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200 anos de imigração alemã: as marcas de quem escreveu a história

Registro de época: lavadeiras junto ao Rio dos Sinos, em cuja margem a colônia de São Leopoldo foi criada

Muitos historiadores e pesquisadores têm se dedicado, ao longo dos últimos anos, a investigar, recuperar, sistematizar e registrar os mais variados enfoques e recortes associados à imigração alemã para o Brasil. Poucos talvez tenham empreendido essa tarefa com o empenho, a dedicação e o fôlego de um ainda jovem jornalista e pesquisador, Felipe Kuhn Braun, de 36 anos, que, não raro, une forças com colegas em seu mergulho em temáticas específicas.

É o caso da parceria com o historiador e professor Sandro Blume, que resultou no livro Histórias de São Leopoldo: dos povos originários às emancipações, lançado no primeiro semestre deste ano, e voltado a resgatar, como sugere o título, as contribuições das mais variadas etnias (entre elas, claro, os alemães) para o desenvolvimento da colônia pioneira em que germânicos se fixaram no Rio Grande do Sul. Em momento anterior, ambos já haviam resgatado a presença alemã em Porto Alegre.

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Em 16 livros que já assina como autor ou coautor, o jornalista e pesquisador Felipe Kuhn Braun esmerou-se em protagonizar um mergulho no contexto que resultou no povoamento, ou na colonização, de sua região natal, o Vale do Rio dos Sinos, já na proximidade de Porto Alegre. Nascido em Novo Hamburgo, em 1987, graduou-se em Jornalismo pela Feevale, em 2010, mas bem antes disso, motivado pela curiosidade em saber mais sobre os antepassados, começou a pesquisar sobre a imigração alemã. Que havia principiado, em todo o Sul do Brasil, na vizinha São Leopoldo, quando os primeiros colonizadores se fixaram na antiga Real Feitoria do Linho Cânhamo, em 25 de julho de 1824.

Ao longo de sua formação acadêmica, foi aprofundando os estudos, reunindo vasto acervo de dados e fotografias. Em paralelo, com consultas a arquivos históricos e a partir de entrevistas com expoentes da historiografia em todas as áreas, registrou tais apontamentos em sucessivos livros, que focavam, por exemplo, hábitos, costumes e tradições; localidades, personagens e famílias, com organização de amplo material sobre genealogia.

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Foi ainda assessor de imprensa na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, onde atuou como diretor de Jornalismo na gestão administrativa 2014-2015. Esse contato com o mundo político o motivou a candidatar-se, e assim se elegeu vereador em sua cidade natal, tendo sido presidente do Legislativo de Novo Hamburgo em 2018.

Felipe Kuhn Braun com a mais recente publicação que assina

Atualmente, é coordenador de Genealogia do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo e colaborador do Instituto de Estudos Históricos da Universidade de Mainz, na Alemanha (Institut für Geschichtliche Landeskunde an der Universität Mainz e.V.). Faz parte do Grupo de Estudos de História sobre Brasil e Portugal, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, na Argentina. Representa o Rio Grande do Sul na diretoria da Badisch-Südbrasilianische Gesellschaft e.V., entidade com sede em Karlsdorf-Neuthard (na Província de Baden-Württemberg), com o objetivo de encontros culturais, programas de intercâmbio, cursos de línguas e pesquisa genealógica, em especial do século 19, entre a região de Baden e o sul do Brasil. E é membro da Associação das Organizações Históricas da Grande Região Europeia: Saarland, Renânia-Palatinado, Lorena, Luxemburgo e Valônia.

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Um rico acervo sobre a colonização

As contribuições ou as marcas deixadas pelos colonizadores alemães, tanto nas primeiras áreas nas quais essas famílias de imigrantes se fixaram quanto nas novas regiões que foram sendo progressivamente ocupadas, já renderam inúmeras publicações. A estas, o jornalista Felipe Kuhn Braun busca agregar o seu olhar ou suas linhas de interesse, e com uma persistência incomum na abrangência de assuntos.

