Centro-Serra

96 anos de Sobradinho e de ‘seu Pacífico’: duas histórias que se interligam pelo tempo

Foi em 3 de dezembro de 1927, por meio de Decreto assinado pelo governador Borges de Medeiros, que o então 4º Distrito de Soledade deu origem ao município de Jacuhy. Somente dez anos depois, o Município passou a ser denominado Sobradinho, nome que possuía quando distrito de Soledade.

Primeira capela, onde hoje é o Centro de Sobradinho (1926) | Foto: Acervo do Museu Histórico Municipal
Centro de Sobradinho no ano de 1939 | Foto: Acervo do Museu Histórico Municipal

De lá para cá, 96 anos se passaram. Outros tantos anos mais somados por aqueles que já habitavam as redondezas, depois desbravadores e colonizadores, que deixaram suas marcas sobre esta terra. Hoje, os mais de 14,2 mil habitantes escrevem neste lugar, que já foi lar para muitos outros, novas histórias, todas elas interligadas de alguma forma.

Centro de Sobradinho decorado para o Natal das Estrelas 2023
Rua Coberta junto à Praça 3 de Dezembro
Monumento do Cristo Acolhedor com 24 metros de altura

Por falar em histórias, na localidade de Rincão do Segredo, interior de Sobradinho, reside Pacífico Conceição Gomes de Oliveira. Nascido em 1927, no próximo 8 de dezembro completa 96 anos de vida. Veio ao mundo, na casa de seus pais, dias depois da data que marca a emancipação político-administrativa da terra em que nasceu. Junto com Sobradinho, Pacífico cresceu, criou raízes, enfrentou desafios e hoje recorda das transformações ocorridas com o tempo.

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Ao longo das décadas, Pacífico acompanhou o desenvolvimento do município e da região. Recorda-se das matas fechadas e das poucas estradas, todas elas de chão batido, assim como eram também algumas casas. Filho de Avelino Gomes de Oliveira e Damásia Gardina Gomes de Oliveira, dividia seus dias também com os sete irmãos.

De origem no interior, teve na agricultura seu sustento e da família, produzindo principalmente feijão, milho, mandioca, batata e outros cultivos para subsistência. “Meu avô Ananias tinha uma sesmaria de terra. Meus pais trabalhavam na roça. A minha mãe era muito forte, fazia o serviço de mulher e homem, enfrentava tudo. Tirava leite de 20 vacas, produzia queijos. Quando estavam prontos, colocavam em uma carroça e saiam vender lá em Cachoeira, onde meu avô morava. Ela morreu quando eu tinha 7 anos de idade. Meu pai então criou eu e meus irmãos sozinho”, detalha.

Pacífico guarda com carinho os retratos da mãe e do pai

Conhecido também por Gravi, alcunha pela qual a família é lembrada há algumas gerações, Pacífico lembra de passagens da infância para adolescência, quando por volta dos 12 anos, junto de um dos irmãos e amigos ia até um engenho, onde hoje fica a Serrinha Velha. “Era um engenho muito grande. A gente se criou ajudando na lavoura, também laçando, montando e domando cavalos. Além de agricultor, também trabalhava de briqueiro de carroça, carregando tábuas do engenho, fazia muitas viagens pelas costas do Rio Pardo”, recorda, lembrando que sem maquinários à época, durante um período ajudou a abrir picadas.

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Questionado sobre a longevidade, salienta que não tem segredos, mas sempre se alimenta bem, o que vem desde a infância. “Meu pai carneava a criação e fazíamos charque. Ele tinha costume de um café mais reforçado, com feijão com toucinho e também queijo. Naquela época não tinha energia elétrica, era a base de lampião. A carne, quando era guardada frita, colocava-se na lata. Perto da natureza, também sempre rodeados por arvoredo e muitas frutas, os rios eram mais cheios e tinha muitos bichos”, recorda.

