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200 anos de imigração: alemães ajudaram a construir São Paulo

A maior cidade formada por alemães fora da Alemanha fica no Brasil. É São Paulo. Seria inclusive uma das maiores dentro da própria Alemanha, e, além de tudo, uma das mais industrializadas. No contexto no qual o País celebra 200 anos de imigração, cerca de 400 mil alemães ou descendentes estão radicados na capital paulista.

E não só ali. Em várias regiões do Estado, as marcas da colonização germânica seguem visíveis e com forte relevância na socioeconomia. É o que enfatiza para a Gazeta do Sul a historiadora Silvia Cristina Lambert Siriani, autora do livro Uma São Paulo alemã. Lançada em 2003, a obra, sua dissertação de mestrado, contextualiza a presença de imigrantes e seus descendentes na capital e no interior.

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Nem três anos haviam se passado desde o momento em que os pioneiros chegaram ao Rio Grande do Sul quando colonização promovida pelo Império também começou em São Paulo, em 1827.
Nos anos seguintes, milhares de alemães se dirigiram para lá.

Contribuição germânica foi relevante em muitas áreas

A contribuição de italianos e de japoneses, em especial, costuma ser muito exaltada no contexto social do Estado de São Paulo. Mas inúmeros estudos nos últimos anos deixam claro que os alemães em nada ficaram para trás. Muito pelo contrário. Eles estiveram entre os pioneiros no desenvolvimento paulista, na capital e no interior, e inclusive chegaram bem antes, como ocorreu em outras regiões nacionais.

Pouco mais de dois anos após a chegada de germânicos à atual São Leopoldo, em 1824, as primeiras famílias alemãs igualmente se fixaram em território paulista, a partir de colonização promovida pelo império. Estes se radicaram no distrito de Itapecirica, que pertencia a Santo Amaro, ao Sul da atual região metropolitana, área conhecida como Planalto Paulistano. A capital, na época, tinha cerca de 17 mil habitantes. Ainda hoje essa região é referência na presença de famílias de descendentes alemães, caso da localidade de Parelheiros, no Bairro da Colônia, com marcas que se estendem até Campinas.

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Quem se ocupou de resgatar essa contribuição germânica é a professora e historiadora Silvia Cristina Lambert Siriani, ainda que ela própria não descenda de alemães (o sobrenome Lambert é de origem francesa, como salienta). Formada em História pela USP, em 1993, ela colaborava com uma professora no levantamento de inventários e testamentos de alemães que residiram no Bairro da Liberdade. “Aquilo me inquietou. Esse bairro é conhecido por reunir, atualmente, japoneses. O que alemães teriam feito ali?”, frisa.

Então ela descobriu que imigrantes germânicos moraram ali muito antes de japoneses. Após o início da colonização, em 1827, muitas levas se fixaram posteriormente. Sua dissertação de mestrado, defendida em 2002, resultou no livro Uma São Paulo alemã: vida quotidiana dos imigrantes germânicos da região da capital, 1827-1889, lançado pela editora da Imprensa Oficial do Estado, no ano seguinte. Seu levantamento abrangeu até 1889 pois foi o ano da proclamação da República, com a qual a própria legislação associada à imigração mudou de forma significativa.

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Silvia refere que o auge da chegada de alemães deu-se no início da década de 1860. “Na época, São Paulo tinha 3 mil alemães num total de 30 mil habitantes. Ou seja, 10% de toda a sua população!”, cita.

Colônia Fest promove resgate cultural em Parelheiros

Três dias de muita animação, entre a sexta-feira, 5, e o domingo, 7 de julho, vão colocar a cultura alemã no centro das atenções na zona sul da cidade de São Paulo. Em Parelheiros, núcleo do Bairro da Colônia, no qual se fixaram os primeiros imigrantes alemães em 29 de junho de 1829, área então conhecida por Santo Amaro, ocorrerá a 17ª Colônia Fest, com muitas atrações artísticas e culturais.