O mais recente dos livros que assina, em parceria com o historiador Sandro Blume, mergulha a fundo na história, ou até na pré-história, da região que sediou a colônia alemã pioneira, a atual São Leopoldo. Sob o título Histórias de São Leopoldo enfeixam-se, em sintonia com o termo no plural, os registros associados não apenas aos imigrantes germânicos, mas a todas as demais etnias que se fizeram presentes no mosaico social e cultural dessa área. Para tanto, Braun e Blume apelam para os diversos extratos da economia ou das atividades desenvolvidas no entorno em tempos passados. No centro do palco, em todas essas movimentações, está o Rio dos Sinos, o caminho líquido pelo qual viajaram inclusive os primeiros colonos alemães, em 1824.

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É sempre oportuno mencionar que a essa experiência inicial, que resultou em São Leopoldo, seguiu-se a fixação de sucessivas novas levas, em picadas abertas a partir de lá, muitas delas em direção à Serra Gaúcha. Em poucos anos, outros vales, como o Taquari, foram sendo desbravados. Já em meados do século 19, chegou a vez de uma colônia ser criada no Vale do Rio Pardo, resultando na atual Santa Cruz do Sul, e ainda em Vera Cruz, Sinimbu, Vale do Sol e todas as demais localidades posteriormente emancipadas, mas parte do território original da colônia. E poucos anos mais tarde, em 1857, era a vez de outro grupo se fixar às margens do Rio Jacuí, na Colônia Santo Ângelo, atual Agudo.

Para compreender mais a fundo as circunstâncias que cercaram a pioneira entre todas, a de São Leopoldo, o livro de Braun e de Blume oferece um panorama abrangente, que não descuida dos mais diversos personagens. Além disso, em um diferencial significativo em relação a relatos históricos anteriores sobre o mesmo ambiente, dezenas de fotos levam o leitor de hoje para o contexto real e pontual de cada etapa dessas histórias que falam alto ao coração e à mente de todos nós.

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Entrevista – Felipe Kuhn Braun, jornalista, pesquisador e historiador