Pacífico lembra que chegou a frequentar a escola, que ficava próxima de onde residiam, “aprendendo para se defender, como se diz”. Ademais, o conhecimento foi sendo adquirido no dia a dia, com muito trabalho e superando dificuldades. “A vida não foi fácil. Perdi minha mãe quando eu era muito pequeno. Trabalhando na roça, de peão, sempre trabalhando. Passei trabalho, mas graças a Deus criei meus filhos junto com minha esposa. Atravessei muita fase boa e ruim. Meu pai dizia pra mim ter uma melhora na vida e Deus abençoou que deu certo, aos poucos foi melhorando”.

Para ir de um ponto a outro, os meios de locomoção eram o lombo do cavalo ou a carroça, e com ela, ou de charrete, fazia viagens até Candelária, quando ainda a estrada antiga. Para ir mais longe, Pacífico recorda-se que, anos mais tarde, passou a utilizar o ônibus, ainda com carrocerias feitas de madeira, tendo normalmente como destino Cachoeira do Sul.

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Lembra de Sobradinho quando ainda residiam poucas famílias, e o centro, bom, ainda não era centro. Para comprar o que não se tinha em casa frequentava-se os armazéns. “Não era nem cidade. Onde hoje fica a rodoviária era um banhado. Havia criação de gado e plantação. As casas e os comércios começaram a aparecer aos poucos e fruto do trabalho de todos que aqui iam chegando. Era uma colônia”, lembra.

Conforme Pacífico, com o passar dos anos Sobradinho foi se destacando, principalmente pela produção agrícola. “Sobradinho foi crescendo”, e ele foi acompanhando o desenvolvimento, a chegada da energia elétrica no interior, o rádio, a televisão, as ruas pavimentadas, a movimentação no comércio e tantos outros avanços. “Hoje se tem acesso mais fácil, tem hospital, mais fácil ir ao médicos. Tem tudo”, ressalta.

Por volta dos 18 anos de idade conheceu Luiza Martinos de Oliveira, com quem se casou. Da união nasceram sete filhos, dos quais alguns seguem no trabalho na agricultura, próximo de sua residência no Rincão. Hoje já são 15 netos e 12 bisnetos, e o primeiro trineto já está a caminho.

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Segundo ele, ao longo da vida conheceu muitas pessoas, de toda a região, muitos de quando os municípios ainda não eram emancipados de Sobradinho. Cultivou muitas amizades, sem ter nenhum inimigo. Infelizmente, muitos destes amigos já partiram.

Homem de fé, assiste às missas todo dia pela televisão, acompanhando avanços da tecnologia. Hoje ainda, mesmo no alto de seus quase 96 anos, Pacífico realiza atividades da rotina em casa, como preparar sua comida, cortar lenha, capinar e até pegar condução para ir à cidade. “Eu levanto da cama às 6 horas. Se dá, vou fazer alguma coisa. Não consigo ficar parado. Me sinto feliz  de chegar nessa idade. Contar histórias para os netos, bisnetos”, ressalta.

Quanto seu desejo ao futuro: “Meu prazer na vida é que tudo o que exista neste município tenha sucesso e seja feliz”.

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“Quem bebe a água do Arroio Carijinho sempre volta a Sobradinho”

Como Pacífico, a cada sobradinhense que nasce, uma nova história de vida passa a ser escrita, ligando-se para sempre a esta terra, pelo fio de espaço e tempo que os une.

Sobradinho do Centro Serra será para sempre o município-mãe, a história que guarda sob seu solo, o contraste das edificações, o vai e vem de quem o visita, o abraço de quem o escolhe para chamar de lar.

Terra de encantos, retratada em livros e poesias, também está nas canções, como a que Adelar Rosa a dedicou em sua composição ‘Este é meu Sobradinho’: “De um pequeno sobrado, nasceu Sobradinho. Tomei teus caminhos, meu pago guri. Majestosa querência, no topo da serra, que bom minha terra, cantar para ti. Tão cheia de encanto, teu povo é feliz. Essência e raiz, do interior. Teu ar e teu cheiro, coração se abrindo, e gente tão linda, encantos da flor”.

