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Museu

Barão de Santo Ângelo: história mutilada em Rio Pardo

Protagonista dos primeiros passos da trajetória do Rio Grande do Sul, a cidade de Rio Pardo guarda longe do público um dos mais importantes acervos históricos do Estado, que chegou a duas mil peças. Criado em 1935, o Museu Barão de Santo Ângelo sofre há cinco anos com as limitações para visitação por causa da precariedade do Solar Almirante Alexandrino. A reforma inaugurada no fim de setembro do ano passado, após seis meses de obras, pouco tempo depois virou nova dor de cabeça para os defensores do patrimônio histórico, diante de problemas como infiltrações de água na estrutura e danos e perda de peças consideradas valiosas.

Hoje a Cidade Histórica sequer tem condições de abrir as portas do local que até poucos anos era um dos principais cartões-postais e guardião de peças raras. Os problemas se arrastam desde 2012, quando a estrutura passou a receber apenas grupos de visitantes com agendamento para entrar no local e contemplar somente o primeiro pavimento. O segundo piso já havia sido interditado em razão das infiltrações, goteiras e problemas com cupins.

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Em 2014 houve o fechamento do prédio em definitivo para passar pelo processo de reforma, que ocorreu somente em 2016. A Marinha do Brasil cedeu a mão de obra e uma equipe do Comando do 5º Distrito Naval, de Rio Grande, ficou por cerca de seis meses no município para a execução dos trabalhos no solar. As madeiras usadas na reforma foram doadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). 

A reinauguração do prédio ocorreu em setembro do ano passado, mas mesmo assim a população não pôde entrar no local. Na época surgiram denúncias sobre as precárias condições de manejo dos objetos do acervo durante a transferência para as obras. (Colaborou Otto Tesche)

COMO ESTÁ O MUSEU

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A mobília da primeira Câmara de Vereadores permanece em uma das salas, mas com sutis estragos – um pé quebrado e outro detalhe danificado em uma das cadeiras. Mas em uma observação mais abrangente é possível notar as paredes com infiltrações severas e o armário que cobre parte da área com pontos mofados, na estrutura onde estava exposta a réplica do uniforme dos Dragões de Rio Pardo.

O traje completo do uniforme dos Dragões apresentava o casaco, calça, colete, punhos, jabô e polainas. Após a reforma, somente o casaco e as polainas retornaram. Das peças de vestuário que faziam parte do acervo do museu, falta atualmente o pala de seda usado por David Canabarro na Batalha do Barro Vermelho, na Revolução Farroupilha, em 1838.

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No primeiro andar do Museu Barão de Santo Ângelo funcionava ainda a Sala Açoriana, que apresentava aos visitantes trajes completos vindos de além-mar. Segundo a coordenadora do museu, Aida Ferreira, que está no cargo há mais de 30 anos, entre idas e vindas durante o período de reforma, as roupas molharam e se perderam.

Após a Sala Açoriana, logo se avista a senzala, uma das áreas mais marcantes do prédio. O cômodo já sofre com as infiltrações há anos e chegou a ser interditado em 2012. Mesmo após as intervenções, o espaço segue muito úmido. 

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No segundo pavimento fica mais clara a deterioração do prédio, com partes do reboco caindo, infiltrações e o chão cheio de poças. Nas salas da área encontra-se boa parte do acervo que voltou ao local – só que não exposto, como em anos anteriores, e sim sob lonas, para proteger das goteiras.

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Muitas peças não estão mais no acervo ou se encontram quebradas. Um console feito de cedro com pés de garra e tampo de mármore não retornou ao museu. Outro está quebrado e sem a pedra. Assim como esta peça, outras retornaram aos pedaços.

De acordo com a coordenadora do museu, Aida Ferreira, hoje apenas algumas peças de porcelana, as armas e moedas, entre outras, poderiam ser expostas. As demais precisam de restauração.

 Algumas, aparentemente, não têm mais conserto. Outras perderam o brilho de outrora, como a mala armário, antes cheia de glamour.

Outros objetos em prata, como a carteira da doutora Rita Lobato, não foram mais encontradas após as mudanças. A caderneta e a caneta da professora Ana Aurora do Amaral Lisboa também não retornaram.

