Não há ninguém irrecuperável.” Essa é a premissa que faz com que a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) estruture uma ideia que poderia parecer inusitada em todo o mundo, sobretudo no Brasil. Onde facções criminosas comandam presídios superlotados e 80% dos detentos são reincidentes, parece uma utopia imaginar o País possuindo presídios livres de grades, sem policiais armados, onde os próprios detentos cuidam da segurança e menos de 15% deles voltam a cometer crimes depois de soltos.
A ideia dos presídios humanizados já é uma realidade em mais de 50 cidades brasileiras, e a possibilidade de Santa Cruz do Sul também contar com um deles aumentou nos últimos tempos. Desde o início do ano passado, a construção de uma estrutura desse tipo no município vem sendo projetada pelo engenheiro agrônomo e empreendedor social Antonio Brito Lopes, que é o presidente da Apac em Santa Cruz.
“Quando eu comecei a pesquisar sobre isso, não imaginava que estivesse tão avançada a recuperação de prisioneiros no Brasil. Levei o assunto ao Conselho de Segurança da Comarca de Santa Cruz do Sul, que também se interessou pelo fato”, afirmou Lopes. Após realizar no último ano mais de 50 palestras na região explicando como funciona o chamado método apaqueano, Antonio Brito Lopes foca no projeto de construção do local.
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Uma área de um hectare, localizada na Avenida David Severo Mânica, Bairro Santa Vitória, já foi doada pela Prefeitura de Santa Cruz do Sul para construção da obra. “Esse ponto fica adequado a uma das regras dos presídios da Apac, que é ter linha de ônibus municipal passando na via”, afirmou o engenheiro.
Até o final de outubro próximo, deve ser concluída a demarcação do local pelo Departamento de Topografia da administração municipal. A escrituração da obra será finalizada na sequência. Um estudo da empresa Geothec vai definir a constituição geológica do terreno para construção de um prédio de dois andares.
Os exemplos vindos dos estados de Minas Gerais e São Paulo, onde prisões desse tipo já foram implementadas, animam Antonio Lopes. “O trabalho com os presos visa diminuir as tensões, tirando as pessoas boas que às vezes estão a serviço do crime dentro do presídio, para trabalhar e lhes dar esperança”, complementou.
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Profissionalização para inserção no mercado
Ao todo, o projeto custará entre R$ 1,5 milhão e 2 milhões e contará com 80 celas – 40 para o regime fechado e 40 para o regime semiaberto. A capacidade será de 80 detentos. Um dos fundamentos das instituições carcerárias da Apac é a profissionalização dos presos, visando a inserção deles no mercado de trabalho. Para isso, o local em Santa Cruz do Sul contará com Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Núcleo Municipal de Educação de Jovens e Adultos (Cemeja), além de oficinas de computação e padaria.
“São atividades que darão uma possibilidade de emprego a eles neste século 21, reinserindo-os na sociedade e família”, comentou o presidente da Apac, Antonio Brito Lopes. Os materiais para o alicerce da obra deverão ser solicitados em uma reunião com a Associação dos Municípios do Vale do Rio Pardo (Amvarp). Um encontro chegou a ser agendado no início de abril, no entanto, com a pandemia do novo coronavírus, foi cancelado e agora será remarcado.
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“Queremos apresentar o projeto aos prefeitos dos municípios da comarca de Santa Cruz do Sul, para que nos auxiliem com material e doações. Estamos muito entusiasmados com o trabalho, que é para salvação e resgate de pessoas”, ressaltou Lopes. Uma placa de reconhecimento aos apoiadores deverá ser erguida no terreno. “Apesar de a pandemia ter atrasado um pouco nosso cronograma, espero que até o final de 2021, quando entrego meu mandato como presidente da Apac, possa entregar também essa obra”, finalizou.
TIRE SUAS DÚVIDAS
O que é a Apac? A Associação de Proteção e Assistência a Condenados (Apac) é uma penitenciária alternativa, que tem como objetivo proporcionar um ambiente carcerário humanizado, sem deixar de lado a finalidade punitiva da pena. Além de evitar a reincidência no crime, o método proporciona condições para que o condenado se recupere e consiga a reintegração social. Quando instalada em um município, a Apac não substitui o presídio convencional, mas passa a abrigar detentos selecionados. Em vários municípios, as rebeliões diminuíram nas penitenciárias formais após a chegada de uma Apac, pois os presos passaram a se comportar melhor para ganhar transferência.
Quando surgiram esses presídios? Embora não se ouça falar muito sobre as Apacs, a primeira unidade surgiu em 1972, em São José dos Campos, São Paulo. Foi idealizada pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni e um grupo de amigos e voluntários cristãos. Hoje existem 120 Apacs no Brasil e em 23 países, como Chile e Costa Rica.
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Quem administra? As Apacs são administradas por grupos civis e integram o sistema prisional público através de um convênio administrativo, que custa um terço do que o Estado paga por um detento comum: são R$ 950 por preso contra R$ 3 mil no sistema formal. Em unidades mais antigas, os próprios presos, depois de reintegrados, passaram a se responsabilizar pela segurança.
Como é a estrutura? O método defende um modelo de prisão sem policiais ou agentes penitenciários armados, com celas abertas, camas individuais e comida digna. O número de ocupantes não passa de 200, e a limpeza e a manutenção são feitas pelos detentos.
Todo preso pode cumprir pena numa Apac? Não. Nem todos podem ser transferidos para um centro Apac. O detento pede a transferência, e o juiz estuda caso a caso para decidir. A condenação deve ser definitiva, e a família deve morar na mesma região do centro solicitado.
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Como é a rotina dos detentos? Para cumprir pena na Apac, é preciso concordar em seguir uma série de normas rígidas. Lá dentro, os presos são chamados de “recuperandos” e podem concluir os estudos, trabalhar e desenvolver atividades. Além de um forte trabalho em cima da espiritualidade, também há a integração de familiares na rotina.
E funciona? Os índices de recuperação sugerem que sim. A taxa de reincidência dos presos que passam pelo sistema comum é de 85%, contra 15% no caso da Apac. Além disso, diversos problemas físicos e psicológicos diminuem entre os detentos. Sentimentos como angústia, depressão, desejo de vingança, revolta, abandono e culpa caem de uma média de 76% para apenas 11% nas Apacs.
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