Lucas Lima: três dias de festejo alemão

Foi a forma que a comunidade encontrou, na virada dos anos 2000, para promover o resgate de uma importante contribuição social, a dos alemães, como enfatiza um dos idealizadores, Lucas Lima, em entrevista por telefone para a Gazeta do Sul.

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Aos 35 anos, graduado em Gestão Ambiental, ele não é descendente direto de germânicos, mas se determinou a criar, ao lado de amigos, esse evento para salientar as tradições dos pioneiros. Essa região situa-se a cerca de 30 quilômetros de Congonhas, tendo como parâmetro de acesso o aeroporto.

Ele ressalta que a criação da festa, em 2006, estimulou os descendentes, em especial as novas gerações, a valorizarem os costumes de seus antepassados, seja na culinária ou no consumo de cerveja e chope, seja na música típica ou em outras artes. “Depois disso surgiu até mesmo um grupo de danças”, comenta.

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Esse esforço é de tal forma significativo que envolve a produção primária na região. Muitos alemães são ainda hoje agricultores, convencionais ou orgânicos. No domingo, 7, por exemplo, ocorrerá um desfile de tratores.

Cada dia costuma atrair cerca de 15 a 16 mil visitantes, que passam a ter contato mais próximo com a cultura alemã. “Muitos vão usando seus trajes típicos. Foi a forma de revitalizar essas tradições.”

Bicentenário motiva renovado interesse

As atividades e as celebrações em torno dos 200 anos de imigração alemã no Brasil animaram a agenda também na capital paulista. É o que ressalta a historiadora Silvia Cristina Lambert Siriani. Ela menciona em especial um evento realizado no dia 1º de junho, no chamado Museu da Imigração (MI), vinculado à Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, em parceria com o Consulado-Geral da Alemanha em São Paulo. Alusivo ao bicentenário, o encontro propôs momentos de reflexão a fim de salientar as marcas germânicas em território paulista.

Silvia Siriani: obra referencial

Silvia comemora, de certo modo, a efervescência em torno do tema, que inclusive colocou novamente na ordem do dia as suas pesquisas, realizadas no início do século 21. Mais de duas décadas depois que ela lançara o livro Uma São Paulo alemã, decorrente de sua dissertação de mestrado, tem sido convidada para entrevistas em veículos de comunicação, entre elas emissoras de televisão, e também para palestras. Assim, pode novamente divulgar de forma mais ampla suas descobertas e conclusões em torno da importância, para ela indiscutível, das contribuições alemãs para o desenvolvimento de São Paulo.

A historiadora afirma, por exemplo, que por volta da década de 1860 a capital paulista praticamente não tinha uma única rua de comércio da área central na qual não houvesse um estabelecimento alemão. “Eles estavam presentes em tudo”, frisa.

Em seu entender, as razões para o “apagamento” dessas fortes marcas germânicas podem estar nas duas guerras mundiais, em especial a segunda. Nesses tempos, como ocorreu no País todo, imigrantes alemães e seus descendentes foram perseguidos. Com isso, assustadas, muitas famílias acabaram optando por um modo de vida mais discreto.

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Mas isso, em seu entender, em nada ofusca o inegável e impressionante legado social, educacional, cultural e econômico (na indústria, no comércio e nos serviços) dos alemães para uma das maiores metrópoles mundiais.

“O legado advindo dos alemães no Estado é imenso”

Entrevista: Silvia Cristina Lambert Siriani – Professora e historiadora

  • Na avaliação da senhora, como a sociedade em São Paulo hoje tem mais percepção da contribuição alemã no Estado?

Não posso avaliar se, de fato, há uma maior percepção dessa presença por parte do cidadão paulistano padrão. Como um grupo quantitativamente menor de imigrantes, que se diluiu na paisagem urbana, a exemplo da cidade de São Paulo, é mais difícil para a população leiga perceber tanto a presença quanto a colaboração. Digo isso como estudiosa do tema, pois muitas pessoas se espantam quando menciono os alemães como os pioneiros da imigração para a região. O mais comum é pensarem nos italianos (numericamente muito superiores), nos japoneses e em outros grupos que criaram bairros étnicos próximos ao centro, portanto mais visíveis e identificáveis na materialidade urbana.

