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FORA DA PAUTA

A curva

Estamos apenas em maio, mas para mim já é a palavra do ano. Há mais de dois meses falamos nela o tempo todo. A cada dia corremos atrás das notícias para saber como ela anda, e já estamos convencidos de que a retomada do curso regular de nossas vidas depende única e exclusivamente dela. A curva.

Ela é o termômetro da nossa desgraça. É o que nos dá lampejos de esperança ou o que amplia as nossas angústias a cada atualização. As energias do poder público, dos institutos de pesquisa e dos serviços de saúde estão todas voltadas para ela. Achatá-la é a palavra de ordem que emana diuturnamente da boca das autoridades – ao menos das que demonstram sensibilidade com a situação.

Naturalmente, em um país continental, desigual e conflagrado, não há somente uma curva. E na era da desinformação e do desprezo pelo conhecimento formal, não surpreende que muitos façam interpretações a seu bel-prazer. Há quem jure que a curva é uma farsa, embora a boa ciência e a cautela apontem justamente o contrário: que a realidade é bem mais grave do que os dados oficiais indicam.

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Na acepção do dicionário, curva é a representação gráfica da variação de um fenômeno ou, em termos geométricos, uma linha formada a partir de um ponto que muda constantemente de direção. Significa, enfim, um desvio de rota. No atual contexto, toda a expectativa é que consigamos percorrer esse trecho sinuoso de nossa trajetória e reencontrar a linha reta, onde não haverá contágio nem mortes e nem distanciamento social.

Ocorre que a curva da pandemia não é a única que se impõe em nosso caminho enquanto sociedade nesse momento tão particular. Talvez nem todos tenham percebido, por exemplo, a dimensão do que ocorreu nessa semana no âmbito público em Santa Cruz, com a cassação de dois vereadores, algo inédito em 143 anos de fundação do município, e que se reveste de mais significado ainda quando lembramos que estamos às vésperas de completar um ano desde outro episódio sem precedentes – a prisão de um parlamentar no exercício do mandato. Isso sem falar na possibilidade real de outros integrantes do Legislativo encontrarem a mesma sentença nos próximos meses.

Juízos de valor à parte, a mim parece claro que esses fatos representam uma nova fase, em que práticas antigas e enraizadas nos grotões do universo político deixam de ser toleradas e o paradigma da impunidade crônica entra em colapso. Diferente do caso da pandemia, em que esperamos vencer a curva para voltar ao “normal”, esse desvio de rota nos leva inevitavelmente a um novo caminho – ou, como alguns vêm dizendo, um “novo normal.”

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Na esfera nacional, também tenho a impressão de que há uma curva diante de nós. Estamos, mais uma vez, discutindo e testando os limites de nossa democracia, revisando os nossos consensos sobre liberdade de expressão e relação entre poderes à luz de um novo cenário comunicacional e de polarização radical. Como ainda não se sabe para onde essa curva nos levará, resta torcer para que não seja um caminho extremo e sempre traumático, como uma deposição presidencial ou, pior, um novo regime de exceção.

Curvas, afinal, podem ser oportunidades, mas também armadilhas amargas, passagens sem volta para o retrocesso. Tomara que haja outras saídas no percurso.

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