara um maníaco dos cogumelos desde muito cedo, embora num sentido diferente dos tempos futuros ou últimos. Só então, com a idade chegando, surgiu uma história sobre ele como maníaco. As histórias sobre maníacos por cogumelos são normalmente ou mesmo invariavelmente escritas pelos próprios maníacos, que falam de si como ‘caçadores’ ou, em todo caso, como investigadores, coletores ou naturalistas. O fato de não apenas haver uma bibliografia sobre cogumelos, os livros sobre cogumelos, mas uma literatura em que um dos cogumelos narra sua própria existência, parece ter sido o caso somente nos últimos tempos, talvez só depois das duas guerras mundiais do século passado. Na literatura mundial do século 19 os cogumelos não aparecem quase em nenhum livro, e se aparecem é pouco, só de passagem, e sem relação com o devido herói, ficam sozinhos, como nos russos, em Dostoiévski, Tchékhov.”
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