No caso dos alemães, hoje talvez essa percepção se dê com mais clareza na zona sul da capital, em bairros como Brooklin, Chácara Santo Antônio, Chácara Flora, Alto da Boa Vista e Parelheiros, que são oriundos da presença original dos núcleos de colonização do século 19. Os imigrantes que chegaram no século 20 tenderam a se estabelecer nessas áreas, onde havia maior identidade étnica, o que acarretou, gradualmente, a instalação de empresas e multinacionais na região. Estima-se que haja em torno de 1.200 empresas alemãs instaladas no País, e majoritariamente se concentram na região metropolitana de São Paulo, o que torna a capital a maior cidade industrial alemã fora da Alemanha. Além disso, a presença de escolas bilíngues nessa mesma região, como os Colégios Visconde de Porto Seguro e Humboldt, é significativa da maior concentração de alemães e descendentes nessa área da cidade.

  • O que mais diretamente motivou a curiosidade da senhora em estudar sobre o tema da imigração alemã no Estado?

Em 1995, já egressa da Universidade de São Paulo, iniciei um trabalho de pesquisa, como bolsista de aperfeiçoamento pelo CNPq, num projeto sobre os processos de urbanização da capital paulista, sob a orientação da professora Maria Odila Leite da Silva Dias.

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Durante as pesquisas, me deparei com a presença de muitos imigrantes alemães na cidade, no século 19. Nunca havia ouvido falar de sua existência por aqui, pois havia sido pouquíssimo estudada.
Diante das muitas evidências documentais de sua presença e contribuição para o desenvolvimento urbano e econômico da cidade, decidi me debruçar sobre o tema em meu mestrado, e dar voz a esses pioneiros da imigração para São Paulo, como elementos qualitativamente fundamentais para as transformações pelas quais a cidade passou até se tornar a aclamada “Metrópole do Café”, já em finais do século.

  • A presença de alemães, imigrantes ou descendentes, segue muito forte mesmo agora, em plena terceira década do século 21?

Como mencionado acima, com a grande concentração de empresas multinacionais alemãs em São Paulo, muitos funcionários, vindos dos escritórios das matrizes, estabeleceram-se na cidade nas últimas décadas, concentrando-se na zona sul.

Estima-se que vivam na capital em torno de 400 mil imigrantes, ou descendentes de alemães, que aqui residem, seja em caráter definitivo, ou sazonal, o que é um número significativo de pessoas. Representam quase 3,5% da população, portanto não é possível ignorá-los. A presença alemã se faz visível ao olhar mais atento, e traz grandes contribuições para a produção e a reprodução de capitais na região.

  • Na cultura, o que citaria como mais expressivo vindo de alemães?

Para além da incontestável contribuição econômica para São Paulo, com o aquecimento do comércio, e do pioneirismo no setor industrial, há um legado arquitetônico e infraestrutural para a cidade, aos quais ainda somos tributários, e nem nos damos conta. A presença da Catedral da Sé, a retificação, o aterramento e a canalização das várzeas do Rio Tamanduateí, o traçado urbano de bairros como Campos Elíseos e Higienópolis, entre outras obras, foram contribuições de arquitetos, engenheiros e empreendedores alemães a partir da segunda metade do século 19. Sem mencionar a introdução de novas técnicas e gêneros agrícolas, como o cultivo da batatinha, de legumes e hortaliças, a criação de porcos, a produção de defumados e embutidos e o consumo de laticínios, que não faziam parte da dieta local, e hoje estão completamente absorvidos e presentes em nossas mesas; além da introdução da produção e do consumo de vinho e cerveja, esta quase uma preferência nacional.

  • As comemorações dos 200 anos de imigração alemã motivam programação mais ampla ou específica em São Paulo?