E para quem distante de casa está, os versos seguem: “Meu Brasil, meu Rio Grande, distante na estrada, a minha saudade fica em Sobradinho. Chimarrão, erva boa, beijos de menina, e águas cristalinas do teu Carijinho”. E por falar nele, quem bebe a água do Arroio Carijinho sempre volta a Sobradinho. “Gente hospitaleira, há quem vem de longe, naco do Rio Grande em progresso formal. Em teus horizontes reforço esse apego, berço e aconchego, meu mundo afinal”.

Território e população de Sobradinho

Quando Sobradinho emancipou-se de Soledade, em 3 de dezembro de 1927, de acordo com o livro “Sobradinho construindo sua história” (de Lizandro de Lima Rocha, Rosemari Heringer e Sara Wachholz, 2015), a extensão territorial era de 1.545km² (IBGE), com uma vasta área rural. Com as emancipações dos distritos, Sobradinho teve redução territorial e possui hoje 128,823km² (IBGE/2022).

Ainda do livro histórico, consta que, segundo Jean Roche, “Sobradinho, fundado em 1901, tinha 4.000 habitantes em 1914. Esse núcleo deu origem a um município autônomo e próspero que, em 1950, contava com 32.000 habitantes”.

Em uma pesquisa do sobradinhense Bernardo Rizzi, que teve atuações no setor de planejamento em municípios da região e tem catalogados os resultados do Censo Demográfico divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1940 e 2022, Sobradinho, em 1940, possuía uma população de 28.622 habitantes, dos quais 1.282 pessoas residiam na Zona Urbana, representando 4,48% do total, enquanto 27.340 pessoas, ou seja 95,52%, se concentravam na zona rural. A faixa etária de zero a 19 anos tinha a maior expressividade, com 17.131 pessoas, representando 59,85% do total daquele período. A população acima dos 60 anos era de 832 pessoas, ou seja, 2,91%. O Censo de 1940, segundo Rizzi, foi o primeiro feito com Sobradinho sendo município.

Passados os anos, emancipados os distritos de Arroio do Tigre, Ibarama, Segredo, Lagoa Bonita do Sul e Passa Sete, de acordo com o Censo de 2022 (IBGE), Sobradinho tem uma população estimada em 14.226 habitantes. Ainda não foi divulgado pelo IBGE o percentual da população entre campo e cidade na pesquisa de 2022, contudo, pelo Censo Demográfico anterior, de 2010, mais de 79% da população estava concentrada na zona urbana.

Cidade vista do local onde foi construído o monumento do Cristo Acolhedor

Dos 14.226 habitantes, conforme destaca Bernardo Rizzi, a população até os 19 anos de idade soma 3.288 pessoas, ou seja, 23,11% do total. Já a população acima dos 60 anos soma 2.913 pessoas, 20,48%. “Pelas projeções, acreditamos que a população acima dos 60 anos vivendo em Sobradinho, em 2030, pelo aumento da expectativa de vida, poderá chegar a entre 27% e 29% da população. Se levarmos em consideração a diminuição da taxa de fecundidade, nos níveis que vem ocorrendo, acreditamos que este número poderá chegar entre 30 e 32%, o que levaria a ter entre 4.000 a 4.100 pessoas acima dos 60 anos. Enquanto isso, a projeção para a faixa etária de zero a 19 anos, para 2030, é ter entre 2.750 e 2.800 pessoas, ou seja, uma queda. Em decorrência disso, a projeção é que a pirâmide etária se inverta, sendo as pessoas acima dos 60 anos mais numerosas do que as até 19 anos de idade, pela primeira vez no registro da história do município de Sobradinho”.

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Nathana Redin

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