Prefeitura quer retirar objetos do prédio

Para que o museu volte a receber visitantes há um longo trabalho pela frente. O secretário de Turismo e Cultura, Ramon Barros, explica que nos próximos dias os objetos devem ser retirados do solar e acondicionados em uma peça com melhores condições. Após será feito um levantamento das peças e da situação de cada uma. “Já estamos fazendo contato com uma restauradora para tentar a recuperação”, explica. Outra medida que está sendo proposta é que o município faça, com mão de obra própria, medidas de contenção que diminuam os danos. “O que nos permitirem, sendo um prédio histórico, nós vamos fazer. Temos em Rio Pardo um vasto material com grande valor histórico-cultural”, afirma o secretário.

Solar

O Solar Almirante Alexandrino foi construído em 1790 por Mateus Simões Pires, um dos primeiros açorianos a chegar a Rio Pardo. O sobrado, de arquitetura colonial, foi construído em barro e madeira dois metros acima do nível da rua. Inicialmente era um prédio comercial, composto de 12 

salas e uma senzala em dois pavimentos. Alexandrino de Alencar nasceu no local em 1848. Foi um político brasileiro, senador durante a República Velha. Casou com Amália Murray Simões e Santos e teve duas filhas e um filho. O Museu Barão de Santo Ângelo foi inaugurado em 1935, com uma exposição de objetos usados durante a Revolução Farroupilha. Em 1939, foi reconhecido como de utilidade pública. Até a reforma de 2016, o prédio havia passado por duas restaurações e um reparo, o último no início dos anos 80. 

Ministério Público Federal investiga

Após a posse, ao tomar conhecimento da situação do Solar Almirante Alexandrino, a atual administração municipal determinou abertura de sindicância para apurar os danos e perdas do acervo. Segundo Renan Klein Soares, presidente da comissão de sindicância e assessor jurídico da Procuradoria do município, foi concluído que os possíveis responsáveis já não atuam mais na administração. Por isso, o documento foi entregue pelo prefeito Rafael Barros ao Ministério Público Federal (MPF). Segundo Soares, o levantamento constatou que 80% do acervo está impróprio para exposição após o remanejamento, ou por avarias, ou porque peças foram perdidas.

Neste momento a comissão trabalha em uma segunda sindicância, que vai apurar os caminhos tomados durante a reforma. Em uma primeira visita foi constatado que a madeira doada pelo Ibama, fruto de apreensões, não foi usada em sua totalidade no prédio do Museu Barão de Santo Ângelo. Não há dados oficiais de quanto de madeira foi enviado. Informações divulgadas pela Prefeitura na época apontavam 90 metros cúbicos. As peças seriam usadas no solar e em outros prédios históricos.

O MPF abriu expediente em relação à questão que envolve o museu. Como há grande número de documentos, o procurador da República em Santa Cruz do Sul, Marcelo Augusto Mezacasa, trabalha na análise do material para definir os próximos passos.

Ex-secretário diz que nada sumiu do local

O secretário de Turismo e Cultura de Rio Pardo durante o período de reforma do Solar Almirante Alexandrino, Luiz André Granada da Silva, afirma que faltaram pequenos reparos no prédio. Observa que na época que a equipe da Marinha trabalhou na restauração houve pouca chuva e o ideal era fazer o acompanhamento durante precipitações por algum tempo para os ajustes. Granada prefere não entrar em polêmica sobre a situação do Museu Barão de Santa Ângelo e em discussões políticas, mas ressalta que se ainda estivesse no governo o local já estaria aberto ao público. 

O ex-secretário explica que há quatro anos, quando houve a posse da administração anterior e ele assumiu como secretário de Obras, não havia inventário sobre as máquinas da Prefeitura e nem sobre as peças do museu. Granada observa que no fim do ano passado a equipe do último governo repassou o levantamento de todos os bens. “É muito simples hoje dizer que faltam peças, mas quem garante que tinha há quatro anos se não havia inventário?”, questiona.

Em relação ao acervo, Granada afirma que houve o devido cuidado durante a transferência das peças para a Secretaria de Obras antes do início da reforma do Solar Almirante Alexandrino e depois durante o retorno. “Nada de lá foi subtraído”, ressalta. Observa que o prédio ficou oito anos fechado antes do restauro, com o acervo se deteriorando e culminando com a interdição do prédio por causa das goteiras. 

Quanto à madeira fornecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Granada explica que parte do material era desparelha. Por isso, a parte não utilizada no restauro do prédio do museu foi cedida para famílias em situação de vulnerabilidade social cadastradas na Secretaria de Assistência Social. “Tentamos usar na reforma da Igreja São João, mas percebemos que a madeira não era ideal”, afirma.

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