No sábado, 1º de junho, ocorreu uma grande festa no Museu da Imigração para a comemoração dos 200 anos da imigração alemã para o Brasil. Houve palestras, workshops, comidas típicas, música e dança, divulgação de instituições culturais e de intercâmbio, além de exposição organizada pelo excelente professor Martin Dreher e pelo escritor Erny Mügge, em parceria com o Instituto Martius-Staden, que ainda está aberta ao público no Museu.

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No início de julho, entre os dias 5 e 7, no Bairro da Colônia, em Parelheiros, onde foram estabelecidos os primeiros imigrantes alemães em 1829, haverá grande festa organizada pelo Instituto Sociocultural Colônia Alemã, instituição fundamental para o resgate e a preservação da memória local. Além disso, ao longo do segundo semestre, comemorações e festas ocorrerão no interior, nas cidades de Campinas e Rio Claro, além da Brooklinfest, que acontece todos os anos em outubro, aqui na capital, e neste ano dará atenção privilegiada às celebrações dos 200 anos da presença alemã no Brasil.

  • Que regiões paulistas mais se identificam com a imigração alemã?

Cidades como Campinas, Limeira, Rio Claro e Ribeirão Preto sentem mais a presença alemã, pois, ali, núcleos coloniais cresceram e prosperaram na esteira do desenvolvimento da cafeicultura, a partir da segunda metade do século 19. Muitos desses colonos, ao deixar as fazendas e os núcleos, se estabeleceram com comércio e prestação de serviços nas cidades, ajudando a aquecer a economia local. Alguns, com capitais para maiores investimentos, destacaram-se nessas regiões.

É o caso de Antônio Diederichsen, que adquiriu o espólio de uma fundição de ferragens em Ribeirão Preto, e se tornou um grande industrial, construtor e empreendedor na cidade. Ou de Francisco Schmidt (cujos pais foram colonos na célebre Fazenda Ibicaba), que, tendo iniciado a vida profissional como proprietário de armazém de secos e molhados no município de Descalvado, foi contratado como corretor de café, em 1879, para a firma Theodor Wille & Co, uma das grandes casas comissárias de café do país no período. Depois ele revolucionou esse setor. Ainda assim, a capital paulista, pela grande oferta de vagas de trabalho e possibilidades de empreender, foi a região que mais concentrou imigrantes, fundamentais para seu processo urbanizador.

  • Há muitas entidades que congregam imigrantes e descendentes?

A cidade de São Paulo acolhe inúmeras instituições vinculadas à comunidade alemã, e responsáveis pela manutenção de suas tradições e traços identitários, além de contribuir para a sociedade . Algumas das mais tradicionais precisaram alterar seus nomes durante o Estado Novo, a partir da legislação do governo Vargas, que proibiu manifestações de nacionalismo dos grupos imigrantes vinculados ao Eixo.

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Assim, o Esporte Club Germânia passou a se chamar Esporte Clube Pinheiros, a Deutsche Schule de São Paulo tornou-se Colégio Visconde de Porto Seguro (num mecanismo de burlar a determinação governamental, uma vez que o Visconde, Francisco Adolpho de Varnhagen, era filho de alemães, o que manteve o caráter étnico da instituição), a Deutsche Schule da Vila Mariana, o Colégio Benjamin Constant e o Hospital Alemão de São Paulo, o Hospital Osvaldo Cruz.

Outras ainda existentes mantiveram seus nomes originais, como o Colégio Imperatriz Leopoldina, a Sociedade Filarmônica Lyra e o Clube Transatlântico. A cidade ainda conta com outras escolas alemãs, como o Colégio Humboldt, além de instituições de pesquisa e ensino do idioma, como o Instituto Martius-Staden e o Instituto Goethe, fundamentais para a manutenção do idioma e dos traços culturais. Além disso, há dezenas de restaurantes e choperias alemães na cidade, com grande afluência de público, e responsáveis por difundir a culinária alemã, numa cidade tão multifacetada como São Paulo.

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Romar Behling

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