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200 anos de imigração alemã: quando o Musterreiter percorria as colônias

Um dos personagens mais ansiosamente aguardados (e sempre acolhido com entusiasmo) em todas as colônias alemãs era o Musterreiter. Ou, em bom português, o caixeiro-viajante. Tratava-se do “vendedor ambulante”, que circulava em lombo de asno ou, mais tarde, de cavalo, como representante de lojas de cidades maiores. Era ele quem levava, para as localidades afastadas, as novidades, e isso em todos os sentidos: tanto de itens para o lar quanto de notícias.

O Musterreiter era de tal forma popular e firmado na cultura das áreas de colonização (alemã e italiana) que se tornou tema na arte. Quem o homenageou, por exemplo, foi o artista plástico, arquiteto e decorador alemão, naturalizado brasileiro, Joseph Lutzenberger. Para quem fez a associação, é o pai do também famoso ambientalista José Lutzenberger. Em série de cartões, Joseph registrou um caixeiro-viajante em diferentes situações em suas andanças. As peças estão em exposição no Museu
do Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul.

As novidades vinham com o caixeiro-viajante

vai longe o tempo do Musterreiter. Mas não se apaga, de forma alguma, a memória dele em praticamente todas as áreas de colonização europeia (alemã e, claro, também italiana, mas então sob outra denominação, de commesso viaggiatore) do Rio Grande do Sul. O termo popularizou-se de tal maneira, e o personagem se firmou na memória de gerações, que ele é um dos elementos mais recorrentes em todos os registros culturais ou artísticos, permeando contos e causos em famílias e entidades.

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O Musterreiter (no caso, o caixeiro-viajante, ou vendedor ambulante) percorria centenas e centenas de quilômetros por vales e montanhas até as mais distantes e isoladas comunidades rurais, formadas a partir da colonização. Ali, chegava como representante de lojas, indústrias ou marcas de cidades maiores, ou mesmo da capital, Porto Alegre, e apresentava seu mostruário, que permitia aos colonos se atualizarem em relação a lançamentos (vestuário, itens do lar, equipamentos etc.). Por viajar muito e estar sempre em contato com pessoas de diferentes regiões, era também quem trazia notícias. E, por isso, era acolhido com presteza e alegria.

Como personagem onipresente e até folclórico nas áreas de imigração, o Musterreiter firmou-se no imaginário de gerações e ganhou espaço privilegiado na cultura, em especial na música, no teatro e nas artes visuais. Foi uma dessas contribuições que chegou, no início do ano passado, ao Museu do Colégio Mauá, enviada a partir da Alemanha por um neto do pastor Armin Eugen Eberhardt, que atuou na região de Santa Cruz entre 1937 e 1954, quando retornou à Europa.

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Eberhardt levara consigo uma série de cartões desenhados pelo artista plástico e arquiteto alemão Joseph Franz Seraph Lutzenberger (1882-1951), que se radicara em Porto Alegre, onde faleceu. Nessas gravuras, o Musterreiter é o personagem homenageado. Essas peças hoje estão em exposição no Museu do Mauá.

Um conjunto de cartões que proporciona tripla lembrança

A contribuição dos Lutzenberger para o desenvolvimento econômico e social, para a gestão ambiental e as artes e a cultura no Rio Grande do Sul e no Brasil é incontestável. Tudo começou com a decisão do alemão Joseph Franz Seraph Lutzenberger de emigrar para o Brasil, em 1920.

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Joseph Lutzenberger, artista plástico

Nascido em Altötting, na Baviera, em 13 de janeiro de 1882, ele trouxe consigo sólidos conhecimentos como artista plástico, decorador e arquiteto. Fixando-se em Porto Alegre, seguiu carreira como professor e expressou as suas várias aptidões, projetando, por exemplo, o prédio do Palácio do Comércio, na Avenida Mauá.

Em 17 de dezembro de 1926 nascia seu filho José Antonio Lutzenberger, que se tornaria um ambientalista renomado em âmbito mundial, falecido em 14 de maio de 2002. Mas o Lutzenberger pai, em meio a inúmeros trabalhos referenciais nas artes visuais e na arquitetura, também deixou muitas telas ou gravuras nas quais documenta situações e circunstâncias do cotidiano das colônias alemãs por todo o Rio Grande do Sul, bem como na capital do Estado. Nas décadas de 1940 e de 1950, entre tantos projetos, desenvolveu uma série de cartões que tematizam personagens ou ambientes. Uma delas é a que apresenta um Musterreiter em diferentes contextos, típicos das experiências que vivia ao percorrer, em lombo de burro (Esel) ou de mula (Mule), as linhas, picadas ou colônias.