  • Gazeta do Sul – Qual o fio condutor do projeto do senhor e de Sandro Blume que resultou neste novo livro?
    O fio condutor é a história da cidade, mas como ela foi desde os seus primórdios: com as suas raízes indígenas, com a ocupação do solo por parte de portugueses, que ganham uma parte da área de terras, na condição de sesmarias; no empreendimento da Real Feitoria do Linho Cânhamo, que foi transferido de Canguçu e levado a essa região; depois na falência da Real Feitoria, a vinda dos alemães, a transformação da Real Feitoria em São Leopoldo. Eu digo do nome, mas também falamos das divisões dos lotes e da formação, num primeiro lugar da colônia imperial de São Leopoldo, depois, em 1846, da Vila de São Leopoldo, mas com área territorial imensa se comparada aos dias atuais. E como foi esse desenvolvimento da cidade-berço da colonização alemã no Brasil, ao mesmo tempo com raízes indígenas, e com passado (além de indígena) português, africano, alemão e italiano. Lembrando também das igrejas, dos educandários, das instituições recreativas, que fizeram de São Leopoldo um núcleo, um polo religioso, educacional, de saúde, de comércio, na indústria e nas navegações, para toda uma região, especialmente no século 19 e no início do século 20.
  • O título traz “histórias”, no plural. A que histórias, no caso, o trabalho alude?
    Na verdade, é um conjunto de histórias nesses pontos que abordei, muitos deles trazendo conteúdo histórico, documental e fotográfico inédito. E não colocamos o título “história” porque não conseguimos contemplar tudo; contemplamos uma boa parte dessa história nessas 352 páginas. Dos nossos dois livros, feitos em conjunto, é o maior, praticamente cem páginas a mais do que o primeiro que publicamos, que foi o Alemães em Porto Alegre.
  • Também estão mencionados os povos originários. Que contribuições deram esses diversos povos, quais são eles e de que forma seguem presentes ainda hoje?
    Sim, os povos originários registramos porque de fato estavam aqui neste período da chegada dos portugueses. Primeiramente são os índios guaranis, muitos deles descendentes dos indígenas que tinham sido catequizados na região das Missões e viviam em planícies na região entre Viamão, próximo a Porto Alegre, e Gravataí, inclusive na região que se chama Aldeia dos Anjos. Estes povos que transitavam aqui, os indígenas, eram nômades; a gente tem vários indícios de ocupações deles.
    Claro que a chegada dos portugueses os afastou, mesmo que hoje continuem presentes através de outra tribo, com aldeia inclusive, na cidade de São Leopoldo. As suas raízes e registros encontramos em documentos deixados pelos portugueses, depois pelos padres e pelos imigrantes. Também havia índios Caingangue, principalmente na região das matas fechadas, mais ao norte. Podemos falar, por exemplo, do Campo dos Bugres, que hoje é Caxias do Sul. Ali para cima, no início da ocupação europeia da região, inclusive antes do Campo dos Bugres, já havia índios Caingangues, e esses entraram em contato com os imigrantes de forma não pacífica.
  • A colônia de São Leopoldo resultou em uma série de movimentos a partir desse marco zero. Como a presença alemã foi se estabelecendo, e que marcas trouxe?
    A presença de imigrantes alemães foi muito significativa nos primeiros anos da colônia imperial de São Leopoldo, tanto que temos registros de que, já em 1829, cinco após o início da imigração, toda a área de terras da então colônia imperial de São Leopoldo estava ocupada. O que perfazia o que a gente conhece como a área geográfica de Novo Hamburgo, Campo Bom, Estância Velha, Ivoti, Dois Irmãos, e um pequeno pedaço de Morro Reuter, uma parte de Santa Maria do Herval e uma boa parte de Portão. Essa área já estava toda ocupada nos primeiros anos da imigração alemã.
    Os alemães criaram casas comerciais, em alguns anos já tinham estabelecido moinhos… O registro mais antigo de primeiro moinho criado por imigrantes alemães foi na área de Campo Ocidental, que pega hoje uma parte da Scharlau, um bairro hoje de São Leopoldo. Nos primeiros cinco anos da imigração temos ateliês, oficinas importantes. Por exemplo, no livro A contribuição teuta à formação da nação brasileira, de Carlos Oberacker Júnior, ele escreve que em 1857, mesmo anos após a Revolução Farroupilha, que causou estragos no Vale do Sinos, havia três serralheiros, 23 ferreiros, oito ourives, quatro latoeiros, 12 gravadores, dois torneiros, 18 tecelões, 12 cesteiros, 10 açoreiros, 12 alfaiates, 53 carpinteiros, oito açougueiros, três tanoeiros e dois cordoalheiros.
    Ainda existiam oficinas para fabricação de canoas, oito; de carroças, quatro; de cigarros, sete; de charutos, 12; carvoarias, oito; serrarias, cinco; moinhos, 50! E quatro fábricas de cola, três olarias de cerâmica, duas chapelarias, sete olarias, 80 engenhos de farinha de mandioca, 28 engenhos de açúcar e alambique, 30 lagares de óleo movidos a água, uma fábrica de vinagre, que era a Weinman, do Rio dos Sinos; e cinco cervejarias. Olha a importância econômica da indústria de São Leopoldo, nesse aspecto por causa da vinda dos alemães, que foram empreendedores, ainda que tenham vindo com muitas dificuldades, mas com grande formação técnica e que dominavam esse conhecimento. Isso foi muito importante!
A colônia alemã pioneira: vista panorâmica de São Leopoldo quando já era uma localidade em franco desenvolvimento

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