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Essas séries de postais viraram itens de colecionador. Um conjunto de 12 cartões fora adquirido e levado junto para a Alemanha pelo pastor Armin Eugen Eberhardt. Após a morte deste, foi enviado ao Museu do Colégio Mauá. Hoje constitui peça valiosa a promover, ao mesmo tempo, uma lembrança do artista Lutzenberger, do pastor Eberhardt e do icônico Musterreiter, que deixou seus rastros nas colônias, mas desapareceu para sempre.

Aventuras sem fim em linhas, picadas e colônias

A série de gravuras elaboradas pelo artista plástico Joseph Lutzenberger busca contextualizar o Musterreiter, o caixeiro-viajante, nas mais diversas situações de seu cotidiano de andanças pelas regiões de colonização. Nos primeiros anos de estabelecimento dos imigrantes, diante das más condições de linhas ou picadas abertas, a título de trilhos ou estradas, o viajante obviamente se deslocava em lombo de burro ou de mula. Eram os animais mais robustos ou resistentes para enfrentar o inóspito de tais caminhos. Mais tarde, eventualmente apelava para o cavalo nos percursos já mais bem conservados.

“Vencendo Obstáculos”

Além de carregar o próprio caixeiro-viajante, o animal suportava o peso da mala, acomodada logo atrás de onde o cavaleiro estava instalado. Esta, repartida ao meio, com as metades pendendo a cada lado da montaria, acomodava tecidos, perfumes, sabonetes, outros itens de toucador, bem como as últimas novidades para homens e mulheres, e itens diversos para o lar. Alguns, o Musterreiter já tinha à pronta-entrega; outros eram mostruário para serem encomendados e trazidos numa futura visita.

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Justamente por essa sistemática, ou por esse sortimento, a tradução literal para o português de seu nome em alemão seria “cavaleiro de mostruário, ou de amostra”. Com o advento da motorização, passaria a circular igualmente em carro. Com os produtos que levava, e que faziam brilhar os olhos de colonos de todas as idades, nas vilas ou localidades distantes, por vezes muito afastadas de sedes ou espaços urbanos, também portava as notícias, as novidades. Por isso, as casas de família ou os bolichos de interior nos quais se hospedava se sentiam honrados, por terem a oportunidade de interagir com um viajante que vinha de tão longe e sabia dos acontecimentos em todas as colônias.

“A Alvorada”

Por assumir tal ar cultural e de elo de ligação entre as diversas áreas, o Musterreiter mereceu muitas homenagens e citações em livros, músicas e outras manifestações artísticas. Foi o que fez o professor e historiador Telmo Lauro Müller, de São Leopoldo, fundador do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo e do Instituto Histórico. No livro Colônia alemã: histórias e memórias, de 1981, dedicou seção ao caixeiro-viajante.

Müller recordou que o Musterreiter era figura conhecida e respeitada em sua localidade de origem, Lomba Grande, nas cercanias de São Leopoldo. Lá, o cavaleiro vinha com suas amostras de “importantes firmas de Porto Alegre”, e ia por milhares de quilômetros apresentar tais itens.

“A Partida”

Recorda que o caixeiro-viajante era de muito conceito entre as famílias, pois vinha “von dea Stadt” (da cidade). “Estava a par dos principais acontecimentos políticos, econômicos e sociais. Não esquecendo que era capaz de saber “obs nochmol bald Krieg gibt” (se em breve haverá nova guerra). O receio de algum conflito era sempre enorme em toda a área colonial.

Se na região em que nasceu Telmo Lauro Müller, em São Leopoldo, o caixeiro-viajante representava principalmente estabelecimentos da capital, eu outras colônias normalmente vinha a serviço de lojas das cidades maiores. Na Depressão Central, era comum que trouxesse produtos de Santa Cruz, Rio Pardo, Cachoeira ou de Santa Maria. Assim, mantinha as famílias dentro do possível informadas do andamento das coisas em todas as comunidades.

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Romar Behling

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